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3.1 AS FONTES QUE COMPÕEM A RECEITA DOS SINDICATOS

3.1.4 Contribuição Sindical

Esta é a contribuição que mais se diferencia das anteriormente expostas, e que exigirá maior atenção neste trabalho. Isto porque, dentre todas as apresentas, esta é a principal121, e também a única que sofreu profundas alterações com a Lei nº 13.467/2017, acerca das quais ainda não há consenso na doutrina e na jurisprudência. Assim, esta parte do trabalho se dedicará a explicar a forma como a contribuição sindical se consolidou na estrutura jurídico-legal brasileira, elucidando os pontos que permanecem hígidos na legislação, para, na sequência, demonstrar as questões controversas, antes e após as modificações instituídas pela Reforma Trabalhista.

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BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao88.htm>. Acesso em: 17 jun. 2018. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

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MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuições sindicais: direito comparado e internacional;

contribuições assistencial, confederativa e sindical. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 83.

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MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuições sindicais: direito comparado e internacional;

contribuições assistencial, confederativa e sindical. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 91.

120

MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuições sindicais: direito comparado e internacional;

contribuições assistencial, confederativa e sindical. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 105.

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FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Contribuições sindicais e liberdade sindical. In: PRADO, Ney (coord.). Direito Sindical Brasileiro: estudos em homenagem ao Professor Arion Sayão

Inicialmente, importa referir que a contribuição sindical foi inserida na legislação brasileira pelo Decreto nº 2.377/1940, sob a denominação de “imposto sindical” e, dentro do contexto de forte corporativismo em que estava estabelecida, fomentou a atuação sindical, mas também justificou o autoritarismo do Ministério do Trabalho e impulsionou o surgimento dos dirigentes pelegos122. No entanto, tempos depois, para disfarçar a sua natureza tributária123, tendo em vista que a maior parte do valor arrecadado era destinada a entidades diversas do Estado124, o que contrariava o próprio conceito de tributo, a contribuição foi rebatizada com epíteto mais eufemístico125, ainda hoje prevalecente.

Apesar de ser reconhecida como um resquício deste modelo corporativista que teima em permanecer no ordenamento jurídico pátrio126, a contribuição sindical foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 que, ao instituir a contribuição confederativa, ressalvou, na parte final do inciso IV do artigo 8º, a existência de contribuição prevista em lei. Neste cenário, a fonte de custeio, que já estava minuciosamente regulamentada no Capítulo III do Título V da Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 578 a 610), ganhou respaldo constitucional, e passou a ser devida integralmente ao sindicato e às entidades de grau superior, restando derrogados os dispositivos relativos à sua vinculação com o Poder Público127.

De acordo com o artigo 580 da CLT, o valor da verba corresponde, para os empregados, à remuneração de um dia de trabalho; para as empresas, a um percentual calculado sobre o seu capital social, na forma do inciso III; e para os trabalhadores autônomos e profissionais liberais, à porcentagem prevista no inciso II do mesmo artigo. Em todos os casos, o montante é descontado somente uma vez ao ano.

Ademais, consoante preceitua o artigo 589 da CLT, o total arrecadado com a contribuição sindical dos trabalhadores deve ser rateado entre as confederações,

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AROUCA, José Carlos. Curso Básico de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2006, p. 212.

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AROUCA, José Carlos. Curso Básico de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2006, p. 212.

124

MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuições sindicais: direito comparado e internacional;

contribuições assistencial, confederativa e sindical. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 43.

125

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, 1487.

126

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1067.

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FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Contribuições sindicais e liberdade sindical. In: PRADO, Ney (coord.). Direito Sindical Brasileiro: estudos em homenagem ao Professor Arion Sayão

centrais sindicais, federações, sindicatos (que ficam com a maior parte do valor) e a Conta Especial de Emprego e Salário. Da mesma forma em relação às entidades patronais que, em razão da inexistência de centrais sindicais em seu sistema, destinam um percentual maior à Conta Especial.

Até o ano de 2017, esta contribuição, de natureza tributária128, era indubitavelmente compulsória, sendo obrigatória a todos os membros das categorias profissionais, econômicas, de autônomos e profissionais liberais, independentemente de serem ou não serem sócios do sindicato que os representava, na forma que dispunha o artigo 579 da CLT:

Art. 579 - A contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591.

Compete destacar, aqui, que mesmo antes das recentes alterações, esta fonte de custeio nunca foi um consenso na doutrina. Por um lado, como suscitado por Alice Monteiro de Barros, existe uma corrente doutrinária que entende e aceita a contribuição sindical, dizendo que o tributo não é para que o sindicato viva à custa do Estado, mas para que seja aplicado em finalidades assistenciais, proibindo que os sindicatos o utilizem na manutenção de seus serviços normais, que devem ser atendidos pelas receitas próprias129. Em contrapartida, Leandro Martinez lamenta que tão importante fonte de custeio independa de qualquer esforço das entidades sindicais130, ao passo que Orlando Gomes e Elson Gotschall criticam duramente a verba:

A contribuição sindical representa, no fundo, uma deformação legal do poder representativo do sindicato. Baseado numa fictícia representação legal dos interesses gerais da categoria profissional (art. 138 da Carta de 1937), atribui-se, por lei, ao sindicato, os recursos tributários impostos pelo próprio Estado, à guisa de estar legislando em nome do sindicato. Daí dizer- se que o mesmo tem poderes de impor contribuições a todos os que pertencem às categorias econômicas e profissionais (letra e, art. 513, CLT). [...]

O sindicato, alimentado por um tributo público, vivendo às expensas do Estado, controlado por este, perder a sua independência, alienou toda a sua liberdade. Se todas as modalidades de controles, que o sistema sindical pátrio impôs ao sindicato, deixassem de existir, por uma reforma completa

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DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de; OLIVEIRA, Cíntia Machado de. Direito do

Trabalho. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 427.

