• Nenhum resultado encontrado

3.2 Controle externo

3.2.3 Controle jurisdicional

Por controle jurisdicional da Administração entendemos a apreciação pelo poder Judiciário sobre atos, processos, contratos administrativos, atividades, operações materiais, omissão ou inércia da Administração141.

O controle jurisdicional é um controle externo deflagrado mediante provocação, em especial pelo ajuizamento de ações, em que são observados procedimentos formais e respeitados os direitos das partes142. É realizado por juízes dotados de independência e imparcialidade (não eleitos) e, em regra, é classificado como controle a posteriori e repressivo.

Um dos mais importantes instrumentos de controle sobre a Administração, representa, para alguns estudiosos143, decorrência direta do Estado de Direito. Tamanha importância vem retratada em nosso texto Constitucional, que estabeleceu em seu art. 5o, XXXV, o princípio da inafastabilidade do controle do poder judiciário, em que se lê que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito."

Consequência imediata desse princípio é a de que no Brasil vigora o sistema de jurisdição una 144 (de origem inglesa e norte-americana), pelo que, em nosso sistema jurídico, todos os conflitos incumbem a uma única jurisdição145 (há um monopólio da função jurisdicional). Em outra palavras, tem-se que somente ao judiciário cabe resolver definitivamente qualquer litígio de direitos, incluindo aqueles em que o poder público é parte.

Ainda, é possível notar da previsão Constitucional que a apreciação não restou limitada somente às "lesões de direito", estando incluídas também as "ameaças de direito".

Outro ponto importante de se notar é que não mais adjetivou146 o direito protegido como

"individual". Portanto, ficam acobertados por esse princípio os direitos de pessoas jurídicas, entidades, direitos coletivos e difusos147.

141 MEDAUAR, O. Controle da Administração Pública. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 186.

142 Em especial, o contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do julgador, o princípio do juiz natural (competência), entre outros.

143 Nesse sentido, Odete Medauar, Alexandre Santos de Aragão, Lúcia Valle Figueiredo e José Afonso da Silva.

144 Esse sistema se contrapõe ao sistema do contencioso administrativo, ou da jurisdição dupla, de origem francesa. Nesse modelo, em apertada síntese, existem duas ordens de jurisdição paralelas: a jurisdição comum (ordinária) e a jurisdição administrativa, que se destina a julgar os litígios envolvendo a Administração Pública, cujo órgão supremo é o Conselho de Estado.

145 Odete destaca, como ponto negativo desse sistema, a não especialização dos juízes e a sobrecarga trazida ao judiciário pelas ações contra a Administração (MEDAUAR, O. Controle da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 191-200.

146 A exemplo das Constituições antigas de 1946, 1967 e 1969, em que figurava "direito individual".

147 MEDAUAR, O. Direito Administrativo Moderno. 15.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 416.

Outra decorrência extraída do princípio da proteção judiciária é a regra geral148 de que não se pode exigir o esgotamento prévio da via administrativa para que se possa ingressar em juízo, isto é, em face de uma lesão ou ameaça de lesão advinda de alguma atividade administrativa, não se faz necessária a interposição de recursos administrativos prévios para que se ingresse com ação perante o judiciário149.

Um dos pontos de maior relevância sobre o controle jurisdicional diz respeito ao seu alcance. Nesse contexto, a apreciação da legalidade de qualquer ato da Administração Pública pelo Judiciário é determinação constitucional, não havendo, pois, questionamentos quanto à possibilidade de incidência dessa modalidade de controle (controle de legalidade) sobre os atos administrativos. O que se questiona, então, é o que está abrangido por esse controle, isto é, qual é o alcance da atuação do judiciário. Relacionado a isso, está a possibilidade de o controle judicial incidir (i) sobre o mérito do ato administrativo e (ii) sobre os atos discricionários.

Sendo assim, há quem entenda que o controle jurisdicional deve ser calcado em legalidade formal (restrita), cabendo ao judiciário, quando provocado, somente a verificação da consonância do ato da administração com o dispositivo legal que o embasa, por meio de uma análise calcada em critérios objetivos do ato administrativo.

