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Controle de constitucionalidade de leis e normas orçamentárias

Capítulo 2. Controle de Constitucionalidade das Leis e Normas Orçamentárias no

2.4 Controle de constitucionalidade de leis e normas orçamentárias

Neste capítulo será analisado o controle de constitucionalidade no Brasil, especialmente no que diz respeito ao − e tem repercussão sobre o − controle de leis e normas orçamentárias. Dessa forma, não se pretende uma análise completa do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, mas a escolha de temas específicos que interessem na construção de um modelo “adequado” ao controle da constitucionalidade das normas dessa natureza.

2.1 Controle de constitucionalidade no Brasil: características e limites

Os sistemas de controle de constitucionalidade foram desenvolvidos para proteger o princípio da supremacia da Constituição. A partir do momento em que as Cartas Constitucionais passaram a exercer um protagonismo nos ordenamentos jurídicos, os sistemas de seu controle foram desenvolvidos para garantir sua defesa. Mas, segundo Mauro Cappelletti,

embora não expressa e conscientemente configurada como “supremacia da Constituição” em relação às leis ordinárias, existiu, no entanto, também em outros e mais antigos sistemas jurídicos, uma espécie de supremacia de uma dada lei ou de um dado corpo de leis – que, em terminologia moderna, poderemos, exatamente, chamar de leis “constitucionais” ou “fundamentais”, Grundgesetze – em relação às

outras leis que, sempre em terminologia moderna, podemos chamar leis “ordinárias”.347

Elival da Silva Ramos afirma que seria um “autêntico consenso doutrinário” a ideia de que a “supremacia das normas constitucionais está na base da fundamentação teórica do controle de constitucionalidade”.348 Na mesma linha, Ruy Barbosa afirma que:

Esta consequencia resulta evidentemente da propria essencia do systema. Onde se estabelece uma Constituição, com delimitação da auctoridade para cada um dos grandes poderes do Estado, claro é que estes não podem ultrapassar essa auctoridade, sem incorrer em incompetencia, o que em direito equivale a cahir em nullidade.349

De início houve resistência europeia ao controle jurisdicional de constitucionalidade em razão da legitimidade parlamentar como representante da soberania popular e da ligação do Judiciário às antigas monarquias absolutistas no momento de transição: “Não seria de esperar que o Parlamento, após celebrar a histórica vitória sobre o poder monárquico que lhe era adverso, consentisse que outro Poder viesse a tolher, de algum modo, sua principal atividade, a elaboração legislativa”,350 pois “O princípio da supremacia da lei, enquanto expressão da vontade geral, embora distinto, apresenta nítida imbricação com o princípio da supremacia do Parlamento (...)”.351

Certamente essa resistência europeia pode ser transcrita para o controle de leis orçamentárias, leis que claramente surgiram da ascensão do Legislativo e da necessidade de controle sobre o Executivo das opções públicas de receitas e despesas. Não é de admirar que o Legislativo tenha imposto restrições ao controle judicial do orçamento a fim de manter intacta a sua competência para decidir tais questões.

Mauro Cappelletti afirma que o controle de constitucionalidade das leis não teria surgido na Europa, mas nos Estados Unidos da América. “Antes, de fato, nunca teria

347 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado.

2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 48.

348 RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil: perspectivas e evolução. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 19.

349 BARBOSA, Ruy. Os Actos Inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal.

Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893, p. 42 e 43.

350 RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil: perspectivas e evolução. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 124.

acontecido que um sistema de controle de validade das leis fosse confiado à obra dos

tribunais e que tivesse, portanto, caráter judicial”.352

Há dois modelos mundiais que foram seguidos pelos países para proteger a Constituição: o sistema americano e o austríaco. Cada um oferece vantagens e desvantagens, e, na verdade, há uma tendência de aproximação dessas duas vertentes, visível inclusive no Brasil.

Os sistemas de controle de constitucionalidade costumam ser classificados como difusos, concentrados ou mistos. Os de origem estadunidense são classificados como difusos, por permitirem que qualquer juiz declare ou constitua a inconstitucionalidade de uma lei, enquanto os concentrados, com origem na Áustria, e influenciados pelo jurista Hans Kelsen, delegam a um único órgão a responsabilidade de instituir a inconstitucionalidade.

