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Um dos temas mais polêmicos, discutidos e pensados na área jurídica, no ramo do Direito Administrativo, é o que se refere ao poder de polícia.

O Estado tem o poder de polícia e seu exercício se dá, no cotidiano, pelos membros da corporação policial.

Quem faz a atribuição concreta da justiça, no enfrentamento do crime comum, não é o juiz mas o agente penitenciário, os carcereiros; quem garante a segurança não são os corpos policiais considerados nas suas grandes estratégias (quando têm), ordenados e dentro dos seus regulamentos, mas a polícia civil nas delegacias e a polícia militar nas ruas(p.52)

Nesse contexto, o maior desafio é definir da maneira mais clara possível o que é poder de polícia e seus limites, no cotidiano, exercido por indivíduos concretos, munidos de um poder de constrangimento.

Há muitas obras tratando desta questão, o que mostra a sua importância para o êxito de toda atividade policial, na qual se confunde, como ensina Arendt (1994), “poder, força e violência”.

Na prática cotidiana do policial militar, como servidor público tem, por exemplo, a prerrogativa de abordar, revistar, exigir documentos, conduzir até distritos policiais para que se verifique a veracidade de identificações, acompanhar com veículo oficial (viatura) alguém que se entende suspeito ou em atitude suspeita. Espera-se que tenha poderes muito bem definidos.

É preciso ter presente às conseqüências desta situação. Bobbio (2000) lembra:

“quem controla os controladores?” Se não conseguir encontrar uma resposta adequada para esta pergunta, a democracia, como advento do governo visível, está perdida. Mais que de uma promessa não-cumprida, estaríamos aqui diretamente diante de uma tendência contrária às premissas : a tendência não ao máximo controle do poder por parte dos cidadãos, mas ao máximo controle dos súditos por parte do poder (p.43)

Espera-se dos policiais, por isso, que sejam portadores de saberes que garantam a dignidade da pessoa humana, ao desempenharem sua delicada atividade, que ainda na forma mais branda, será sempre coercitiva.

A explicação dada pela polícia para executar uma de suas prerrogativas que, ainda hoje, é contestada, é o que se denomina de “fundada suspeita”, que obriga a perguntar: qual o critério, qual a justificativa; quem é suspeito? Questões que, na formação policial-militar, requerem um currículo multicultural, a fim de que não apenas um único referencial, um padrão único de sociedade oriente as ações da polícia.

Como escreve Canen (2002),

o multiculturalismo surge em meio a essas críticas a uma verdade única, a uma pretensa neutralidade da ciência. Busca respostas plurais para incorporar a diversidade cultural e o desafio e preconceitos, nos diversos campos da vida social, incluindo a educação. Procura pensar caminhos que possam construir um ciência mais aberta a vozes da grupos culturais e étnicos plurais. (p.178).

Constata-se pelas últimas gestões e pelo currículo atualmente prescrito, que este caminho, no todo ou em partes, ainda não é contemplado no processo de formação da PMESP.

Sabe-se que a substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. Sua essência reside no fato de os membros das comunidades se restringirem em suas possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece tais restrições. A primeira exigência da civilização, portanto, é a da justiça, por isso a necessidade de controle da atividade policial.

Dias Neto (2000), ao analisar este fenômeno dos controles sociais lembra que:

Inerente ao conceito de democracia, é o princípio de que os cidadãos devem possuir mecanismos de controle sobre as decisões estatais. Nenhum outro órgão do Estado (como a instituição policial), dispõe de tanta autoridade para intervir na privacidade, na autonomia e na integridade física e psíquica dos cidadãos (p.13).

Não há dúvidas de que o que mais se deseja é controlar aqueles para os quais se delegam poderes que incluem a coerção física, porém se está diante de um enorme desafio.

Primeiro, porque se trata de poder, do poder em sua forma pura, abstrata, conceitual, ou seja, é consenso que o policial tem poder de constrangimento. O que se deseja é que ele utilize adequadamente esse poder, nos limites dados pela lei, o que se mostra, nas ações concretas, extremamente complexo e de difícil realização.

Os profissionais incumbidos de formar os responsáveis por fazerem cumprir a lei estão sempre diante do dilema: formar para ação e formar para os limites do poder. Freire (1996) ensinava:

É fundamental que, na prática de formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador”(p.43)

Verifica-se na prática que a atividade policial recebe e tem por lei um controle externo realizado pelo Ministério Público e um controle mais dinâmico que é aquele realizado pela população diuturnamente, pois, os policiais atuam, eminentemente, de forma ostensiva e fardados.

A patrulha ativa, visível, flexível é a peça central das operações de polícia, podendo ser acionada para fiscalização competente a qualquer momento.

Conforme Michaud (1989)

O uniforme e o armamento o singularizam. Tais condições particulares tendem a atrair para a polícia sujeitos já agressivos. Ora, o trabalho diário do policial não é dedicado unicamente à violência e consiste, em boa medida, a resolver pacificamente conflitos menores, a intervir em situações tensas e a fazer pessoas reticentes adotarem comportamento que na verdade são de seu interesse(p.64).

Além disso, em quase tudo o que fazem, os policiais devem incentivar a cooperação voluntária do público, que será o referencial para o controle da atividade policial e que o currículo oculto, desenvolvido na formação, deve abarcar.