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CAPÍTULO 1 – AGENDAMENTO, ENQUADRAMENTO E CONTROVÉRSIAS

1.4 Controvérsias Interpretativas

Em sua tese de doutorado, Porto106 propôs um marco teórico para a análise

do papel político da televisão, partindo do conceito de enquadramento. Esse modelo foi denominado controvérsias interpretativas. Ele também ofereceu instrumentos analíticos para a identificação de enquadramentos e como eles se organizam nas mensagens, afetando o processo por meio do qual as pessoas fazem sentido de temas ou eventos políticos.

Eu defino controvérsias interpretativas como disputas políticas que não são resolvidas a partir de informações e fatos, mas que se desenvolvem principalmente a partir de enquadramentos

103

ENTMAN, Robert. Framing US coverage of international news: contrast in narratives of the Kal and Iran Air incidents. In: Journal of Communication. v. 41 n. 4, p. 6-27, Autumn, 1990.

104

Ibidem, p. 8.

105

Ibidem, p. 7.

106

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007.

interpretativos. O sucesso na solução desse tipo de controvérsia não depende apenas da apresentação de evidências ou informações mas da habilidade dos atores de desenvolver e disseminar explicações relativamente simples que explicam as causas, os significados e conseqüências dos temas e eventos políticos de forma específica. Essas devem ter a capacidade de fazer sentido das informações disponíveis aos atores com alguma coerência e orientar o seu processo de interpretação da realidade conhecida.107

Para chegar a essa formulação, Porto108 propôs modificar o ponto de vista

que define a mídia como fonte de informação, ao enfatizar seu papel de mediadora de disputas sobre a interpretação da realidade. Para ele, a televisão é um dos espaços no qual são estabelecidas controvérsias interpretativas que contribuem para dar sentido e interpretar eventos e temas específicos. No caso do estudo realizado por Entman, sua ênfase foi a análise do papel político da televisão.

Porto definiu três características fundamentais para entender o papel político da mídia: a) as normas e rotinas profissionais do jornalismo provocam uma forte dependência das fontes oficiais; b) as controvérsias apresentadas pela mídia se

restringem a posições consideradas “legítimas”109 e os argumentos contrários, em

geral, concordam com os enquadramentos dominantes; e c) a mídia tende a não incluir os enquadramentos de grupos de pressão contrários aos enquadramentos dominantes.

Porto110 trabalha com características do conceito de enquadramento de

Entman111 para desenvolver seu modelo. Ele argumenta que a televisão apresenta

“enquadramentos interpretativos, ou seja, enquadramentos promovidos por um agente patrocinador e que oferecem uma interpretação específica de temas ou

eventos político” 112. Essas interpretações incluem pelo menos uma das dimensões

que se seguem: “1) definição de um problema; 2) atribuição de responsabilidade ou de causas do problema; 3) julgamento sobre o significado ou relevância dos eventos

107

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007, p. 124.

108

Ibidem.

109

Ibidem, p. 112.

110

PORTO, Mauro. Op. Cit., 2007, p. 125.

111

ENTMAN, Robert. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. In: Journal of Communication, n. 43, n. 4, p. 51-58, 1993.

112

ou temas políticos; 4) argumentos sobre conseqüência; 5) recomendação de soluções” 113.

Duas características importantes dos enquadramentos interpretativos são

destacadas por ele. Os enquadramentos contêm “dicas persuasivas”114 facilmente

compreensíveis que permitem às pessoas apoiarem uma posição. Esse é um dos principais pressupostos do modelo defendido pelo autor. Essas dicas simples, oferecidas às pessoas, promovem interpretações particulares sobre temas e eventos políticos, estimulando interpretações sobre a realidade política.

As afirmações contidas nos enquadramentos interpretativos não podem ser julgadas a partir de evidências factuais. Isso ocorre porque envolve variáveis complexas como o tempo para processar os dados e a quantidade de informação necessária para elaborar esses julgamentos, ainda que as pessoas possuam dados relevantes sobre a temática.