Em relação a essa classificação, Jorge Miranda elenca as vantagens e desvantagens de cada sistema. No sistema difuso, a questão da inconstitucionalidade se daria naturalmente como questão jurídica e não política, permitindo assim uma maior eficácia da Constituição, porém com o risco da desarmonia dos julgados e uma possível desvalorização dos julgamentos de inconstitucionalidade. No sistema concentrado, haveria a vantagem da certeza do direito e uniformidade, evidentes pela exclusividade no controle de constitucionalidade, além de uma formação de jurisprudência enriquecedora do conteúdo constitucional. Como revés, o perigo das pressões políticas advindas do Executivo e Legislativo, o risco da imutabilidade jurisprudencial e uma “desproporção ante as necessidades de decisão jurídica a satisfazer”, deixando a Constituição exclusivamente às interpretações e valores dos tribunais constitucionais.353

Segundo Jorge Miranda, a fiscalização concentrada pode envolver não apenas um único órgão, mas um número reduzido de órgãos responsáveis sobre o controle de constitucionalidade.354 Por outro lado, Elival Ramos, Louis Favoreu e Cappelletti entendem apenas ser concentrado o regime quando um único órgão realiza o controle da constitucionalidade das normas infraconstitucionais.

352 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado.

2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 46.

353 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: inconstitucionalidade e garantia da Constituição.

Tomo IV. 4º ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 139 e 140.

354 Embora ambos concordem que o sistema brasileiro seja difuso, e não misto. Para o entendimento de Jorge

Miranda, ver: MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: inconstitucionalidade e garantia da Constituição. Tomo IV. 4º ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2013.

Não haveria uma natureza mista ou dúplice do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, mas um sistema difuso em que qualquer juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei:

Destarte, para saber se determinado sistema de controle é difuso ou concentrado, considera-se o aparato jurisdicional no seu todo e verifica-se de quem é a competência para efetuar o controle da constitucionalidade das leis: se houver uma dispersão dessa competência, de sorte que qualquer juiz ou tribunal, de conformidade com os critérios pelos quais a massa de causas existentes no País lhes é distribuída, esteja habilitado, em tese, a fazer controle de constitucionalidade, o sistema é difuso; ao contrário, se apenas a um tribunal é confiada a competência para a fiscalização de constitucionalidade das leis, o sistema é concentrado.355

Elival Ramos afirma que deve ser feita uma análise sistêmica para se chegar à conclusão de qual regime é adotado em cada país, e no Brasil o sistema seria indubitavelmente difuso, já que reconhecida a qualquer juiz ou tribunal, respeitadas as regras de competência, a possibilidade de efetuar o controle de conformidade das leis à Constituição:356 “a difusão constitui traço característico da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade no Brasil, presente desde a sua implantação, contemporânea ao nascimento da República, até os dias atuais”.357 Nestes casos, haveria ainda assim um sistema de controle de constitucionalidade difuso, sendo a competência dos Tribunais como o STF em termos de ADI, por exemplo, apenas uma questão de divisão de competências, o que parece bastante razoável.

Pelo mesmo motivo, José Afonso da Silva assevera que o Supremo Tribunal Federal não pode ser considerado uma verdadeira Corte Constitucional no Brasil. Em parte pela seleção de seus membros, e em parte mais relevante “porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso (...)”.358

Quanto ao sistema adotado no Brasil, melhor do que falar em controle difuso e concentrado para diferenciar os dois modos de análise da constitucionalidade das leis e atos normativos, é falar em controle incidental e principal.

355 RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil: perspectivas e evolução. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 68.

356 Idem, p. 68 a 70.

357 RAMOS, Elival da Silva. A Evolução do Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade e a

Constituição de 1988, in RAMOS, Elival da Silva; MORAIS, Carlos Blanco de (Coord.). Perspectivas de Reformas da Justiça Constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2012, p. 65.

