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Dois convênios do Programa Brasil Alfabetizado: Prefeitura Municipal de Porto Alegre e

O fato de o Programa Brasil Alfabetizado prever na sua organização a participação de diferentes instituições possibilita que esta política social se configure de formas diversas. A cada convênio são estabelecidas prioridades diferentes de acordo com as orientações e os objetivos de cada organização. É sobretudo em virtude desta característica que nosso estudo se desenvolve a partir de dois convênios distintos: um firmado com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e o outro com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o qual é denominado programa “Todas as letras”.

A atuação da CUT e da Prefeitura de Porto Alegre ocorre de forma distinta. As duas instituições são orientadas por matrizes ideológicas diferentes. A CUT segue uma orientação pautada em idéias que comungam princípios coletivistas situados mais à esquerda no espectro ideológico, enquanto isso, na Prefeitura de Porto Alegre identificamos uma coligação partidária composta por PMDB (inicialmente PPS) e PTB, seguindo orientações de princípios ideológicos liberais pautados por concepções individualistas.

A análise do programa a partir dessas duas unidades executoras tem o intuito de identificar a forma como diferentes instituições estruturam os projetos e as dimensões que os mesmos vão assumindo, em alguns casos parecendo fazer parte de programas distintos. Este é o caso da parceria do Brasil Alfabetizado com a CUT, a qual recebe o nome “Todas as Letras”. No convênio com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, o Programa Brasil Alfabetizado integra as ações do Proaja – Programas de Alfabetização de Jovens e Adultos – que tem como componentes o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova) e o Brasil Alfabetizado. Esse programa tem como objetivo promover a alfabetização, bem como capacitar os alfabetizadores que são professores ou educadores populares. Tanto o convênio com a CUT, quanto o com a prefeitura assumem a tarefa de executar as etapas de recrutamento e formação dos alfabetizadores e alfabetizandos e a organização das turmas, bem como a elaboração de material didático.

O programa Todas as letras está inserido na proposta de formação da CUT e é voltado para a realidade dos trabalhadores, mesmo que o público ao qual destina-se não seja somente esse. Além disso, o programa está calcado em bases político-ideológicas muito claras, tendo como intuito o compromisso de colaborar na alteração das desigualdades sociais, através da

educação. A base teórica que fundamenta o projeto é advinda do método de Paulo Freire. A instituição propõe-se a desenvolver um projeto de alfabetização

contra-hegemônico, no sentido de recuperar o ato de educar como uma ação política no contexto das relações de classe, como expressava Paulo Freire: Educar tem que ser um ato eminentemente político, isto é, enquanto se aprende a ler e a escrever também se aprende a ler a realidade concreta. É por meio dessa reflexão que os sujeitos podem ir além da consciência ingênua e chegar à consciência crítica. Assim, o uso da língua é percebido em sua dimensão historicamente localizada e historicamente marcada (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2003, p. 8).

A CUT coloca-se como uma impulsionadora, através da sua ação, para que o estado possa recuperar o seu papel de provedor de políticas sociais. Assim o projeto pretende

contribuir nas formulações e definições de políticas públicas no campo da educação, em particular da alfabetização, no contexto do governo Lula. Assim, coerente com as bases políticas do nosso projeto de sociedade e buscando realizar a nossa concepção de cidadania a partir de uma proposta de educação integral, este Projeto vincula-se a uma estratégia que pressupõe investimentos em políticas públicas de EJA, como a forma de acesso dos sujeitos aos demais níveis da educação básica com o objetivo de assegurar a educação continuada (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2003, p. 5).

O discurso favorável à cidadania e à emancipação é muito claro por parte destes programas, especialmente pelo Todas as Letras, entretanto cabe analisar em que medida as ações propostas convergem nessa direção. A CUT recentemente, nessa tentativa, vem incentivando a criação de novas possibilidades de trabalho, através da economia solidária, considerando o perfil dos seus estudantes que na maioria dos casos são desempregados ou ocupam posição marginal no mundo do trabalho.

Embora o discurso dessa instituição seja em defesa do papel do estado na promoção das políticas sociais, esta também se constitui como uma organização de outra natureza que faz parte de um convênio para a execução do projeto, mesmo que essa atuação seja diferenciada daquela das instituições privadas. As propostas desta organização parecem retomar os antigos ideais que tradicionalmente caracterizaram a atuação dos movimentos sociais e que foram sendo abandonados nas últimas décadas ao passo que ocorreram transformações na configuração de movimentos sociais para organizações não-governamentais e terceiro setor (SOBOTTKA, 2003).

3 CIDADANIA, IMAGINÁRIO SOCIAL E EMANCIPAÇÃO

As políticas sociais para a alfabetização de jovens e adultos são pautadas pelo discurso de que são uma oportunidade de garantir a cidadania para aquelas pessoas que foram privadas desse direito na idade considerada adequada para a alfabetização. A cidadania tem forte significado nos discursos que permeiam essas ações. Contudo, são diferentes os sentidos que esse conceito pode assumir e também as formas de implementação das ações para que ele possa ser alcançado.

Nos capítulos anteriores demonstramos como ocorre a compreensão das políticas sociais de forma geral e também abordando diretamente as específicas para a educação de jovens e adultos, apresentando as particularidades do nosso estudo de caso – Programa Brasil Alfabetizado – através de dois dos seus convênios: a Central Única dos Trabalhadores e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Realizadas a explanação e análise inicial, nosso objetivo nesse terceiro capítulo é discutir um conjunto de conceitos, considerando a realidade dos alfabetizandos que fazem parte da política em estudo. Para tanto, explicitaremos qual é a compreensão que temos sobre a cidadania, a qual compreendemos de forma entrelaçada com os conceitos de imaginário social e emancipação. Além da discussão conceitual, situamos a noção do direito à educação na sociedade brasileira, abordando as implicações ocasionadas quando da sua não garantia. Procuramos discutir como é a apresentado processo de exclusão social que se materializa através do não reconhecimento social, o que reforça uma situação de subcidadania. Essa é uma das dimensões que possibilita respondermos nosso problema de pesquisa: como se apresentam as possibilidades de cidadania e de emancipação dos alfabetizandos participantes das políticas sociais para a alfabetização de jovens e adultos?

3.1 CONSTRUINDO A TRÍADE CONCEITUAL: CIDADANIA, IMAGINÁRIO SOCIAL E