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As crises que assolam a sociedade têm suscitado a expansão das ONG e, inevitavelmente, dos seus contributos. O Estado reconhece-lhes este contributo, já que foi ele que, por não se considerar capaz de abarcar os problemas sociais sozinho, depositou nas ONG a autonomia de defender os mais desfavorecidos. Não é por acaso que hoje o maior financiamento que permite o exercício destas organizações esteja a cargo do Estado.

A época que se vive é de contestação e de responsabilidade social. E se o Estado pouco ou nada lida com a responsabilidade de auxílio, incide nas ONG a responsabilidade de o fazer.

Os contributos das ONG são fundamentais para o agrado da coesão social e para a desenvolvimento da sociedade. A defesa dos direitos humanos é um dos seus principais motivos. Mas há, também, um chamamento por parte destas organizações para os problemas nas áreas da cultura, da educação, da proteção do ambiente e da saúde. Os contributos das ONG visam “satisfazer necessidades tantas vezes prementes, e porque estão, muitas, a fazer bem o bem, são indispensáveis.”108

A Declaração Universal dos Direitos Humanos109 reconhece os direitos humanos, já que “são imperativos universais moralmente justificados, que existem antes e independentemente de regras legais ou institucionais.”110

As ONG têm um papel fundamental na defesa destes direitos; os seus contributos vão de encontro à defesa de direitos.

As entrevistas realizadas com os responsáveis das ONG revelam que o que motiva essas pessoas é o progresso de uma sociedade social. A Amnistia Internacional, por exemplo, é o maior movimento mundial que contribui para a defesa dos direitos humanos. Os seus 2,2 milhões de membros contribuem, diariamente, para a demolição de violações graves dos direitos humanos e exigem justiça para aqueles que assistiram à violação dos seus direitos.

A Caritas, esta promove o desenvolvimento humano e contribui para a defesa do bem comum. Através de práticas profissionais fundamentadas, contribuem para a

108 Raquel Campos Franco, “ONGs em Portugal, Milhares Invisíveis?”, op. cit. 109

A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada em 1948, inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes e foi traduzida em mais de 360 idiomas. Estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.

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Hernani Veloso Neto e Sandra Lima Coelho, Responsabilidade Social, Respeito e Ética na

promoção de princípios como a igualdade, a equidade e a justiça social. A persistência das suas ações contribui para o bem-estar da sociedade e traduz-se no lema se não podemos mudar o rumo do vento, não deixaremos de reorientar as velas.”111

A Cruz Vermelha Portuguesa promove a sua ação num sentido mais amplo. O seu contributo abrange uma cooperação para o desenvolvimento humano, promovendo áreas como a saúde e a educação. Contribui para o estímulo e fortalecimento no que se refere à inclusão de crianças e jovens em situação de exclusão social. Contribui, ainda, para o desenvolvimento de competências sociais promotoras da cidadania; promove a igualdade de oportunidades e articula a prevenção da violência social. Este contributo à sociedade não seria possível sem o auxílio de voluntários. Estes “têm um papel fundamental em ajudar a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho a alcançar os mais vulneráveis. Eles também têm uma função importante a desempenhar na construção de comunidades saudáveis.”112

Em Portugal, cerca de 1500 voluntários da Cruz Vermelha contribuem socialmente pelo seu progresso humanitário.

Quando se pensa o Rotary Club, pensa-se num grupo mundial que luta pela determinação da paz na sociedade e que ambiciona um mundo melhor e mais justo. Mas a contribuição do Rotary é muito mais do que isso. O seu contributo diz igualmente respeito à prestação de serviços que melhoram a qualidade de vida dos indivíduos e que procura manter a dignidade humana. António Mendes, Governador de 2014 do Rotary, distrito 1960, faz um balanço acerca das capacidades e contributos do Rotary. No seu entender, nada faz melhor ao sucesso do que o sucesso, e acredita que, “com toda a gente, com humildade e amor é possível ajudar a construir uma sociedade melhor para todos.”113

Valoriza a generosidade dos voluntários do Rotary, pois, no seu entender, a eles se deve o contributo para uma sociedade igualitária.

Também a Santa Casa da Misericórdia contribui há mais de cinco séculos para o abatimento da discriminação, da pobreza e da desigualdade social.

Quando se expõe os contributos para o desenvolvimento, igualdade e promoção dos direitos das crianças, é necessário referir a UNICEF. É certo que nos conflitos gerados pela e na sociedade, são as crianças que mais padecem. Criada para dar resposta

111 Informação obtida na página oficial da Caritas Diocesana do Porto, Perfil Institucional,

acedida a 05.07.2015 (www.caritas.pt/porto/).

