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Contribuições hermenêutico-filosóficas sobre as relações interpessoais na

Atualmente, existe uma corrente de sociólogos contemporâneos e outros teóricos que apontam como as relações interpessoais estão passando por um ponto de decadência e os laços humanos estão cada vez mais frágeis. Entretanto, esse processo de transformação social teve início com a virada do século, no qual passamos de uma caracterização de sociedade da produção (século XX) para uma sociedade do consumo (século XXI).

De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001), as relações humanas na modernidade são marcadas pela efemeridade e insegurança, sendo que a tecnologia é considerada como um dos fatores chaves sobre as modificações na forma como as pessoas se relacionam.

Para Bauman (2008), há uma perda de sensibilidade das pessoas, aonde estas deixam de perceber e sentir tudo que está a sua volta, tendo a visão voltada para o consumismo e para uma lógica racional, individualista e mercadológica.

Durante o primeiro encontro entre profissional e paciente, ambos buscam mecanismos que facilitem à aproximação. Quando o profissional ignora a individualidade do paciente sem considerar suas vivências, cultura e até mesmo o reforço do conceito de si mesmo, incorre em procurar um reflexo de si mesmo do que verdadeiramente busca uma real aproximação com um ser humano de verdade.

De acordo com Bauman (2004), “... no brilho ofuscante da pessoa

escolhida, minha própria incandescência encontra-se seu reflexo resplandecente... uma simples extensão, eco, ferramenta ou empregado trabalhando para mim.”

Nos serviços assistenciais, muitas vezes, podemos observar a fragilidade das relações interpessoais entre profissionais e pacientes/familiares inicialmente no processo de despersonificação do paciente ao transformá-lo em um produto. O paciente assume papel de objeto de cuidado, excluindo as suas particularidades e servindo aos profissionais apenas como meta a ser alcançada e/ou como instrumento de crescimento profissional.

As relações interpessoais frágeis decorrentes de uma sociedade líquida, conceito esse desenvolvido por Baumam (2009), favorece a fragmentação do indivíduo e obriga ao profissional a enfrentar o desejo conflitante de estreitar os laços e ao mesmo tempo mantê-los distantes. Tal conflito emerge da necessidade do paciente de ser visto em sua totalidade, ou seja, de maneira holística e, que se

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confronta com o receio do desenvolvimento dos processos de transferência e contratransferência.

Quando discutimos sobre as relações humanas, um dos principais teóricos pensadores é Michel Foucault que trabalha uma das questões fundamentais que consiste nas relações de poder. Embora a ideia de poder esteja sempre associada à esfera política, para Foucault a ideia da dominação pode ser experenciada em todas as relações sociais.

De acordo com Foucault, o poder não é uma estrutura estável e não pode ser apropriado como um bem. O poder é dinâmico e está sempre em movimento e por isso consiste em algo que se exerce. É preciso prestar a atenção e adquirir um controle no e sobre o cotidiano dos indivíduos, seus costumes, hábitos e maneira de pensar (SANTOS, 2016)

Para Foucault não existe alguém que esteja fora do poder, assim como não há ninguém que possua, exceto por pequenos espaços de tempo, um poder de maneira absoluta e completa sobre outros (FERREIRINHA; RAITZ, 2010)

Na práxis da assistência em saúde, as disputas nas relações de poder são percebidas constantemente, sejam elas entre profissionais diversos entre si, assim como entre profissionais, paciente e seus familiares.

Quando um profissional assume uma postura rígida, distante e impessoal para com o paciente, fazendo uso de termos técnicos complexos, subjugando o entendimento do paciente devido as diferenças educacionais, o paciente renuncia ao seu julgamento crítico e assume um papel passivo no seu itinerário terapêutico. O profissional assume um papel ativo e paternalista, ferindo a autonomia do paciente e limitando o seu poder de tomada de decisões.

Quando o paciente delega o poder de tomada de decisão ao profissional cuidador, o mesmo confia, espera e exige dele o melhor resultado. Essa premissa nos remete aos textos de La Boétie (2009) e Chauí (2014), onde explicam que mesmo sendo livres nas nossas escolhas, consentimos em servir porque esperamos ser servidos. Cada um serve ao poder separadamente porque deseja ser servido pelos demais que lhe estão abaixo. A servidão é voluntária porque há o desejo de servir, há o desejo de servir porque há o desejo de poder, e há o desejo de poder a ideia da dominação habita em cada um de nós.