358 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005,

O incidental, “em maior ou menor escala, sempre será de natureza concreta, em qualquer de suas modalidades”, enquanto o principal, “desenvolvido por meio de processos constitucionais de controle, intitulados de ações diretas, adquire, em geral, feições abstratas”.359

No Brasil, de início, apenas se contava com o controle incidental de constitucionalidade. A partir da Emenda Constitucional nº 16/65 à Constituição de 1946, o sistema brasileiro “passou a combinar a técnica da declaração incidental, em concreto, consagrada no sistema modelar estadunidense, com a da fiscalização em abstrato da constitucionalidade das leis e atos normativos, de inspiração europeia”.360

As características mais marcantes, a priori, do sistema de controle de constitucionalidade na Constituição de 1988 seriam: i) majoritariamente jurisdicional- repressivo, com reduzida importância do controle preventivo e político; ii) difusão da competência do controle por todo o Judiciário; iii) combinação dos controles principal e incidental, o primeiro em processos abstratos e objetivos, com efeito erga omnes, e o segundo em processos concretos e subjetivos, com efeito inter partes; iv) nulidade com efeitos ex tunc, desde o início e não a partir da decisão ou de outro momento fixado pela decisão.361

Muitas dessas características, no entanto, embora subsistam, estão perdendo força, especialmente os itens iii) e iv), por instrumentos como a repercussão geral, que objetiva o controle incidental, e a modulação de efeitos, que relativiza o efeito ex tunc das decisões proferidas nesse tipo de controle. É identificada por diversos autores uma tendência inversa no controle incidental, chamada de abstração ou objetivação.362

Um dos sinais dessa tendência é a repercussão geral que, segundo Bruno Dantas, é um pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário, inserido, portanto, no juízo de admissibilidade desse recurso.363

Instrumentos como a repercussão geral do direito brasileiro são tendências mundiais diante do crescente aumento do acesso à justiça e da universal compreensão,

359 RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil: perspectivas e evolução. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 77 e 78.

360 RAMOS, Elival da Silva. A Evolução do Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade e a

Constituição de 1988, in RAMOS, Elival da Silva; MORAIS, Carlos Blanco de (Coord.). Perspectivas de Reformas da Justiça Constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2012, p. 70.

361 Idem, p. 73 e 74.

362 Bruno Dantas ressalta o reconhecimento dessa tendência nos RE 388.730/RJ, AgRg no RE 475.812/SP e

no AgRg na Sentença Estrangeira 5.206. DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: perspectiva histórica, dogmática e de direito comparado; questões processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 73.

363 DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: perspectiva histórica, dogmática e de direito comparado; questões

tanto em Estados unitários quanto federais, da imprescindibilidade de um tribunal de cúpula responsável pela manutenção da integridade do direito e da uniformização da sua interpretação. Segundo Bruno Dantas, “é difícil conceber, hoje em dia, algum país que não tenha adotado medidas para estabelecer filtros ao acesso de recursos a elas dirigidos”.364

Elival da Silva Ramos questiona se a ideia de súmula jurisprudencial de caráter normativo se ajusta ao nosso sistema da família do civil law e se as consequências trazidas pelo instituto serão efetivamente benéficas ao sistema, tendo em vista que se correria o risco da diminuição dos recursos extraordinários ao custo do “aumento vertiginoso da quantidade de reclamações, de protocolização direta no âmbito da Suprema Corte”.365

A repercussão geral, além de representar essa mudança no controle de constitucionalidade incidental, por objetivar as ações, tornando-as menos relacionadas às partes, também representa um tipo de raciocínio consequencialista, por condicionar a admissão de um recurso à utilidade que ele possa apresentar ao ordenamento jurídico, seja como precedente, seja pela relevância da causa em si.

