FUNDAMENTOS TEÓRICOS
1.4 COORDENADAS NORMAIS
Sabemos que num sistema de partículas há graus de liberdade. Nesse caso podemos imaginar um conjunto de coordenadas generalizadas1 em que três correspondem à liberdade translacional (momento linear do centro de massa) e outras três correspondem à liberdade rotacional (momento angular em torno do centro de massa). Assim, os graus de liberdade restantes são associados às vibrações das partículas. Para um sistema de coordenadas cuja origem seja o centro de massa, a localização do centro de massa com respeito a esse ponto (ele próprio) é zero2, ou seja:
(1)
que é
, e (2)
Figura 1.4.1. Sistema de N partículas. Observe que o sistema tem origem no centro de massa.
Na teoria das pequenas vibrações consideramos uma configuração de equilíbrio3. Sejam , e as coordenadas da posição de equilíbrio ( ) da i-ésima partícula então, a partir da equação acima, temos:
(3)
Subtraindo as duas equações anteriores chegamos a:
(4)
Essa equação significa que os deslocamentos a partir da posição de equilíbrio não alteram a posição do centro de massa, assim o sistema de coordenadas translada como a molécula. A outra condição para o sistema de coordenadas vinculado à molécula é que ele gire como a molécula, e o natural seria pensar que nesse sistema a molécula não tenha momento angular com respeito a ele. Sabemos que o momento angular com respeito ao centro de massa na direção é 4 (similarmente em y e z). A condição utilizada na prática é aproximar as coordenadas por seus valores na posição de equilíbrio, ou seja , isto é (similarmente em y e z). O
CM O
sistema de coordenadas utilizado que “gira” junto à molécula (ou quase, já que fizemos uma aproximação) é tal que 5:
(5)
A energia cinética pode ser escrita como:
(6)
É simples eliminar a massa da expressão acima definindo a seguinte transformação de coordenadas , , , , etc. A expressão da energia cinética torna-se:
(7)
Para escrever as equações do movimento precisamos da energia potencial. No caso de um potencial dependente somente da posição (ou similarmente do afastamento da posição de equilíbrio), podemos expandi-lo em série de Taylor como função das coordenadas massa- ponderadas, em torno da posição de equilíbrio:
(8)
Na posição de equilíbrio temos ( ) e energia mínima, tal que
6
. Ao nível energético será arbitrado o valor 0 7. Considerando-se vibrações de pequenas amplitudes, desprezam-se os termos de ordem cúbica ou superior. Chegamos a:
(9)
ou
se (10)
Escrevendo as equações do movimento para o Lagrangeano ( ) correspondente, tem-se8: (11) Substituindo (7) e (9) em (11), dá9: , (12)
Uma solução possível é:
(13)
, (14)
Tal conjunto de equações algébricas lineares homogêneas simultâneas admite soluções não triviais somente se11
(15)
Claramente a equação “determinantal” acima é de grau (12) na variável , todavia é possível provar que das raízes são , o que permite reduzir de para o grau da equação polinomial resultante(13). Obtidas as raízes ( ), consideremos uma raiz particular, a k-ésima, portanto. Inserindo em (14) obteremos os valores das amplitudes desconhecidas , que será denotado por ( , para distinguir um conjunto de amplitudes de outro com diferente). Todavia o conjunto solução { } é indeterminado14. Para fixar a solução, pode-se impor a normalização, no sentido que15
(16) No caso de um problema físico real, as amplitudes são determinadas pelas condições iniciais, não devendo-se fazer a normalização. Uma constante arbitrária multiplicará a solução normalizada ( ) tal que a solução mais geral e indeterminada ( ) é recuperada:
(17)
Correspondendo a raiz específica ( ), a solução particular ( ) será dada por:
(18)
Note que a cada raiz ( ) corresponderá um movimento em que cada coordenada atômica ( ) oscilará com mesma frequência ( ), e mesma fase ( ). Nesse movimento as coordenadas atingem os valores extremos simultaneamente. Tal movimento é chamado um modo normal de vibração e sua frequência é chamada frequência normal (ou fundamental) da molécula16.