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Informação obtida na página oficial da Cruz Vermelha Portuguesa, 8 de maio - Dia Mundial da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, acedida a 06.07.2015

(www.cruzvermelha.pt/atualidades/arquivo-de-noticias/1453-8-de-maio-dia-mundial-da-cruz-vermelha-e- do-crescente-vermelho.html).

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Informação recolhida do Jornal “Rotary em Ação”, julho de 2014, acedida a 09.07.2014 (www.rotaryportugal.pt/2015-2016/rotary%20accao/jornal_n24.pdf).

à catástrofe que foi a II Guerra Mundial, manteve o objetivo: apoiar as necessidades das crianças e contribuir para o seu desenvolvimento.

As ONG contribuem, significativamente, para o desenvolvimento de uma consciência social; no entanto, também este contributo deve partir da sociedade e dos indivíduos que a integram. Uma sociedade justa implica que todos os que nela vivem sejam conscientes quanto aos seus problemas sociais, e aceitem “livremente, sem coação, a sua responsabilidade pelo bem comum e estejam dispostos a contribuir para ela.”114

Proteger os direitos é proteger a humanidade. E não se pode encarar essa proteção com obrigação. Deve-se encará-la com determinação e com virtude.

1.1. Prós e contras

Face às exigências da sociedade são muitos os que beneficiam com os contributos das ONG. Angariar fundos, gerir recursos e as dificuldades que muitas vezes o financiamento por parte de outras entidades são problemas diários daqueles que procuram todos os dias dar respostas às dificuldades sociais, dentro das ONG.

É certo que nem sempre quem beneficia se sente justamente beneficiado e, como em todos os setores, também na organização das ONG existem falhas. Daniel Horta Nova, jornalista e ex-sem-abrigo a quem se solicitou um testemunho, considera que existem maus usos da prática das organizações sociais. Trabalhou em alguns jornais e revistas do país, mas as circunstâncias levaram-no a viver durante quatro anos na rua. Critica o sistema e os apoios do Estado e das instituições depois de encarar uma situação nunca antes por si imaginada: viver (ou antes sobreviver) nas calçadas da rua. Não contou com a ajuda de ninguém para além de si mesmo para sair da rua e é no documentário Dois Metros Quadrados115 que Daniel Horta Nova desabafa

sobre as condições que enfrenta na rua. Segundo ele, o problema não está na distribuição dos bens alimentares; o problema está no facto de ninguém ajudar com outro tipo de bens: “ninguém traz um médico, ninguém traz um psicólogo, ninguém traz um dentista… Todas as pessoas podem ter uma refeição num ambiente quente e não

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Hernâni Veloso Neto e Sandra Lima Coelho, Responsabilidade Social, Respeito e Ética na Vida em Sociedade, op. cit., p. 187.

115 Documentário Dois Metros Quadrados, realização de Ana Luísa Oliveira e Rui Oliveira.

Retrata uma viagem ao mundo dos que vivem na incerteza de não saberem onde dormir ou o que comer. Uma viagem ao mundo dos sem-abrigo. Produção Pixbee, 2015. Trailer disponível em www.pixbee.pt/#

precisam estar a comer na situação degradante que é o espetáculo de comer na rua.”116

Daniel, face à sua vontade de denunciar situações degradantes resolveu criar um movimento de apoio aos sem-abrigo –M.A.S.A 117– um movimento clandestino por não estar registado mas que leva à rua a saúde mental através de profissionais voluntários na área da saúde. Segundo Daniel Horta Nova, as organizações de solidariedade não dedicam tempo suficiente aos mais necessitados. Do seu ponto de vista, “é preciso que as Associações levem à rua respeito por quem lá está. É preciso que levem amor, que levem calor no coração. Que não vão simplesmente no cumprimento de um turno. Que façam uma verdadeira triagem às condições físicas e mentais de cada um.”118

Não podemos, decerto, deixar de referir o outro lado da moeda. É real que exigências desmedidas carregam, por vezes, descontentamentos. Mas importa, igualmente, referir exemplos de sucesso das ONG. Não existem pobres ou ricos; existem humanos, e é em prol desses seres humanos que as ONG devem mover-se.

