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O Controle da Despesa Total com Pessoal antes da Lei de Responsabilidade Fiscal

Em 1989, a então Deputada Federal Rita Camata apresentou um projeto de lei complementar para disciplinar o limite de gasto com pessoal previsto no caput do artigo 169 da CF/1988.

Entretanto, somente em 1995, a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995 (BRASIL, 1995), conhecida como “Lei Camata I”, regulamentou o artigo 169 da CF/1988, estabelecendo que as despesas totais com pessoal ativo e inativo da administração direta e indireta, inclusive fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, pagas com receitas correntes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderiam, em cada exercício financeiro, exceder 60 % da respectiva receita corrente líquida.

O conceito de receita corrente líquida estava previsto no artigo 1º da lei. No caso da União, ela seria o total da receita corrente, deduzidos os valores correspondentes às transferências por participações, constitucionais e legais, dos Estados, Distrito Federal e Municípios na arrecadação de tributos de competência da União, bem como as receitas de que trata o artigo 239 da CF/1988 e, ainda, os valores correspondentes às despesas

com o pagamento de benefícios no âmbito do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). No caso dos Estados, seria o total da respectiva receita corrente, deduzido o valor transferido aos Municípios por determinação constitucional ou legal.

Assim, o legislador objetivou que a União e os Estados só poderiam utilizar com gastos de pessoal um percentual dos recursos que efetivamente estariam disponíveis, corrigindo um equívoco do constituinte originário que previa, no já mencionado artigo 38 do ADCT, o uso da receita corrente como parâmetro de limite.

A Lei Camata I também estabeleceu regra de ajuste em caso de descumprimento do limite no exercício em que ela foi publicada. Nessa hipótese, o excedente deveria ser reduzido, no prazo máximo de até três exercícios financeiros, à razão de um terço por exercício.

Além disso, a LC nº 82/1995 foi pioneira com relação à transparência na gestão fiscal ao determinar que os entes publicassem, até trinta dias após o encerramento de cada mês, o demonstrativo da execução orçamentária detalhando o comprometimento dos gastos com pessoal com relação à receita corrente líquida.

No caso de extrapolação do limite, o diploma fiscal então vigente também vedava quaisquer revisões (incluindo a revisão geral anual prevista no inciso X do caput do artigo 37 da CF/1988), reajustes ou adequações de remuneração que implicassem aumento de despesa com pessoal.

Na sequência cronológica, a EC nº 19/1998, conhecida como “Reforma Administrativa”, promoveu uma reformulação estruturante com relação à despesa pública com pessoal. Entre outras inovações, instituiu a legalidade específica em termos de política remuneratória, definiu novo parâmetro para o teto remuneratório, incluiu a vedação à vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias e criou o instituto jurídico do subsídio.

A EC nº 19/1998 aprofundou o controle da despesa total com pessoal alterando o artigo 169 da CF/1988 para prever que o limite para a DTP contaria com mecanismos de enforcement e de ajustamento. Dessa forma, se os entes federativos não estivessem enquadrados nos limites determinados para gasto com pessoal, deveriam adotar, durante

o prazo fixado na lei complementar referida no caput do artigo 169 da CF/1988, as seguintes providências (BRASIL, 1988):

a) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;

b) exoneração dos servidores não estáveis;

c) não sendo essas medidas suficientes para assegurar o cumprimento da LRF, o servidor estável poderia perder o cargo, desde que por ato normativo motivado de cada um dos Poderes, especificando a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

Nesse último caso, o servidor estável teria direito a uma indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. Quanto ao cargo objeto da redução mencionada, seria considerado extinto, sendo vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos (ibidem, art. 169, §§ 5º e 6º).

Antes da EC nº 19/1998, o servidor estável somente perderia o cargo por sentença judicial transitada em julgado ou em razão de processo administrativo disciplinar, assegurado o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Por sua vez, para servidores vitalícios, a perda do cargo somente poderia ocorrer mediante sentença judicial transitada em julgado.

Todavia, depois da EC nº 19/1998, o servidor estável também ficou passível de perder o cargo por outras duas maneiras. A primeira delas passou a ser a inabilitação em procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. Trata-se de uma forma de implementar o princípio da eficiência, tornando possível à Administração exonerar o servidor que, estável, não mais corresponda às atribuições exigidas para o cargo.

Já a outra maneira passou a ser a prevista no inciso III do § 4º do artigo 169 da CF/1988, segundo o qual, quando o limite de gasto com pessoal estabelecido na LRF tiver sido ultrapassado, o servidor estável poderá perder o cargo depois do cumprimento dos incisos I e II do mesmo § 4º. Ou seja, o servidor estável poderá perder o cargo após a redução em pelo menos 20 % das despesas com cargos em comissão/funções de confiança

e a exoneração dos servidores não estáveis.

Por fim, o § 2º do artigo 169 da CF/1988 estabelece que, decorrido o prazo estabelecido pela lei complementar para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.

No ano seguinte da edição da EC nº 19/1998, foi editada a Lei Complementar nº 96/1999 - Lei Camata II (BRASIL, 1999a), que apresentou algumas mudanças com relação à Lei Camata I, a saber:

a) a redução do limite global da União para 50 % (art. 1º);

b) a definição mais precisa de alguns conceitos, como despesas totais com pessoal e receita corrente líquida (art. 2º);

c) vedações, no caso de descumprimento dos limites (art. 3º);

d) alteração no prazo de ajuste: apenas 2 (dois) anos, com o excesso a ser suprimido à razão de dois terços no primeiro exercício e o restante no segundo (art. 4º);

e) sanções no caso de inobservância das providências relativas à redução do excesso (art. 5º) e

f) detalhamento das medidas previstas no § 3º do artigo 169 da CF/1988 (art.

6º).

Após as Leis Camata I e II, em 4/5/2000, entrou em vigor a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impôs regras e limites mais específicos para a DTP, além de importantes avanços no que diz respeito à transparência da gestão fiscal, reforçando, certamente, os mecanismos de controle.