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Contribuições da Clínica da Atividade e Psicodinâmica do

1. INTRODUÇÃO

1.4 A contribuição da abordagem ergológica: pressupostos teóricos e

1.4.3 Contribuições da Clínica da Atividade e Psicodinâmica do

A Clínica da Atividade proposta por Yves Clot foi escolhida como ferramenta teórica uma vez que pauta-se na compreensão da atividade enquanto um recurso para o desenvolvimento do trabalho e do sujeito mediante a sua interação com o coletivo (memória social) que se coloca a favor da produção de subjetividade, no que ela tem de transmissão e recriação (Clot, 2007).

Para Clot (2007), a atividade de trabalho inscreve experiências e memórias coletivas que conformam um gênero profissional, conceito utilizado para designar o aspecto coletivo que constitui um determinado ofício. Nesse sentido, refere-se à existência de gêneros sociais de atividade, constituído por “técnicas, formas de fazer estabelecidas, uma reorganização do métier pelo coletivo” (Lima, 2007, p.100). Assim, o autor esclarece que o trabalho somente cumpre sua função psicológica quando o sujeito utiliza-se das regras como suporte para o desenvolvimento de sua atividade.

Por outro lado, além das experiências e memórias coletivas do trabalho, Clot (2007) desenvolve a noção de estilo pessoal, assumindo que, “ao definir as fronteiras móveis do aceitável e do inaceitável no trabalho, ao organizar o encontro do sujeito com seus limites, requer o estilo pessoal” (p. 50). Dessa forma, o estilo pessoal, situado entre as variantes do gênero, constitui o elemento responsável por sua contínua transformação, pois “o estilo retira ou liberta o profissional do gênero, não negando este último, não contra ele, mas graças a ele, usando seus recursos, suas variantes, em outros termos, por meio de seu desenvolvimento, impelindo-o a renovar-se” (Clot, 2007, p. 41).

Nesse sentido, verifica-se a necessidade de se problematizar o gênero profissional na presente investigação uma vez que está a merecer atenção a atividade de trabalho de caminhoneiros de rota longa, no sentido de como compreendê-la, como abordá-la, e, sobretudo, como explicar seus desdobramentos na experiência de afastamento do trabalho considerando-se a interrupção dessa atividade por motivo de adoecimento.

Outra perspectiva teórica que norteou o desenvolvimento desta pesquisa é a Psicodinâmica do Trabalho, que embora apresente posicionamentos teóricos distintos da Clínica da Atividade, também versa com a linhagem da Ergonomia da Atividade (Bendassolli, 2012).

Esta disciplina, que tem como um dos seus maiores representantes o psiquiatra Christophe Dejours, consiste em uma abordagem científica que busca “fornecer uma análise das condições que fazem oscilar a relação subjectiva com o trabalho no sentido da patologia ou, ao invés, da conquista da identidade” (Dejours, 2011, p.14).

Inicialmente, foi elaborada com referenciais teóricos da psicopatologia do trabalho, evoluindo para uma construção própria considerando-se os novos rumos que tomaram as investigações de Dejours no campo trabalho-saúde com a introdução da normalidade como objeto de estudo (Merlo & Mendes, 2009). Nesta trajetória, o autor propõe três dimensões que compreendem a Psicodinâmica do Trabalho: a expansão da clínica do trabalho; a investigação interdisciplinar envolvendo a teoria psicanalítica, a sociologia da ética e a Ergonomia francófona; e o método de investigação desenvolvido sob a perspectiva da análise do trabalho psíquico diante dos conflitos gerados frente à organização do trabalho e ao próprio psiquismo (Dejours, 2011).

Nesta perspectiva, Dejours (2011) conclui que o trabalho não pode ser apenas compreendido como fonte de sofrimento psíquico ou doenças mentais, uma vez que também foram identificadas mediações por ele produzidas no alcance do prazer e construção da saúde mental. Desse modo, “o trabalho nunca é neutro relativamente à saúde mental” (Dejours, 2011, p.14), podendo ser tanto um desestabilizador patogênico, como um gerador de saúde na medida em que possibilita a realização pessoal, a sublimação e a contribuição cultural. Sendo assim, confirma-se então a centralidade do trabalho enquanto construtora de identidade (Dejours, 2008a).

Compreendendo que a Psicodinâmica do Trabalho tem, também, por referência fundamental, os pressupostos da Ergonomia da Atividade (Codo, 2002), é importante destacar que seu quadro teórico de referência compreende alguns conceitos centrais que

partem da intersecção entre o prescrito e o real. São eles: vivências de sofrimento psíquico no trabalho; vivências de prazer no trabalho; estratégias de mobilização subjetiva, como por exemplo, a cooperação e inteligência prática; e estratégias defensivas individuais e/ou coletivas, que além de possibilitarem a adaptação e proteção para evitar o adoecimento, também podem ter efeito de alienação de forma a conduzir ao aparecimento de patologias (Dejours, 2008b). A partir desses conceitos, vale destacar que o sofrimento no trabalho compreende o modo pelo qual se constitui o conhecimento do real e que também é um conhecimento pelo corpo de onde “emana, em determinado momento, a ideia, a intuição do caminho que permitirá contornar o real e superá-lo” (Dejours, 2009, p. 51).

Contemplar os elementos acima citados torna-se pertinente já que são permeados pelo reconhecimento no trabalho, o que se configura como um caminho para a mobilização subjetiva. Assim, a retribuição moral e simbólica que produzem tal mobilização é por sua vez resultante do esforço e investimento para a organização do trabalho bem como do julgamento de utilidade e beleza, da identidade e sentido no trabalho e do conhecer para ser reconhecido (Dejours, 2004a).

A utilização de um método específico por esta disciplina, que liga intervenção à pesquisa (Heloani & Lancman, 2004), possibilita um espaço privilegiado à fala e escuta do trabalhador (Lhuilier, 2011), permitindo caracterizá-la como clínica do trabalho. Além disso, vale ressaltar que tal método proporciona avanços teóricos e metodológicos extensivos a outros contextos (Bueno & Macêdo, 2012), tornando-se relevante considerar que a experiência no trabalho ultrapassa o tempo da jornada de trabalho propriamente dita e se estende para toda a vida familiar e tempo do não trabalho (Dejours, 1992).

Por fim, esclarece-se que essas teorias possuem obviamente pontos divergentes (Bendassolli, 2012) - cuja descrição foge à abrangência desse trabalho - mas nos aspectos acima descritos retomam o valor da experiência vivida no trabalho.

2. OBJETIVOS