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Contribuindo no processo da profissionalização da fisioterapia

2.3 Objetivos e metodologia

3.2.1 Contribuindo no processo da profissionalização da fisioterapia

Uma profissão é resultante de eventos internos e externos ocorridos no campo. Durante vinte anos, a formação do fisioterapeuta em Minas Gerais esteve limitada a dois cursos. O curso de graduação Fisioterapia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais ofertado a partir de 1968, com base em uma estrutura médica, voltado principalmente para a clínica e para a formação profissionais para atender as demandas do mercado. O curso de graduação da UFMG também foi criado para atender à necessidade de mão-de-obra especializada em reabilitação, mas nasceu em uma universidade, na Escola de Educação Física (próximo aos profissionais que têm o movimento humano como forma de expressão, esporte e lazer), fora do controle da classe médica. Dessa forma, vem formando profissionais com perfil diferente dos demais do Estado de Minas Gerais. A distância administrativa e física de outros cursos da área da saúde,46 evitou que os conflitos entre a fisioterapia e a medicina no campo profissional, na década de 1980, afetassem o desenvolvimento do curso da UFMG. Assim, o fato de o curso ter sido proposto pela Escola de Educação Física facilitou o crescimento do Departamento de Fisioterapia dentro da Universidade. Mesmo enfrentando dificuldades com relação à infra-estrutura, à biblioteca e aos equipamentos, o curso pode crescer, uma vez que seus docentes encontraram espaço para desenvolver projetos e propostas. O curso de Fisioterapia vem ampliando suas atividades e investindo maciçamente na qualificação de seu corpo docente, o que vem resultando num crescimento significativo do Departamento de Fisioterapia da UFMG. Aos poucos, os fisioterapeutas, contratados como docentes, transformaram um curso criado sem espaço físico e administrativo47 adequados em um curso consolidado, funcionando em um espaço próprio e adequado.

O Departamento de Fisioterapia, hoje, apresenta uma produção acadêmica acima da média da UFMG e é responsável pela oferta dos cursos de graduação, mestrado e doutorado. O conhecimento produzido pelo Departamento de Fisioterapia da UFMG foi um elemento definidor da profissão em Minas Gerais e no Brasil. Esse conhecimento aplicado nos cursos de graduação e pós-graduação certamente introduziu tecnologia no mercado de trabalho e

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O curso funcionava no campus da Pampulha, enquanto os de Medicina, Enfermagem, Odontologia e Psicologia estavam na região central de Belo Horizonte.

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Na época da criação do curso, não havia o Departamento de Fisioterapia. Os docentes eram vinculados ao Departamento de Educação Física, que na época era responsável pela oferta das disciplinas específicas do curso. Depois, foi criado o Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e, finalmente, o Departamento de Fisioterapia.

conquistou autoridade científica profissional na área. Dessa forma, o curso não só alcançou seu objetivo inicial, como teve importante participação na construção da identidade da profissão em Minas Gerais. Impactou na representação interna e externa ao grupo, ampliando e delimitando fronteiras do campo de atuação.

O curso da UFMG investiu na produção de conhecimento e, conseqüentemente, na conquista da autoridade científica da profissão. A competição para o ingresso no curso e a conquista da sua autoridade científica traduzem o reconhecimento acadêmico e o prestígio alcançados perante a clientela e a sociedade, aproximando a profissão da proteção do Estado e facilitando, dessa forma, a conquista da jurisdição exclusiva. Abott (1991) afirma que é o nível abstrato do conhecimento profissional que diferencia a competição interprofissional da competição entre as ocupações em geral.

Sabe-se que a estrutura profissional de uma sociedade é extremamente dinâmica e neste estudo foram identificados alguns sinais que indicam um deslocamento ascendente da fisioterapia. Nasceu como uma profissão assalariada, com predomínio do gênero feminino, subordinada à autoridade médica masculina e sem uma definição clara de campo de atuação. Hoje, apresenta alguns aspectos semelhantes aos de outras profissões que se caracterizam pelo exercício autônomo, como a medicina, a odontologia e o direito, deixando também de ser uma profissão predominantemente feminina. Fortaleceu-se, definindo sua área de atuação, abrindo novas áreas funcionais na divisão do trabalho profissional e consolidando seu controle interno e externo.