A homogeneidade da Eq. (8) nos permite superpor as soluções (os modos normais) para obter
(19)
Essa solução é a geral do problema, pois havendo constantes a determinar ( e ,
), poderão estas ser obtidas de forma a satisfazer as condições iniciais
quaisquer dadas: para as coordenadas e outras para as velocidades.
Através de uma transformação linear das coordenadas podemos simplificar a forma do potencial, eliminando termos cruzados (que envolvem o produto , ), em vez de (7) e (9) teremos:
(21)
e (22)
sendo
(23)
a transformação linear empregada, e que terá a seguinte forma inversa:
(24)
[dispondo de encontramos e vice-versa]. Substituindo (24) em (23) produz
(25)
e similarmente a substituição de (23) em (24) resulta17
(26)
As equações do movimento para o novo conjunto de coordenadas (observando (21) e (22)): , (27) cuja solução é (28) onde e são constantes arbitrárias (a determinar).
Inserindo agora (28) em (24):
(29)
Comparando (29) com (20) as identificações
e (30)
serão imediatas e será também uma solução. Além disso, de (24), (30), (7), (26) e (21) tem-se18:
e (31)
Da mesma forma, mas partindo de (23) até (7) obtemos:
A qual comparada a (26) resulta:
(33)
Finalmente podemos escrever
e (34)
A forma simplificada acima nos permite dispor a seguinte tabela, em que é fácil expandir os somatórios:
Podemos afirmar que a cada coordenada normal corresponde um modo normal de vibração. é, portanto, chamada coordenada normal.[L4]
1 Coordenadas generalizadas é o conjunto suficiente para descrever a configuração de um sistema, tais
coordenadas são independentes. Veja, por exemplo, [L28].
2 O centro de massa ( ) com respeito a uma origem qualquer ( ) é
. Seja o centro de
massa ( ). A posição da i-ésima partícula com respeito a esse ponto é , tal que por definição, a posição do centro de massa com respeito a essa nova origem ( ) será
.
3 Tal configuração naturalmente é de mínima energia. Um pouco sobre teoria de pequenas vibrações e
condições de estabilidade podem ser encontradas em [L29].
4 Lembre que
5
Observe que ao derivar obtemos , já que .
6 O índice indica que a derivada é avaliada na posição de equilíbrio.
7 Constantes adicionadas a potenciais não tem influência sobre a dinâmica das vibrações, pois essas são o
resultado das forças de interação, que por sua vez correspondem à derivada dos potenciais. Ao derivarmos os potenciais tais constantes adicionais (derivadas) resultarão zero, não produzindo qualquer efeito (força) sobre o sistema. Veja [L30, vol1]
8 Note que , pois
. ( indica que o potencial depende
somente das coordenadas e, similarmente, a energia cinética depende somente das velocidades).
9 A derivação é bastante simples:
mas os índices mudos i e j podem trocar posição,
tem-se: , e já que , resulta ou .
10
(pois e podemos dividir a equação por ).
Finalmente .
11 Note que o conjunto de equações definido pela Eq. 14 pode ser posto na forma matricial:
. A Eq. 15 corresponde ao determinante da matriz dos coeficientes das incógnitas . O qual deve ser zero para que haja outras soluções além da trivial. Veja [L37].
12 A forma geral do determinante é , que resulta uma expressão polinomial de grau 3N na variável . Veja
[L37].
13 Se a raiz “ ” tem multiplicidade então a equação polinomial pode ser reescrita como
que é a redução do grau (e, consequentemente, da dificuldade) da
equação.
14 Se todos os elementos forem multiplicados por uma constante qualquer, o novo conjunto
também
será uma solução.
15 A normalização é simples de verificar:
16 Se e são frequências normais, então frequências do tipo ou correspondentes aos chamados
sobretons ( , etc.) e às combinações ( , 2 etc.) não surgem da análise, o que é consequência da aproximação harmônica utilizada. [fato semelhante a um simples oscilador massa-mola na aproximação harmônica, que vibra à frequência ]. Experimentalmente, efeitos de anarmonicidade podem levar ao aparecimento de sobretons e combinações.
17 Substituindo em dá . Substitui-se em para
obter (25). [Naturalmente a transformação inversa corresponde à matriz inversa da transformação direta ]. 18 (30) em (24) e (7) [por (21)]
1.5 ESPECTROSCOPIA RAMAN