Os que assim pensam baseiam-se na tripartição dos poderes, estampada no art. 2o da Constituição Federal, para alegar que não cabe ao judiciário, em respeito a esse princípio, exercer qualquer ingerência nas atividades típicas do Poder Executivo. Suscitam, ainda, que os integrantes do Poder Judiciário são desprovidos de mandado eletivo e, portanto, também de legitimidade para apreciar aspectos relativos ao interesse público, cabendo a esse poder somente a análise de aspectos como competência, forma e ilicitude do objeto do ato administrativo150.

148 Entre as exceções, destacam-se a revisão, edição e cancelamento de enunciado de súmula vinculante (uso da reclamação) e o ajuizamento de habeas data.

149 Tarcísio Vieira de Carvalho ressalta, nesse contexto, que por conta do fortalecimento do controle judicial no contexto Brasileiro, foram ampliados os remédios constitucionais de correção da atividade administrativa. A Constituição prevê, nesse sentido, como instrumentos de garantias individuais, afora os já existentes na legislação ordinária, o mandado de segurança, o habeas data, habeas corpus e o mandado de injunção. Por sua vez, como garantia de interesses coletivos e difusos, tem-se o mandado de segurança coletivo, a ação civil pública e a ação popular. É também nesse contexto que ganha evidência o papel do Ministério Público na Carta Constitucional de 1988, que tem o status de órgão essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe, além de zelar pela defesa da ordem jurídica e do regime democrático, também defender os direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis. (CARVALHO NETO, T. V. Controle jurisdicional da Administração Pública, Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 50, n. 199, julho/setembro, 2013, p. 131-137).

150 Nesse sentido, MEDAUAR, O. Direito Administrativo Moderno. 15.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 418.

Por outro lado, há uma corrente151 que defende que o controle deve ser amplo, baseado em legalidade igualmente ampla e ideologizada, pelo que se sustenta, conforme assevera Phillip Gil152, que os valores que conformam, justificam e se apresentam como incubadoras das expressões normativas positivistas "de igual forma são passíveis de verificação de regularidade de sua aplicação pela Administração, quando do exercício do controle pelo Judiciário."

Segundo esse posicionamento, com o qual concordamos, o princípio da legalidade está determinado não apenas na expressão legal, mas também nos valores, fundamentos e princípios da ordem jurídica (constitucionais e infraconstitucionais), devendo o judiciário, pois, averiguar a conformação da atuação administrativa, segundo esses critérios153.

Em análise sobre o tema, o Min. Celso de Mello, em votação perante o Supremo Tribunal Federal, em 21.3.1990, afirmou que era preciso evoluir cada vez mais no sentido "da completa justiciabilidade da atividade estatal e no fortalecimento do postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição de seu exercício abusivo154".

Cabe ao administrador, assim, a difícil tarefa de implementar as políticas governamentais previstas em lei, sem, todavia, violar os princípios que regulam a sua atividade e que se encontram previstos no texto constitucional. Evidente, porém, que essa ampliação do controle não deve implicar na substituição do administrador pelo juiz, pois cabe primeiro ao juízo regular e estrito de conveniência e oportunidade, cabendo ao judiciário a revisão da atividade administrativa baseada numa legalidade ampla e ideologizada, isto é, impregnada de um conteúdo axiológico que contém outros vários princípios constitucionais fundamentais.

151 Entre os vários autores que se coadunam a esse pensamento, destaca-se Odete Medauar, Alexandre Santos de Aragão e José dos Santos Carvalho Filho.

152 FRANÇA, P. G. O controle da Administração Pública – Discricionariedade, Tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. 3.ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.], p.

123.

153 Conforme ressalta Odete Medauar, a Constituição de 1988 está "impregnada de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias ante o poder público", sendo certo que uma das consequências desse espírito é a de que a legalidade assenta-se, hoje, em bases mais amplas, calcadas em princípios a serem observados por toda a Administração Pública, formados pelos valores fundamentais e pelo catálogo dos direitos e garantias individuais e coletivos estampados na Constituição de 1988 (MEDAUAR, O. Direito Administrativo Moderno. 15.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 418.