As sonoras, no caso da televisão, são o elemento-chave para a identificação dos enquadramentos interpretativos. É por meio delas, argumenta o autor, que os enquadramentos interpretativos são apresentados. As chances de encontrar esse tipo de enquadramento nas sonoras são maiores, pois, em geral, são os entrevistados que apresentam interpretações explícitas sobre fatos e eventos.

Os enquadramentos interpretativos possuem, portanto, uma fonte específica (uma sonora, um jornalista, um personagem da ficção [...], um objeto concreto (um tema ou evento político) e uma interpretação específica sobre esse objeto (em termos de causas, significado, conseqüências, etc). Grifos do autor.115

Porto116 propôs uma forma de operacionalizar o conceito de

enquadramento interpretativo por meio do formato das notícias. Ao trabalhar com as

tipologias que se seguem, ele argumenta ser possível revelar como aqueles enquadramentos são organizados e o nível de pluralidade da mídia.

113

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007, p. 125.

114 Ibidem, p. 125. 115 Ibidem, p. 127. 116 Ibidem, p. 127.

1) Restrito: quando apenas um enquadramento interpretativo do fato/evento/ação ou tema é apresentado; 2) Plural-fechado: quando mais de um enquadramento interpretativo do fato/evento/ação ou tema são apresentados, mas são organizados em uma hierarquia de forma que um dos enquadramentos é preferido sobre os demais e apresentado como superior ou mais correto. 3) Plural-aberto: quando mais de um enquadramento interpretativo do fato/evento/ação ou tema são apresentados, mas são tratados de forma mais indeterminada, sem que nenhuma interpretação seja apresentada como superior ou mais correta. 4) Episódico: quando nenhum enquadramento interpretativo é apresentado na notícia que se limita a relatar um fato/evento/ação ou tema.117

Porto118 argumenta que os segmentos com formato plural-aberto

oferecem alternativas para que enquadramentos dominantes sejam questionados. Os enquadramentos restritos ou plural-fechado promovem padrões de interpretação particulares estimulando interpretações específicas nas pessoas.

O modelo de controvérsias interpretativas define, portanto, a influência dos enquadramentos interpretativos no processo pelo qual as pessoas fazem sentido

de temas e eventos políticos.119 A principal hipótese do modelo defende que, quando

mais de um enquadramento interpretativo – formatos plural-aberto ou plural-fechado – é apresentado em uma notícia mais amplo é o conjunto de atalhos que as pessoas têm acesso. Por isso, elas poderão interpretar de forma mais variada os temas e eventos descritos. Contudo, quando apenas um enquadramento interpretativo – formato restrito – é adotado, uma quantidade maior de pessoas será estimulada a interpretar os eventos de acordo com o enquadramento dominante. “Essa hipótese parte do pressuposto de que a exposição a enquadramentos alternativos é essencial

para uma deliberação política adequada” 120, explica.

O pesquisador apresenta outras duas hipóteses de trabalho: a) a primeira supõe que as pessoas memorizam mais os enquadramentos interpretativos do que as informações contidas nos conteúdos da mídia; b) Na segunda, os efeitos dos enquadramentos serão mais fortes entre as pessoas com menor participação política, leitura de jornal, identificação ideológica.

117

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007, p. 130.

118 Ibidem, p. 130. 119 Ibidem, p. 133. 120 Ibidem, p. 134.

A figura, apresentada a seguir, ilustra o modelo das controvérsias

interpretativas, resumindo as três situações hipotéticas que ocorrem nas disputas de

acordo com esse modelo. No topo, encontram-se a televisão e os fatores que interferem e condicionam a produção de seu conteúdo. Abaixo, os formatos propostos no modelo das controvérsias interpretativas que caracterizam os conteúdos da mídia. Já na base, a possibilidade das pessoas desenvolverem interpretações variadas sobre temas e eventos políticos.

Figura 1 - As conseqüências do formato dos segmentos de conteúdo da mídia segundo o modelo das controvérsias interpretativas

Fonte: PORTO (2007, p. 139).

Para testar o modelo de controvérsias interpretativas e suas principais

hipóteses, Porto121 realizou uma pesquisa empírica em 1999 em três comunidades do

Distrito Federal. Ele utilizou dois gêneros de programas de televisão, o telejornal e a telenovela, exemplificados pelo Jornal Nacional e a novela Terra Nostra, ambos da Rede Globo de Televisão.