O artigo que trata do assunto no Código de Processo Civil − 543-A, § 1º − afirma que: “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.366

É de fácil observação que o pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário torna o acesso à justiça mais dificultoso, e o faz para suprimir a demanda dos tribunais. Para um recurso ser aceito deve apresentar questões relevantes; do ponto de vista tradicional, deontológico, é uma matéria meramente hermenêutica, no sentido de que o juiz apenas deve interpretar os conceitos jurídicos indeterminados da relevância econômica, social etc. Mas na perspectiva apresentada até agora no trabalho é possível também analisar o fenômeno sob a lente consequencialista, pois o juiz prevê a relevância do caso como um futuro precedente, ou como algo com valor suficiente para movimentar a máquina judiciária, que tem custos para julgar um processo.

O observado no contexto do controle incidental é uma tendência a tornar esses processos menos ligados aos casos concretos, portanto, menos subjetivos às partes, embora

364 Idem, p. 90 e 91.

365 RAMOS, Elival da Silva. A Evolução do Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade e a

Constituição de 1988, in RAMOS, Elival da Silva; MORAIS, Carlos Blanco de (Coord.). Perspectivas de Reformas da Justiça Constitucional em Portugal e no Brasil. Coimbra: Almedina, 2012, p. 83 e 84.

Cianci e Almeida defendam uma inconstitucionalidade nessa tendência, por ferir o devido processo legal e gerar um sincretismo entre os sistemas difuso e concentrado.367

Argumentar-se-á no tópico 2.3 que o controle principal também está em modificação no Brasil, especialmente a possibilidade de controle de “leis de efeitos concretos” em ações que antes exigiam generalidade e abstração das suas matérias.

Observadas as principais características do controle de constitucionalidade brasileiro, no próximo tópico será dada uma atenção especial aos efeitos das decisões, especialmente no controle principal de constitucionalidade, foco da tese.

2.2 Eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal e modulação de efeitos no controle principal

Eficácia é um conceito jurídico ligado a outros institutos correlatos, à validade e à vigência.368 Começa-se pelos demais para entender o que é a eficácia.

A validade é uma relação de pertinência ao sistema. Isto é, uma norma é válida se não há ofensa a nenhuma outra hierarquicamente superior, seja pelo cumprimento de todos os procedimentos formais para a sua introdução no sistema, seja pela matéria que veicula. Por isso, “cumprido o processo de formação ou produção normativa, em conformidade com os requisitos do próprio ordenamento”, tem-se uma norma válida.369

Tércio Sampaio Ferraz Jr. explicita algumas questões concernentes à validade:

O problema dogmático da validade é, assim, a questão de saber quando uma norma é reconhecida como válida para o ordenamento, a partir de que momento, quando deixa de valer, quais os efeitos que produz e quando e até quando os produz, se os produz mesmo quando não pode ser tecnicamente reconhecida como válida.370

367 CIANCI, Mirna; ALMEIDA, Gregório A. de. Direito Processual do Controle de Constitucionalidade.

São Paulo: Saraiva, 2011, p. 61.

368 Há ainda autores como Pontes de Miranda que falam no plano da existência, mas para Kelsen a validade

da norma está ligada necessariamente à existência. Neste trabalho, validade e existência serão tidas como conceitos semelhantes.

369 FERRAZ JR., Tércio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 3ª ed. São Paulo:

Atlas, 2001, p. 193.

Vigência, por outro lado, é o período de produção de efeitos de uma norma. Nas palavras do Prof. Tércio Ferraz Jr., “termo com o qual se demarca o tempo de validade de uma norma”.371 As normas vigentes são aquelas aptas a produzir efeitos para os fatos que ocorrem naquele determinado período. A diferença entre vigência e validade é relevante, inclusive do ponto de vista orçamentário. A Lei que dispõe o orçamento no Brasil em 2015 deixará de ser vigente em 2016, mas não deixará de ser válida por isso. Assim, mesmo uma norma inválida pode produzir efeitos até que venha a ser declarada a sua invalidade.

Ao mesmo tempo, “uma norma válida pode já ser vigente e, no entanto, não ter eficácia”.372 A eficácia jurídica diz respeito não à validade, mas aos efeitos jurídicos produzidos por determinada norma.373

“A capacidade de produzir efeitos depende de certos requisitos. Alguns de natureza fática; outros, de natureza técnico-normativa”.374 Quando se fala de eficácia, dois conceitos podem ser pensados.

