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2- O MOMENTO DO RENASCIMENTO

2.5 CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS NO RENASCIMENTO DAS

A reunião das renascenças literárias das micronações espanholas em um grande grupo – no que se refere, inclusive, ao título dessa dissertação (Renascimento das literaturas periféricas da Espanha) – pode passar a errônea ideia que as línguas e literaturas não-castelhanas da Espanha compartilham a mesma história no século XIX. Como podemos ver nos tópicos anteriores desse capítulo, na verdade, cada uma delas possui histórias particulares que se unem por conta de duas grandes características:

valorização da nação e negação à submissão espanhola a partir do nacionalismo emergente e da regeneração linguístico-literária autóctone. Além disso, encontramos em todos os movimentos renascentistas a presença dos jogos florais como principal evento gerador/difusor da ideologia de regeneração cultural.

Ademais desses pontos genéricos, que observamos tanto no Rexurdimento, como na Renaixença e também no Berpizkundea as micronações distanciam-se na forma como conseguem desenvolver os objetivos comuns dos renascimentos a partir do contexto particular de cada nação que gera um projeto específico de renascimento. Por isso, cabe respeitar e considerar a diversidade do movimento renascentista do século XIX no interior de cada micronação. Podemos notar, claramente, que entre as três literaturas estudadas a basca é a que apresenta uma manifestação mais tardia e com menos representatividade nos anos oitocentistas. É apenas no século XX que os autores bascos conseguiram uma literatura e língua mais desenvolvidas e consolidadas.

A dificuldade do País Basco em conseguir resultados mais significativos durante o renascimento do século XIX deve-se, sobretudo, ao problema da língua e à escassa tradição da literatura escrita. Vimos que havia bascos que não tinham o euskera como língua materna – como é o caso do próprio Sabino Arana – e tinham de estudar posteriormente para começar a cultivar a língua, o que não constitui tarefa fácil, já que é a única língua peninsular pré-românica e, portanto, com elementos bem diferentes das línguas neolatinas que podiam ser a língua primeira dos bascos: o castelhano ou o francês. Sem dúvida, o caso linguístico basco constituiu uma grande dificuldade no período do renascimento e ainda continua na atualidade, já que no País Basco há vários dialetos do euskera e segue-se tentando normalizar a língua através do eskara

batua – um euskera unificado, fundamental para a modalidade escrita da língua.

Somada a essa questão linguística, está a falta de tradição medieval em literatura escrita e conservada, consequência da forte tradição oral do bertsolarismo. Além de tudo, verifica-se, ainda, que no País Basco não se deu um encontro entre a ideologia nacionalista e as manifestações literárias de forma intrínseca.

Essa situação basca difere notadamente do renascimento galego que surgiu do ponto de encontro da política provincialista com o ideal de regeneração linguístico-

literario e se manteve com representações das duas vertentes durante todo seu desenvolvimento. No entanto, os galegos se aproximam dos bascos no cantar constante da terra natal através do bucolismo, um ruralismo de uma literatura apegada à raiz popular que custaria para ambos uma natural dificuldade em acompanhar as tendências literárias do século vindouro. O que não impediu, no caso do Rexurdimento, a alvorada de grandes autores e obras de influencia latente na literatura posterior, como é o caso da poetisa Rosalía de Castro.

Em termos da ideologia nacionalista e do florescimento literário, os

rexurdentistas cumpriram seu papel com o renascimento da cultura local e sentaram as

bases para a continuação da defesa da literatura e da língua autóctone no século XX. Contudo, os avanços práticos na situação sócio-econômica que poderiam ter vindo através da política não foram observados na nação e, do mesmo modo, o castelhano continuou sendo a língua de cultura da escola enquanto o galego seguia como a língua prioritária dos campesinos sem acesso à educação (RODRÍGUEZ ALONSO, 2004). As mudanças nesse cenário galego tardariam em acontecer e apenas nas últimas décadas do século XX é que se tem um combate efetivo a essa situação diglóssica.

Neste ponto, o renascimento catalão foi o que conseguiu os maiores louros e fez com que no princípio do século XX a normalização do idioma fosse um feito reconhecido pela maioria das classes sociais como um agente importante do coletivo nacional (ROIG OBIOL, 1998). Da mesma forma, foi a literatura catalã que conseguiu nos anos oitocentistas uma maior variedade nos gêneros e nas estéticas cultivadas, com uma grande qualidade de obras e autores. Essas características particulares de Catalunha, em comparação às micronações citadas anteriormente, podem ser explicadas pelo seu forte cunho erudito com pouca representatividade folclórico- popular, resultado dos estudos linguísticos e literários dos séculos precedentes e da situação de bem estar sócio-econômico de uma comunidade mais urbana e industrial. O que derivou, também, na disparidade de um renascimento erudito e um renascimento popular que não comungavam.

Dessa forma, podemos dizer que no grande grupo do renascimento das línguas periféricas da Espanha, temos uma situação particular para cada uma das micronações. Catalunha foi a que conseguiu as maiores conquistas linguísticas e literárias, tanto pela

valorização da língua nas mais diversas situações cotidianas e camadas sociais, como pela qualidade no desenvolvimento literário no século XIX e XX, chegando a influenciar a literatura em castelhano com o Noucentisme, primeiramente cultivado em letras catalães. Já Galícia, está em uma posição intermediária, por sua condição sócio- econômica não conseguiu um efetivo reconhecimento da língua autóctone no século XIX, mas produziu literatura de qualidade com autores significativos. Entre as três micronações, o País Basco é a que ocupa uma posição mais singela no renascimento, pois não obteve melhores resultados nas letras por conta das dificuldades em sua peculiar situação linguística e por sua limitada tradição literária escrita. No entanto, constitui o que de forma mais forte impregnou-se do nacionalismo de negação a Espanha, o que reveste o País de um radicalismo, causando, no século XX, as manifestações terroristas do grupo separatista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna – País Basco e Liberdade).

No extremo oposto a toda a efervescência, por um lado, literária e, por outro, nacionalista do renascimento das micronações, principalmente, na segunda metade do século XIX, tem-se paralelamente na literatura em língua castelhana (na literatura espanhola) o eco do desastre político da Espanha do século XIX. Surge a “generación

del 98” e, curiosamente – ou até mesmo paradoxalmente ao contexto renascentista –,

autores de nações periféricas como Miguel de Unamuno (basco) ou Valle-Inclán (galego), por exemplo, buscam suas raízes na Espanha tradicional, naquela em que Castela representava a essência nacional.

Como vemos, a diversidade da Espanha como Estado “plurinacional” se mantém nas histórias dos renascimentos das literaturas periféricas do século XIX – e na história da literatura espanhola –, cada qual com suas minudências. Entre as especificidades das renascenças dessas nações, um caso único de uma figura artística especial e de uma obra literária de valor reconhecido, tanto na história literária galega como na castelhana, interessou-nos de imediato e levou-nos a elaboração dessa dissertação: a vida e a obra de Rosalía de Castro. Por isso, o próximo capítulo é totalmente dedicado a ela, a sua trajetória biográfica e literária que fez com que Rosalía seja reconhecida como ícone dos renascimentos e da luta pela valorização da nação através da língua e da literatura próprias.

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