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3. A GEOGRAFIA DE ITAPICURU/BA E A INSERÇÃO DOS AGRICULTORES NO

3.3. Contribuição do PNAE na valorização dos alimentos tradicionais

A expansão de monoculturas nas últimas décadas no espaço rural brasileiro com base numa lógica de uma produção agroexportadora influenciou modificações nos hábitos alimentares da população. O clássico exemplo é a inserção dos derivados da soja na alimentação da população, reflexo da expansão do capital internacional no mundo, que se tornou um produto básico para o consumo cotidiano (OLIVEIRA, 1994). Essa tendência de homogeneizar a cultura alimentar tem sido fortalecida pelo modelo econômico vigente.

Conforme Oliveira (2016), essa configuração mundial do capital internacional impulsionou a implementação da soja, principalmente, no Brasil. Essa commoditie recebeu notoriedade e importância no país, atualmente posiciona-se como o segundo maior produtor do mundo, resultando na modificação da cultura alimentar da população.

Esse movimento de expansão das empresas transnacionais em escala global interfere diretamente na padronização dos hábitos alimentares, bem como as práticas costumeiras das pessoas de escolher o próprio alimento em consonância com a cultura local (STEDILE; CARVALHO, 2010). Essa influência contribui para a homogeneização não somente na questão alimentar, mas também no modo de vida da população, entretanto, as modificações no sentido da alimentação estabelecem novas formas de produção, circulação e consumo.

De acordo com Coca (2016), essa discussão tornou-se centralidade nos mercados em escalas locais, com o objetivo de desassociar da lógica hegemônica a produção e distribuição

de alimentos, a qual impulsiona incessantemente o consumo de produtos industrializados de baixa qualidade via a atuação das grandes corporações globais. Esse contraponto é fundamental para a preservação da cultura alimentar tradicional, bem como a valorização do trabalho dos sujeitos.

O movimento hegemônico busca a padronização do modo de vida e, consequentemente, dos hábitos alimentares, mas esbarra-se na heterogeneidade dos espaços. Estes apresentam uma diversidade de elementos que caracterizam suas culturas. Appadurai afirma que: “O problema central das interações globais atuais é a tensão entre a homogeneização cultural e a heterogeneização cultural” (1994, p. 311). São estes elementos específicos no tocante aos saberes, costumes, tradições, cultura alimentar que sustentam as representatividades de cada localidade e resultam no fortalecimento de seus territórios.

De acordo com Triches e Werkhausen, “[...] com o advento do processo de globalização, muitas de nossas matrizes culturais se esvaeceram, se hibridizaram ou se contaminaram, construindo cada vez mais paladares homogeneizados e industrializados” (2017, p. 135). A intervenção estatal, nesse sentido, é fundamental para a efetivação de políticas públicas direcionadas no âmbito ao contrapor essa lógica hegemônica. A crescente padronização dos hábitos alimentares com o consumo de produtos industrializados tem atingido a cultura dos povos de várias partes do mundo.

A desvalorização dos alimentos tradicionais, que são preservados durante gerações, é um dos efeitos que essa lógica hegemônica avassaladora tem o objetivo de consolidar (COCA, 2016). Entretanto, na escala global, emergem movimentos contrários a essa lógica que buscam valorizar as culturas locais e a produção de alimentos tradicionais (MENEZES; CRUZ, 2017). Embora o processo de globalização tenha desencadeado a lógica de homogeneização e padronização dos hábitos alimentares, provocou também, de forma contraditória, um movimento de reafirmação das tradicionalidades locais (PAIVA; FREITAS; SANTOS, 2012), relacionadas com as identidades, saberes e sabores dos povos. Esse fortalecimento consolida a compreensão acerca da importância da diversidade cultural, sobretudo, da cultura alimentar.

De acordo com Menezes e Cruz, “[...] a produção e o consumo, arraigados aos locais de origem, fortalecem dinâmicas territoriais, uma vez que, ao proporcionar interação entre os territórios e os produtos, promovem inovações nos alimentos e, ainda, envolvem distintos atores sociais" (2017, p.28). Dentre os alimentos da agricultura familiar camponesa inseridos na alimentação escolar do município, constam também a presença dos alimentos identificados como farinha de mandioca e o biscoito de goma (Figura 03 e 04).

