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Feitos estes breves esclarecimentos a respeito da base filosófica e da concepção de mundo que deu subsídio a todos os trabalhos de Vigotski e seus

9 MARX, Karl. O Capital – crítica da economia política. Trad. Reginaldo Sant´Anna. Rio de Janeiro: Ed.

colaboradores, passamos agora a uma análise mais específica acerca das concepções de desenvolvimento humano apresentadas na psicologia histórico-cultural.

Vigotski, em texto intitulado O Significado histórico da crise da psicologia, demonstra que vivia em um cenário bastante intricado pela (s) psicologia (s) de seu tempo. Segundo ele, o psiquismo humano era visto por seus contemporâneos como algo que estaria, primariamente, ou preso as suas próprias propriedades – psicologia tradicional – ou aos aspectos de cunho comportamentalistas – reflexologia – ou, ainda, ao inconsciente – estudos em psicanálise (VYGOTSKI, 1997). Nessa direção, para Vigotski, a psicologia se encontrava em um caminho problemático e sem saída no que se refere à compreensão do psiquismo humano, que, ao se manter ainda preso aos antigos fundamentos idealistas de constituição humana, entendia-o como um postulado. O autor russo propõe, então, uma nova psicologia; uma psicologia que não fosse multifacetada e que tivesse suas raízes no método materialista dialético de análise. A essa nova corrente, Vigotski chamou de psicologia geral. Essa psicologia geral se definiria como uma corrente de estudo, que partindo dos métodos materialistas de análise, buscasse conceitos universais para a explicação de fatos reais do funcionamento psíquico. Segundo ele, “a dialética abarca a natureza, o pensamento e a história: é a ciência mais geral e universal até o máximo. Essa teoria do materialismo psicológico ou da dialética da psicologia é o que considero psicologia geral” (VYGOTSKI, 1997, p. 389). Nessa nova psicologia endossada por Vigotski e seu grupo, a questão do psiquismo humano passou a ser analisada num cenário diferente, sendo compreendida como a subjetivação do objetivo. Nessa linha de pensamento, fundada com base no materialismo histórico-dialético, o psiquismo humano, como afirma Martins (2013), poderia ser definido como a construção subjetiva da realidade objetiva, sendo, desta forma, patrimônio constituído e elaborado com base nas relações de cunho social.

Essa forma de compreender o psiquismo humano permitiu à psicologia histórico-cultural estudar o homem como sendo um ser concreto e como fruto de múltiplas e determinadas relações. Desta forma, o esteio dessa psicologia geral possibilitou uma compreensão científica do desenvolvimento humano, entendo-o como fruto da correlação entre fenômeno psíquico e mundo material; forma de análise esta que, superando a dicotomia entre influências externas e internas, entre o objetivo e o subjetivo, conseguiu galgar patamares superiores em relação aos dilemas impostos pelas correntes biologizantes e orgânicas, que eram marca principal da psicologia idealista de então. Em síntese, e à luz disso, o que se passou a defender então, é que se “no mundo animal as leis gerais [...] são governadas pela evolução biológica, quando se chega ao homem, o psiquismo submete-se às leis do desenvolvimento sócio- histórico (LEONTIEV, 1978, p. 68). E, que, portanto,

a psicologia pré-científica, que se desenvolveu nos primórdios da filosofia idealista, considerava o psiquismo como uma das propriedades primárias do homem e a consciência como manifestação direta da “vida espiritual”. Por essa razão nem se colocava o problema das raízes naturais do psiquismo, de suas origens e dos graus de sua evolução. A

psicologia científica parte de teses inteiramente diferentes e se propõe a

tarefa de encontrar uma resposta para a origem do psiquismo, de descrever as condições nas quais deve ter surgido essa forma altamente complexa da vida (LURIA, 1979, p. 29-30, grifos nossos).

Como salientado no grifo feito no excerto de Luria, essa forma inovadora na compreensão da constituição humana com base no materialismo histórico-dialético foi – se comparada a outras correntes da psicologia – um aspecto inteiramente diferente de análise. Portanto, as contribuições sociais oferecidas pela nova corrente da psicologia foram tão inovadoras no campo dessa ciência que até mesmo a própria corrente com base no idealismo não poderia mais negá-las. Como afirmam Tunes e Prestes (2009),

essa ressalva se faz necessária também na medida em que, ainda nos dias de hoje, a psicologia histórico-cultural – sobretudo na pessoa de Vigotski – demonstra-se como agente revolucionário na atribuição dos aspectos sociais para o estudo do psiquismo humano. Pois já nas primeiras décadas do século XX, o autor russo levantava a tese social do desenvolvimento humano, atribuindo a ela a total base da vida, especificamente, humana – fato este que só iria ser reconhecido por outras correntes da psicologia do desenvolvimento (Construtivista, por exemplo) a partir da segunda metade do mesmo século; ainda assim com uma concepção de social que difere em muito daquela adotada por Vigotski.

Assim, a partir do surgimento da perspectiva histórico-cultural, o psiquismo humano, e sobretudo seu processo de desenvolvimento, passa a ser compreendido de uma maneira bastante peculiar, devendo essa compreensão ser tomada como uma formulação notável no campo da psicologia. Pois – como já assinalado anteriormente – a tese fundante que gera toda a concepção filosófica dessa corrente psicológica passa pela ideia de que a constituição do gênero humano é histórica, sendo, desta forma, resultado da atividade social experimentada pelo ser humano ao longo do tempo. Ao admitir que seu estofo teórico vem desta visão materialista de mundo, a psicologia histórico-cultural passa, então, a compreender o desenvolvimento psíquico humano como um resultado da dialética entre objetivação e apropriação, processo este que engendra sua atividade. O ser humano e seu desenvolvimento deixam, agora, de serem entendidos como uma consequência dada pela essência da própria vida, pela natureza, e passa a ser entendido como sujeito de sua própria formação, tendo em suas mãos a chave para reestruturar seus processos psicológicos. Graças às relações sociais, o indivíduo se torna agora um ser capaz de promover seu desenvolvimento, sobretudo pela transmissão10 dos conhecimentos já construídos pelo gênero humano ao longo das

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O termo transmissão é aqui usado como uma forma de ilustração do processo de em que o conhecimento angariado e desenvolvido por uma geração vai sendo apropriado por outra. A experiência

eras. Questão esta que nos direciona a outro importante aspecto de nossa fundamentação teórica.

3.4 A importância da apropriação do conhecimento preexistente na formação dos