A dinamicidade da ideia de poder dentro das relações interpessoais na assistência em saúde pode ser vista também quando o paciente assume a condução

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do processo terapêutico e os profissionais atuam em segundo plano, baseando suas ações em propostas e estratégias assistenciais discutidas e decididas previamente pelo paciente e seus familiares.

Um outro grande teórico que trabalha com comunicação e relações interpessoais é o pensador Britânico Nick Couldry. Uma das suas mais relevantes obras é intitulada “Why voice matters?” que possui uma aplicação ampla que vai desde as relações políticas como também as relações interpessoais.

De acordo com Couldry (2010), as relações interpessoais na era contemporânea precisam ser pensadas e analisadas levando em consideração o poder de voz que cada indivíduo possui dentro das discussões. Nesse sentido, o equilíbrio nas relações interpessoais só poderá ser alcançado quando for resolvido inicialmente o problema da desigualdade na possibilidade da fala, de expressão daquilo se pensa, sente ou deseja.

Para Couldry (2010), o ser humano só é humano porque fala e essa desigualdade na voz, na maioria das vezes, condena grupos e pessoas à inexistência e/ou invisibilidade.

Quando o paciente fala, o mesmo expõe a si e compartilha histórias. Ao falar, o paciente se posiciona dizendo quem ele é, ressaltando a sua individualidade. Quando o profissional favorece uma escuta qualificada do paciente, prevê-se o direito do outro de se posicionar e se tornar alguém no mundo contemporâneo.

Dentro das ciências sociais, tem-se ainda o filosofo Jürgen Habermas que trabalha com a construção social do processo de comunicação.

De acordo com a sua Teoria do Agir Comunicativo, o equilíbrio nas relações se baseia no entendimento entre as pessoas, de modo que esse entendimento só é possível se cada indivíduo estiver aberto para ouvir e entender o outro, dentro de uma discussão justa e honesta (HABERMAS, 1989; HABERMAS, 2001).

Entretanto, devido as próprias construções na natureza humana que tornavam utópicas os pressupostos da teoria do agir comunicativo, Habermas estabeleceu regras para que esse entendimento pudesse existir e ser alcançado (HABERMAS, 1989; HABERMAS, 2001).

1) O entendimento só poderá ser obtido por meio da única característica comum a todos os seres humanos, a racionalidade.

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O telencéfalo desenvolvido permite que todas as pessoas sejam capazes de discutir racionalmente sobre qualquer assunto. Todavia, é necessário abandonar quaisquer estruturas limitantes e/ou que rebaixem o estado racional.

Quando o paciente apresenta queixas álgicas ele diminui temporariamente sua capacidade racional, nesse sentido as percepções, ideias e julgamento crítico estarão distorcidos pela gravidade do seu quadro clínico. Assim como, possíveis alterações emocionais nos profissionais podem interferir significativamente no exercício das atividades assistenciais.

2) Só haverá discussão se os indivíduos puderem se ouvir igualmente.

Para que a segunda regra possa ser alcançada, durante o encontro entre profissionais, pacientes e familiares, tais sujeitos precisam destituir-se da postura de dominação do processo de cuidar e discutir um plano de cuidados em um mesmo nível de decisão.

Uma vez que, da mesma forma como o profissional não pode impor um plano terapêutico tomando como base apenas o seu julgamento crítico e clínico, o paciente e seus familiares não poderão exigir condutas sem considerar também os aspectos éticos, bioéticos e legais que permeiam o exercício profissional.

3) É necessário usar argumentos que possam ser aceitos pelos indivíduos inseridos na discussão.

Muitos pacientes e familiares não entendem as recomendações sobre evitar as futilidades terapêuticas e encaram como desistência da vida, assim como, diversas vezes, os profissionais são abordados pelos pacientes com solicitações de eutanásia devido ao sofrimento intenso provocado pelo adoecimento.

Nesse sentido, percebe-se que argumentos que, de alguma forma, ferem a integridade emocional e/ou ético-moral não são levados em consideração dentro da discussão sobre a condução do processo terapêutico.

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