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2 TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E A INDÚSTRIA DE GÁS

2.5 CONTRATOS INCOMPLETOS

Uma das principais características da teoria dos contratos é o reconhecimento de que eles são essencialmente incompletos, porque, além da racionalidade limitada, existem custos significativos de mensuração e informação que fazem com que a tentativa de especificá-los plenamente se torne proibitiva.

A tentativa de especificar completamente a performance de um grande número de variáveis, mesmo nas mais improváveis das ocorrências, envolve pesados custos de pesquisa e processamento de informações sobre o(s) parceiro(s) no negócio e de redação do(s) contrato(s) pertinentes. Em uma indústria de rede (como a de gás natural), esses problemas são ainda mais dramáticos, pois dado que essas indústrias são caracterizadas por uma forte especialização dos agentes e grande complementaridade entre si, o volume de contratos é muitas vezes superior ao usual. Além disso, alguns aspectos simplesmente não têm como ser estabelecidos em contrato, como a quantidade de dedicação de um trabalhador.

As empresas fazem negócios deixando sem grande especificação algumas contingências de menor probabilidade e sabendo que futuros imprevistos terão que ser tratados ex post. O grau de detalhamento dos contratos escolhido pelos agentes envolve um trade-off entre a capacidade de ir à justiça para forçar o cumprimento do acordo e os custos dessa especificação.

Klein (2002) ressalta que os contratantes são livres para escolher entre esses fatores por causa da existência de mecanismos que se auto-impõem (self-enforcing mechanisms). Eles funcionam através da ameaça de finalização dos negócios pela não satisfação de alguns componentes da performance tacitamente acertados: cada agente compara os ganhos de curto prazo pelo descumprimento da desejada performance (W1), com a perda do fluxo de lucros futuros descontado no tempo (W2) que virá com o rompimento do contrato. Se W1<W2, o contrato se auto-impõe; caso contrário, ocorre a ação oportunista. Quando existe um W2 suficientemente grande – também chamado de capital de reputação – os agentes vão preferir deixar certas cláusulas em aberto, pois isso evita os custos tanto de especificação excessiva quanto de uso do sistema judicial.

Entretanto, dada as características de cada negócio, o montante de fluxo de lucros que pode ser esperado é circunscrito. O emprego da força legal, através dos termos previamente acertados, vem então para alterar o equilíbrio entre essas duas forças. O contratante pode usar os termos do contrato tanto para alterar os ganhos esperados com a ação oportunista (através de multas e outras formas de ressarcimento) como para elevar as rendas futuras esperadas do negócio (contratos de exclusividade, de manutenção do preço, do tipo take or pay, etc.). Essas duas formas são, portanto, complementares.

Transactors use contract terms to get close to desired performance without creating too much rigidity and to shift future rents between transacting parties so as to coincide more closely with each transactor’s potential non-performance gain. In these ways contract terms assure that the transactor’s business relationship remains self-enforcing over the broadest range of likely future market conditions…self-enforcement and courtenforcemen are not alternative enforcement mechanisms, but are complementary instruments used by transactor in combination to guarantee transactor performance (KLEIN, 2002, p.54).

Mesmo assim, uma série de problemas pode ocorrer. As cláusulas não especificadas são deixadas de lado por uma economia de recursos limitados frente à sua baixa probabilidade de ocorrência. Nada garante, porém, que não irão ocorrer, pois, sendo o futuro incerto, uma sucessão de eventos pode levar a uma situação de refém. Se, por exemplo, uma das partes contratantes vê sua demanda pelo produto em questão crescer rapidamente, de forma não esperada, a outra parte, ao perceber que a perda associada ao término do contrato seria desastrosa para o outro agente, muda a sua ação e age de forma oportunista tentando se apropriar de maiores fluxos futuros de lucros. Outra possibilidade de ocorrência de problemas é que, dada a racionalidade limitada, os agentes podem não ser capazes de tomar todas as medidas para se precaverem conscientemente de mudanças nos parâmetros do negócio, mesmo que certa quantidade de informação esteja disponível antecipadamente.

Por conta da importância desses eventos para os contratos de longo prazo e das renegociações daí derivadas, consolidou-se na doutrina jurídica a chamada Teoria da Imprevisão. Ela se baseia no princípio rebus sic stantibus (da manutenção do estado das coisas) e define que os contratos contínuos permanecem válidos contanto que as condições gerais sobre as quais versa não sofram drásticas mudanças imprevistas e imprevisíveis.

O argumento fundamental é que certas obrigações assumidas no início da relação contratual podem, devido a alterações nas condições socio-econômicas, tornarem-se excessivamente onerosas para uma das partes e dificultar ou inviabilizar o cumprimento de todas as suas cláusulas. Ademais, se a manutenção do contrato levar a um enriquecimento anormal do credor, abre-se a possibilidade de revisão dos termos do acordo legalmente firmado para, com isso, reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da relação (LOPES, 2001).

Os agente envolvidos em uma situação desvantajosa tentam, muitas vezes, se refugiar em tais princípios para não incorrer em perdas suplementares. A distinção entre os casos em que as perdas são decorrentes de cenários imprevistos e imprevisíveis e a aquelas associadas ao risco inerente da atividade econômica abre espaço para manipulações e falhas jurídicas, influenciadas, uma vez mais, pela assimetria de informação e racionalidade limitada.

Dessa forma, os arranjos contratuais devem ser entendidos como uma forma de se conseguir performances desejáveis (e não propriamente perfeitas) das partes em um negócio. Os participantes de um acordo tentam olhar à frente, reconhecer os possíveis perigos e trabalhar suas ramificações, criando estruturas contratuais e de governança que possam mitigar os riscos envolvidos, mas sabendo, de antemão, da impossibilidade de se precaver contra todos os eventos futuros. Além disso, a análise do ambiente institucional mais geral onde se desenvolve o negócio também tem que ser considerado, pois as instituições, como as cortes, estão sujeitas a falhas não desprezíveis para o desenvolvimento dos negócios.

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