Pode-se dizer que hoje o Departamento de Fisioterapia tem importância significativa para a profissão de fsioterapeuta em Minas Gerais e no Brasil, uma vez que se volta para a formação acadêmica do profissional, desde a graduação até o doutorado. Os profissionais formados por esse curso têm contribuído para inovações do campo do trabalho, introduzindo novas tecnologias e novas formas de atuação. A atuação na atenção primária, desenvolvida pelos docentes há mais de dez anos como atividade curricular obrigatória e na prevenção de lesões do esporte, são alguns exemplos que podem ser citados.

Segundo Freidson (1986), o cerne de uma profissão depende de escolarização universitária para se distinguir como possuidora de conhecimento e habilidades particulares. A educação tem, assim, duas funções: a educação profissional e a difusão do saber profissional. São essas duas frentes de atuação, que estão mais objetivamente, embora não exclusivamente, nas mãos dos intelectuais da área, que vão traçar o perfil de uma profissão.

Nos últimos anos, notícias nos jornais poderiam ser lidas como evidência de disputas em torno do lugar social dos grupos profissionais. Esses indícios aparecem quando advogados discutem as formas e os limites da sua atuação na defesa de criminosos, quando o projeto que define o campo médico gera enfrentamentos com outras categorias de trabalhadores da área da saúde48 (BARBOSA, 2003). O aumento do número de profissionais e o novo contexto no mundo do trabalho exigiram um amadurecimento das corporações profissionais, e na fisioterapia esse amadurecimento pode ser evidenciado nas ações implementadas pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO),49 na organização da Associação Brasileira de Ensino da Fisioterapia (ABENFISIO), na reativação da Associação Mineira de Fisioterapeutas (AMF)50 e do Sindicato dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais de Minas Gerais SINFITO/MG, bem como na organização da Associação Mineira de empresas de Fisioterapia (AMEFISIO).

Sabe-se que os profissionais se estabelecem e sustentam seus lugares no mercado de trabalho diferenciando-se em praticantes (clínicos), administradores e intelectuais. Atualmente, já se faz evidente essa divisão entre os fisioterapeutas. É interessante observar que neste estudo identificou-se que os egressos da UFMG, em Minas Gerais, tendem a se estabelecer como intelectuais e administradores da profissão. Mesmo não se tendo investido diretamente no desenvolvimento das associações profissionais e mesmo tendo os egressos avaliado a formação ética e política como insuficiente no curso, constatou-se que muitas das entidades civis atuantes no Estado de Minas Gerais, como a AMF, a AMEFISIO, a SOBRAFIR e a SINFITO-MG, estão sendo coordenadas por egressos do curso. O envolvimento dos profissionais, com associações ou outros órgãos de representação, deve ser valorizado e estimulado pelos docentes, para que a profissão alcance melhor status social. Ao lado disso, é importante considerar que a capacidade de cooperação entre colegas é fundamental nos aspectos constitutivos de uma profissão.

A profissionalização da fisioterapia depende das atitudes e do comportamento profissional dos fisioterapeutas, bem como do grau de aceitação dessas atitudes e comportamento pelo público. É importante que educadores de fisioterapia e administradores estejam atentos aos elementos que contribuem na profissionalização e que apóiem as

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ATO MÉDICO: Projeto de Lei n° 025/02 em tramitação no Congresso Nacional que subordina o exercício profissional de todos os profissionais da área da saúde ao profissional médico, restringindo drasticamente a autonomia dos profissionais da saúde não médicos.

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Realização de fóruns nacionais e regionais de discussão de políticas para a profissão.

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A AMF ficou vários anos desativada por falta de profissionais interessados e foi reativada em 2000 por fisioterapeutas egressos da UFMG.

mudanças necessárias para expandir a atuação dos profissionais e a diferenciação dos papéis desempenhados por outros profissionais da área da saúde.

A afinidade da ideologia profissional com a ideologia dominante é um dos elementos, indicados por Larson (1977), que podem favorecer no sentido de conquista e manutenção de monopólio de competência profissional. Nesse sentido, o conceito ampliado de saúde, defendidos pelos órgãos públicos e que desloca as ações dos profissionais da saúde da doença para as condições de saúde e bem-estar da população, favorece a valorização da fisioterapia. Com ações específicas não sobre a doença, mas para o bem-estar físico do indivíduo e sua inclusão social, a fisioterapia vai se tornando uma profissão em ascensão no sistema de saúde. A fisioterapia é uma das poucas, senão a única, entre as profissões da área de saúde que hoje tem conhecimento e tecnologia para atuar em todos os níveis de atenção à saúde e atender, conseqüentemente, às demandas de saúde da população com eficiência. Essa é uma questão que merece ser aprofundada em estudos futuros.