154 Mandado de Segurança no 20.999/DF, rel. Celso de Mello, julgamento em 21.3.1990, Tribunal Pleno, DJ 25.5.1990

Dois importantes avanços para concretização desse novo modelo de controle jurisdicional foi o estabelecimento de controle dos motivos e da finalidade do ato administrativo.

À vista do que foi dito no tópico 2.2, o pensamento de que a discricionariedade administrativa representava um espaço livre de quaisquer interferências e controles conferido à Administração não mais subsiste. Odete Medauar, em recuperação histórica desse avanço, afirma que:

Fixou-se, primeiro, a exigência de observância de regras de competência; após, a imposição de regras de forma. Depois se elaborou a exigência de nexo entre o ato administrativo e seus antecedentes ou circunstâncias de fato, situando-se no motivo um vínculo a mais no exercício do poder discricionário. Em decorrência, veio a possibilidade de controle jurisdicional dos antecedentes de fato e das justificativas jurídicas que levaram à tomada da decisão em determinado sentido, ou seja, o controle do motivo155.

Acrescenta-se, ainda, outro ponto importante a respeito do controle de motivo, que é a possibilidade de verificação de indícios de desvio de poder na prática do ato administrativo.

Essas questões relativas ao desvio de poder e desvio de finalidade foram importantes parâmetros fixados para o exercício do poder discricionário, pois possibilitaram, ademais do controle de motivo, o controle do fim do ato, que, como retrata Caio Tácito156, citado em obra de Odete Medauar, “teve o mérito de focalizar a noção de interesse público como centro de legalidade do ato administrativo”

Sendo assim, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade revestem-se de especial importância no controle jurisdicional exercido sobre os atos discricionários, pois, uma vez reconhecida que uma providência administrativa é desarrazoada, isto é, apresenta falta de proporcionalidade entre meios e fins (diante dos motivos ensejadores da expedição do ato), estará ela em desconformidade com a finalidade da lei, sendo assim, restará violado o princípio da legalidade (do qual a finalidade não é mais do que uma decorrência lógica)157.

Portanto, ao exercer o controle sobre um ato administrativo discricionário, deve o Judiciário se valer de técnicas específicas e diversificadas, ligadas ao controle dos elementos ou dos pressupostos vinculados ao controle do desvio de poder (finalidade) e ao controle dos motivos.

155 MEDAUAR, O. Controle da Administração Pública. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 216.

156 TÁCITO, C. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 61 apud MEDAUAR, O. Controle da Administração Pública. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 217.

157 Nesse sentido, CARVALHO NETO, T. V. Controle jurisdicional da Administração Pública, Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 50, n.199, julho/setembro, 2013, p. 136.

Nesse sentido, a adoção dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, finalidade e motivação consistentes podem ser considerados como instrumentos objetivadores do caráter subjetivo das atividades discricionárias158, de modo que pode-se dizer, conforme ressalta Carvalho Neto159, que:

não se afastará o julgador de sua função precípua, ao invalidar atos administrativos, ainda que decorrentes de apreciação discricionária, sempre que o agente público vier a: i) desconsiderar elementos ou pressupostos estabelecidos em lei, como ocorre na definição da competência; (ii) desgarrar-se da finalidade legal, em decorrência do mal uso da competência; (iii) mal valorando os motivos do ato, adotar providência que não se contenha nos limites do razoável.

Se assim o fizer, não estará o julgador adentrando o mérito administrativo, o núcleo das opções razoáveis que dizem com a apreciação discricionária – o que seria inconstitucional, pois configuraria invasão de competência privativa do administrador. Tampouco estará redefinindo o interesse público, eis que este cabe ser definido pelo Congresso. Diferentemente, estará apenas cumprindo o seu papel social, de conformidade com o desejo do titular do poder, o povo, segundo cânones constitucionais.

Faça-se constar, por fim, uma nota sobre as consequências do controle jurisdicional, que repercutem de diferentes maneiras na Administração Pública, sendo os seus efeitos mais comuns, segundo retrata Odete Medauar e Alexandre Santos do Aragão: (i) a suspensão de atos ou atividades; (ii) anulação de atos ou contratos administrativos; (iii) imposição de obrigação de fazer; (iv) imposição de obrigação de abstenção de algo; (v) imposição de pagar e (vi) imposição de indenizar160.