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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 807- 808.

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da lei sindical, bastaria a permanência deste tributo para suprimir-lhe qualquer veleidade de independência. Nenhum Estado pode dispensar-se da tutela às pessoas jurídicas, quando fornece os recursos que lhes mantêm a sobrevivência. Pensar de modo diferente é raciocinar em termos irreais, fantasiosos, quando não o seja de má-fé.131

Mas o fato é que os próprios atores envolvidos na temática (governo, sindicatos de trabalhadores e entidades patronais) não apresentam opiniões congruentes. De acordo com a avaliação realizada por Carlos Henrique Horn na obra “Os debates estaduais do Fórum Nacional do Trabalho: entre a reforma e a continuidade”132, que, conforme anuncia o título, analisou as discussões que precederam o aludido Fórum, em 2003, nas Conferências Estaduais do Trabalho (CET), o tema do financiamento sindical evidenciava um quadro de profundas divergências. Segundo a pesquisa, a taxa de consenso entre as bancadas foi próxima de zero, sendo que, do total das recomendações133 proferidas em relação à contribuição sindical compulsória, onze foram no sentido da manutenção, e dez pela extinção.

E o Comitê de Liberdade Sindical da OIT, ao se pronunciar sobre o tema, em diversas oportunidades afirmou que as questões relativas ao financiamento dos sindicatos deveriam ser reguladas pelas próprias entidades, cabendo a elas, inclusive, decidirem se pretendem receber este aporte financeiro. Assim, evidenciou que concebe as contribuições obrigatórias como institutos incompatíveis com a liberdade sindical e que deveria ser concedido aos trabalhadores o direito de optarem ou não pelo desconto em seu salário:

As questões relativas ao financiamento das organizações sindicais e patronais, tanto no que diz respeito aos seus próprios orçamentos, como aos das federações e confederações, deveriam regular-se pelos estatutos dos sindicatos, federações e confederações, de modo que a imposição de contribuições por meio da Constituição ou por via legal não está de acordo com os princípios da liberdade sindical [tradução nossa]134.

131

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 606.

132

HORN, Carlos Henrique. Os debates estaduais do fórum nacional do trabalho: entre a reforma e a continuidade. In: In: HORN, Carlos Henrique; DA SILVA, DA SILVA, Sayonara Grillo Coutinho

Leonardo (Org.). Ensaios sobre Sindicatos e Reforma Sindical no Brasil. São Paulo: LTr, 2009, p. 146-185.

133

Se quaisquer duas das três bancadas favorecessem a proposição esta seria denominada recomendação.

134

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Libertad sindical: Recopilación de

decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT. 5ª ed. (revisada). Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2006, p. 104, par. 473. Las

O Comitê solicitou a um Governo que tomasse as medidas necessárias para modificar a sua legislação, de modo a permitir que os trabalhadores pudessem optar pela realização de descontos de seus salários em virtude de cotas sindicais em favor das organizações sindicais de sua eleição, mesmo se ditas organizações não fossem as mais representativas [tradução nossa]135.

Cabe às próprias organizações decidir se recebem financiamento para atividades legítimas de promoção e defesa dos direitos humanos e dos direitos sindicais [tradução nossa]136.

Neste controverso contexto, o doutrinador Arnaldo Süssekind, ao discorrer acerca do tema, revelou entendimento no sentido de que não haveria nenhum impedimento para que os dispositivos celetistas que tratam do tributo sindical (CLT, Tít. V, Cap. III) fossem revogados137. Maurício Godinho Delgado, na mesma direção, referiu que a regra constitucional não impediria a revogação dos preceitos legais instituidores da verba138.

Assim, após mais de sete décadas de vigência da contribuição sindical compulsória na forma aqui exposta, o tema foi substancialmente alterado pela Lei nº 13.467/2017 que, apesar de não ter realizado modificações aparentemente extensas no título V da CLT, que trata da organização sindical no Brasil, realizou uma mudança específica, atingindo em cheio a matéria aqui debatida139.

Da redação dada pela Lei nº 13.467/2017 aos dispositivos que tratam do assunto, e serão pormenorizados na sequência, é possível concluir que a principal alteração relativa ao sistema de financiamento sindical reside na necessidade de

que respecta a sus propios presupuestos como a los de las federaciones y confederaciones, deberían regularse por los estatutos de los sindicatos, federaciones y confederaciones, por lo que la imposición de cotizaciones por medio de la Constitución o por vía legal no es conforme con los principios de la libertad sindical.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Libertad sindical: Recopilación de

decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT. 5ª ed. (revisada). Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2006, p. 105, par. 477. El Comité

pidió a un Gobierno que tomara las medidas necesarias para que modificar su legislación, de manera que se permita a los trabajadores que puedan optar por que se efectúen descuentos de sus salarios en virtud de cuotas sindicales en favor de las organizaciones sindicales de su elección, aun si dichas organizaciones no son las más representativas.

136

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Libertad sindical: Recopilación de

decisiones y principios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT. 5ª ed. (revisada). Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 2006, p. 108, par. 494.

Corresponde a las propias organizaciones decidir si reciben financiamiento para actividades legítimas de promoción y defensa de los derechos humanos y delos derechos sindicales.

137

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 414.

138

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, 1487.

139

DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil:

autorização prévia e expressa de cada membro das categorias econômicas e profissionais para a efetivação do desconto da contribuição sindical. Neste cenário, a principal fonte de sustento das entidades deixa, portanto, de ser compulsória. Esta mudança, assim como o contexto em que está inserida, será o objeto do próximo subcapítulo.

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