O primeiro é o de eficácia social, ou efetividade, quando a produção de efeitos depende de circunstâncias fáticas para a sua realização. Nesse sentido, Tércio distingue ainda a eficácia social da observância da norma, que seria a especulação se a norma é cumprida efetivamente, mesmo preenchidas as circunstâncias fáticas relevantes para o caso.375

O tema da eficácia das decisões judiciais está intimamente relacionado ao do consequencialismo jurídico. Prever as consequências, de modo amplo, das decisões judiciais, é pensar sobre os efeitos que elas podem produzir no campo social, econômico ou jurídico.

O segundo conceito que pode ser pensado é de que a eficácia jurídica das normas restringe-se aos efeitos estritamente jurídicos que produzem, como a criação de direitos, extinção de obrigações, autorização de condutas ou a proibição delas.

As decisões judiciais são veículos introdutores de normas jurídicas, que, assim como as normas legais, produzem efeitos jurídicos. Alguns dos principais aspectos do controle de constitucionalidade brasileiros estão relacionados à produção de efeitos, como

371 Idem, p. 193 e 194. 372 Idem, p. 194.

373 Sobre o assunto, ver BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 2ª ed. Bauru: Edipro, 2003, p. 48 e

ss.

374 FERRAZ JR., Tércio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 3ª ed. São Paulo:

Atlas, 2001, p. 194 e 195.

a fixação dos destinatários da decisão judicial, ou seja, se a decisão produz efeitos erga

omnes ou inter partes.

Os sistemas de controle concentrado, ou no Brasil, o controle principal, normalmente produzem efeitos a um público não identificável, logo, geral e não individual. A distinção entre efeitos erga omnes ou inter partes, portanto, emerge das mesmas premissas da citada distinção de Bobbio entre normas gerais e individuais. Normas gerais produzem efeitos erga omnes, e normas individuais, inter partes.

No entanto, os efeitos produzidos pelas decisões judiciais vão além dessa simples distinção. Como visto no terceiro capítulo da primeira parte, as decisões, mesmo as que em tese produzem efeitos inter partes, devem pensar nas consequências jurídicas das suas disposições no ordenamento jurídico. Nesse sentido, para Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, a finalidade do processo no controle concentrado é “resguardar a harmonia do ordenamento jurídico, motivo pelo qual se pode afirmar que o controle concentrado tem por finalidade declarar a nulidade da lei violadora da Constituição”.376

Outro aspecto da produção de efeitos no controle de constitucionalidade diz respeito à sua irretroatividade no tempo. Os modelos austríaco e estadunidense ofereciam respostas diferentes à questão da irretroatividade da decisão da inconstitucionalidade. Enquanto no modelo austríaco a questão se resolvia a partir da decisão, chamado de efeito

ex nunc, no modelo estadunidense a decisão era vista como meramente declaratória e

estipulativa de um efeito retroativo, ex tunc.

Fábio Martins de Andrade elaborou quadro comparativo interessante sobre os dois modelos, que aqui segue parcialmente:377

Sistema de origem Norte-americano Austríaco

Efeito da inconstitucionalidade Nulidade Anulabilidade

Sistema de controle Difuso Concentrado

Natureza da decisão Declaratória (Des)constitutiva negativa

Efeitos no tempo Ex tunc Ex nunc

Planos dos atos jurídicos Validade Eficácia

376 ARAÚJO, Luiz Alberto D. de; SERRANO JÚNIOR, Vidal. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 58.

377 ANDRADE, Fábio Martins. Modulação em Matéria Tributária: o argumento pragmático ou

A tabela é simples, mas opõe bem as principais características dos dois sistemas, embora muitas vezes os sistemas contemporâneos possam apresentar características diversas e mescladas.

A discussão ganha corpo no Brasil em razão do instituto da modulação dos efeitos das decisões no controle de constitucionalidade.

A técnica de modulação de efeitos é uma das expressões mais claras do consequencialismo jurídico positivadas no direito brasileiro. Parte-se do pressuposto de que o consequencialismo não é contrário ao positivismo jurídico, ou seja, que normas

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