Existem, aos olhos de especialistas, ONG que promovem o seu desempenho de forma correta. João Gonçalves, professor de Sociologia na Universidade Nova de Lisboa, reconhece esse trabalho e atreve-se a afirmar que existem “organizações não- governamentais (ONG) que têm uma gestão tão boa como a Apple.”119

Também o voluntariado tem sido um enorme contributo à ação promovida pelas ONG. Sem os voluntários, que todos os dias se prestam a dar um bocadinho de si em benefício de outros, o trabalho desenvolvido pelas ONG não seria tão inspirador. Em Portugal é na área social que que o voluntariado tem vindo a ganhar maior expressividade.120

A erradicação da pobreza, a decremento das desigualdades sociais, o reconhecimento do direito das mulheres e das crianças, o sentido de responsabilidade dos indivíduos na sociedade ou, até, a autonomia e independência das próprias ONG são algumas das conquistas de que as próprias ONG se podem congratular. O esforço do contributo para sociedade e a expansão das ONG levaram à necessidade de criar a Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento.

116 Documentário Dois Metros Quadrados. 117

M.A.S.A. – Movimento de Apoio ao Sem-Abrigo. Criado em 2008, pretende apoiar, ajudar e alojar o Sem-abrigo. Está integrado na rede de solidariedade do Porto.

118 Entrevista cedida por Daniel Horta Nova ao jornal Culturama Portal, em 29.12.2014, acedida

a 06.09.2015 (www.culturamaportal.com/2014/12/29/entrevista-daniel-horta-nova-autor-livro-farrapos- de-alma/).

119 Paulo Moura, “O estado da meritocracia em Portugal”, Público, acedido a 19.09.2015

(www.publico.pt/sociedade/noticia/o-estado-da-meritocracia-em-portugal1676233).

Criada em 1985 é reflexo da importância que as ONG têm no país. Representa um grupo de sessenta e seis ONG registadas no Ministério dos Negócios Estrangeiros e contribui “para melhorar e potenciar o trabalho das suas Associadas, a nível institucional, político, legislativo, financeiro e social.”121

A determinação de uma sociedade mais justa, mais inclusiva, que preze valores como a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana são os fundamentos de criação desta Plataforma.

É certo que existem dificuldades face ao aumento sucessivo de solicitações e o retorno nem sempre é acompanhado de agrado. Resta reconhecer a vontade e a autonomia que estas organizações detêm na procura de respostas aos demais problemas sociais.

Filosoficamente, algumas questões poderão ser colocadas. Por exemplo, porquê insistir num problema que existe desde sempre e que transporta o insucesso do passado e do presente no que se refere ao auxílio? Porque é que, depois de séculos de auxílio aos mais necessitados, ainda existe carência de apoios? Serão realmente carência de apoios ou exigências desmedidas? Será que a garantia de auxílio não solicitado contribuiu para o comodismo de uma sociedade desigual? Talvez.

O desenvolvimento tem vindo a preservar as desigualdades sociais. O crescimento da economia não garante emprego. E o crescimento económico não garante riqueza, pelo contrário, apenas beneficia os ricos. É como se toda a ajuda prestada não resultasse em benefício para a sociedade. O contributo da sociedade e das ONG para uma sociedade igual não tem sido, certamente, em vão. No entanto uma mudança social continua na agenda. Trata-se de um trabalho conjunto que não terá andamento se todos não caminharem no mesmo sentido. O sentido do sucesso. O caminho da igualdade. A esperança de um mundo melhor permanece. Mas é necessário mudar o tempo presente para que o futuro não venha a ser um espelho do passado.

Colin Campbell, na obra The Myth of Social Action, distingue o conceito de ação do conceito de comportamento. A ação ocorre em situação social. Deste modo que releva-se um ponto de vista; segundo o autor a ação deve ser considerada social já que tem a intenção de influenciar outros. Apoia a apreciação de Duncan Mitchell quando este declara que a ação é social quando a sua intenção é influenciar as ações de uma ou

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Página oficial da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento, A Plataforma, acedido a 28.08.2015 (www.plataformaongd.pt/).

mais pessoas.122 No caso das ONG a ação é uma reprodução da ação social; pretende auxiliar aqueles que carecem de auxílio. As razões dessa carência devem também ser analisadas. Mas será que o auxílio contribui realmente para a extinção do sofrimento humano? É certo que o trabalho humanístico das ONG é virtuoso. Mas haverá sempre razões que levam a questionar a virtude da sua assistência.

A credibilidade das ONG traduz-se na sua virtude, mas o facto de partilharem interesses em comum com a sociedade que auxiliam é a sua maior demonstração de bondade. O objetivo destas organizações parece evidente, mas muitas vezes sofrem penalizações por mal-entendidos, e são alvo de análise/verificação por terceiros. Quando a sua virtude e posta em causa, as ONG tentam melhorar a sua credibilidade adotando estruturas de governo autónomas, aumentam a sua transparência e profissionalizam os seus colaboradores.123 A clareza no modo de atuação das ONG é a sua maior integridade.