121

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007.

Porto122 realizou uma análise de conteúdo dos dois programas e depois trabalhou com seis grupos de discussão (grupos focais) para realizar uma pesquisa de recepção. A análise de conteúdo revelou que a maioria (80%) das notícias sobre política, no Jornal Nacional adotou um formato episódico, ou seja, descritivo, com ênfase em eventos e ausência de enquadramentos interpretativos. Esse tipo de noticiário não é propício para o desenvolvimento de controvérsias interpretativas em função de não oferecer os atalhos para que as pessoas façam sentido dos temas e eventos políticos.

Nas notícias que apresentaram enquadramentos interpretativos houve um predomínio das sonoras de fontes oficiais, parlamentares, políticos e outros grupos de elite, incluindo empresários e profissionais liberais. Essas sonoras foram

mais freqüentes e mais duradouras do que as dos cidadãos comuns123. As notícias de

formato restrito – aquelas em que apenas uma sonora é apresentada na matéria – foram dominadas pelas interpretações promovidas pelo governo.

A pesquisa de recepção124 realizada com experimentos de grupos focais

concluiu que “o número e a disposição dos enquadramentos apresentados pelas notícias sobre um evento ou tema político afetam de forma significativa o processo

pelo qual as pessoas fazem sentido da realidade política”125. Por outro lado, quando

enquadramentos alternativos são apresentados nas notícias, as pessoas produzem interpretações mais variadas sobre esses temas, ainda que a sonora seja única e curta.

O fato de predominarem formatos episódicos – sem sonoras – na

cobertura política (80%) do Jornal Nacional e de formatos restritos126 – com apenas

122

Ibidem.

123

A pesquisa de Porto (2007) revela que houve predominância de sonoras de brasileiros comuns. Essas sonoras, contudo, tinham uma duração média inferior aos demais e serviram para ilustrar os temas descritos nas matérias. PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007, p. 176.

124

Porto (2007) criou grupos que assistiram a matérias com diferentes formatos, restrito, plural-restrito e plural-aberto e um grupo de controle, no qual os participantes assistiam uma matéria que não tinha relação com o tema tratado nas matérias dos demais grupos. Após a apresentação da matéria um pesquisador conduziu uma entrevista com os participantes.

125

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007, p. 240.

126

A análise de conteúdo verificou que entre as notícias que apresentavam enquadramentos interpretativos, houve um predomínio dos formatos restritos com 10%, seguido do formato plural- fechado com 7,5% e plural-aberto com 2.5%. Nos formatos restritos predominaram as fontes oficiais de governo.

uma sonora – naqueles que apresentam enquadramentos interpretativos, portanto, possui conseqüências importantes no processo pelo qual as pessoas fazem sentido do mundo da política.

Os efeitos de enquadramento foram reduzidos, todavia, em função do papel de algumas variáveis como a participação política em organizações da sociedade civil. Embora o autor aponte que os resultados nem sempre foram consistentes e sugira a necessidade de outros estudos, não houve efeitos de enquadramento entre os participantes que possuíam elevados níveis de participação política.

Outro resultado importante verificado por Porto127 foi a identificação de

que os participantes retêm mais informações sobre os enquadramentos dominantes do que as informações apresentadas nas notícias. Grande parte das pessoas identificou o número de interpretações o que sugere que os marcos interpretativos apresentados nas notícias são mais importantes para que as pessoas façam sentido

dos fatos e eventos do que as informações contidas nas notícias128.

Ao se descrever as linhas teóricas que norteiam esta dissertação – agendamento, enquadramento, controvérsias interpretativas e atualidade mediática – buscou-se traçar os limites dentro dos quais foi realizada a análise. Os estudos de enquadramento no Brasil serão tratados no Capítulo 2.

127

PORTO, Mauro. Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência. Rio de Janeiro: e-papers, 2007.

128

Porto (2004) realizou outro trabalho a partir de seu modelo de controvérsias interpretativas na análise do conteúdo do Jornal Nacional que será tratado no capítulo 2.

CAPÍTULO 2 – ESTUDOS SOBRE O JORNAL NACIONAL ELEIÇÕES