Figura 03: Biscoito de goma produzido pela agricultura familiar camponesa local em 2018

Fonte: Trabalho de campo, 2018.

Figura 04: Farinha de mandioca produzida pela agricultura familiar camponesa de Itapicuru/BA em 2019

Fonte: Trabalho de campo, 2019.

Estes alimentos utilizam a mandioca como matéria-prima para sua produção, os quais são elaborados pelos agricultores familiares camponeses que fornecem os gêneros alimentícios para o PNAE. Esse processo evidencia o que estabelece a lei responsável pelo programa em seu Art. 12:

Os cardápios da alimentação escolar deverão ser elaborados pelo nutricionista responsável com utilização de gêneros alimentícios básicos, respeitando-se as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura e a tradição alimentar da localidade, pautando-se na sustentabilidade e diversificação agrícola da região, na alimentação saudável e adequada (BRASIL, 2009).

A construção dos hábitos alimentares é consequência de diversos aspectos econômicos, culturais, ecológicos e sociais. O alimento estabelece uma função que está além da questão nutricional, este é proveniente de uma construção que atrelam fatores socioculturais e dessa forma influenciam os hábitos alimentares (MENEZES, 2013).

Os dados do Censo Agropecuário do IBGE apontam que a produção de mandioca (Tabela 11) está entre os principais cultivos agrícolas nas últimas décadas no município, sendo a agricultura familiar camponesa a principal responsável por produzir esse alimento na atualidade, correspondendo a parcela de 79,6%. Embora tenha ocorrido uma redução na produção, reflexo das estiagens nos últimos anos, esse produto é direcionado especialmente ao consumo familiar, mas também é comercializado nas feiras e para a produção de derivados.

Tabela 11: Evolução da produção de mandioca em Itapicuru/BA – 1995-2017

ANO PRODUÇÃO (Ton)

2017 5.740

2006 8.182

1995 6.101

Org.: MATOS, M. M. S., 2019. Fonte: IBGE, 2019.

As entrevistas com os agricultores fornecedores de alimentos para o PNAE revelaram a importância do cultivo da mandioca, tornando-o um produto fundamental para a reprodução social das famílias. Denota-se, nesse sentido, a potencialidade dessa cultura na realidade local, e, dessa forma, constitui a preservação dos hábitos alimentares tradicionais. O agricultor 1 relatou o seguinte: “Se eu não tiver um pedaço de terra plantado de mandioca em minha roça

é como se eu tivesse fazendo algo errado, tem que plantar para manter a tradição (2019)”. É

notória a importância que esse produto estabelece para a população local, tanto para servir de alimento para os grupos familiares, como para garantir uma renda por meio do escoamento deste nos canais de comercialização.

A inserção de alimentos provenientes desse cultivo na alimentação escolar do município denota a importância do PNAE como um relevante instrumento para a valorização da cultura alimentar local. Para Santos (2019), o programa promove a preservação dos hábitos alimentares com a incorporação de alimentos tradicionais para esse mercado institucional, bem como impulsiona a produção e o consumo de uma diversidade de produtos da agricultura familiar camponesa.

A atuação dos agricultores familiares camponeses é fundamental para o fortalecimento da promoção de hábitos alimentares de qualidade (COSTA, 2013), além da manutenção da

valorização produção agrícola local oriunda das comunidades tradicionais e assentamentos de reforma agrária.

A iniciativa do Estado em efetivar políticas públicas como o PNAE torna-se fundamental para o fortalecimento da cultura alimentar. Para Triches e Werkhausen (2017), a construção de canais de comercialização com os mercados institucionais promovem a revisão dos hábitos de consumo, valoriza os aspectos culturais dos alimentos, bem como proporciona para a agricultura familiar camponesa subsídios para a reprodução social das famílias no espaço rural.

4. AS CONTRIBUIÇÕES DO PNAE E AS DEMAIS ALTERNATIVAS GERADORAS