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Como vimos anteriormente, no início do século XX temos Jaques Dalcroze revolucionando a educação musical ao integrar o corpo de uma forma especial em seu pensamento pedagógico. Segundo Coelho (2014), a pedagogia de Dalcroze valorizava o sentir em detrimento ao racional no aprendizado e no desenvolvimento musical.

A proposta de Dalcroze para a educação rítmica era uma forma de o estudante triunfar sobre as inibições e resistências, levando-o à condição de realizar descobertas, convidando-o a uma reflexão do significado do aprimoramento da sensibilidade rítmica como forma de instigar a curiosidade e à prática investigativa (COELHO, 2014, p. 2).

Pederiva (2006) ressalta que a rítmica de Dalcroze entroniza o corpo como catalisador do ritmo e do fenômeno musical como um todo. A autora esclarece ainda que o sentir ocupa seu lugar ao lado do saber:

É a partir de Dalcroze que a educação musical dá lugar a um ensino de música ativo e intuitivo. A eurritimia considera que é necessário fazer música fisicamente para poder expressá-la. O objetivo do método é a realização expressiva do ritmo, bem como a sua vivência por meio do movimento corporal. A representação de movimentos corporais expressa o fenômeno musical de caráter rítmico, melódico, harmônico, frases, estruturas e formas musicais (PEDERIVA, 2006, p. 25).

Nesse sentido, a vivência e a realização expressiva do ritmo envolve também a presença da percussão corporal, como nos elucida Coelho (2014):

Assim como Dalcroze, Gelewski também explora a vivência do ritmo por meio de percussões corporais em exercícios individuais e coletivos voltados a composição, leitura e improvisação (COELHO, 2014, p. 2).

No entanto, segundo Pederiva (2006), com base nos estudos de Paz (2000), Dalcroze, tem sofrido críticas por priorizar o elemento rítmico e por necessitar suporte de outros métodos para propiciar uma formação mais global em música. Outro aspecto também criticado foi uma possível extrapolação da música em favor de um adestramento corporal.

A abordagem pedagógica de Dalcroze despertou seguidores importantes como Edgar Willems (1890-1978) e Carl Orff (1895-1982). Pederiva (2006), baseada no pensamento de Gainza (1984), esclarece que Orff considera o corpo como um instrumento de percussão, que possibilita diferentes combinações de ritmos e timbres. A autora elucida ainda, que Orff preconiza a vivência musical, não prescindindo de documentos grafados, em que o controle do corpo é realizado por meio de noções de espaço e coordenação.

No Brasil, a partir do pensamento de Dalcroze, importantes educadores musicais tem abordado em suas concepções pedagógicas atenção especial ao corpo, em suas práticas educativas, como José Eduardo Gramani:

Em um dos textos que permeiam o caderno de estudos Rítmica Viva, Gramani afirma que os seus estudos teriam ―por finalidade o aprimoramento da sensibilidade rítmica,‖ em que o corpo atuaria como interface de assimilação e conscientização da ideia musical inerente a uma estrutura rítmica (COELHO, 2014, p. 172).

Segundo Coelho (2014), entre os anos de 1969 e 1973, Gramani foi aluno da professora Maria Amália Martins, que desenvolvia um trabalho fundamentado na metodologia de Émile Jacques-Dalcroze. Simão (2012) elucida que, influenciado pelo trabalho de Rítmica de Gramani na UNICAMP – Universidade de Campinas, Fernando Barba, fundador do Barbatuques, direcionou suas atenções mais profundamente para as questões relacionadas como a movimentação de pés, mãos e voz.

Temos ainda, o educador carioca Lucas Ciavatta, criador do método O Passo, que trabalha com um andar específico, que por sua vez, é orientado por quatro pilares: corpo, representação, grupo e cultura.

O Passo introduziu no ensino-aprendizagem de ritmo e som novos conceitos, como posição e espaço musical, e novas ferramentas, como o andar que dá nome ao método, notações orais e corporais e a Partitura d‘O Passo (CIAVATTA, 2009, p.19).

A partir dessa breve contextualização, reconheçamos a importância dessas abordagens inauguradas por Dalcroze, em que o corpo assume um caráter significativo, que até então não detinha no pensamento pedagógico para o ensino da música. Entretanto, torna-se necessário discutirmos o corpo na educação musical no contexto

histórico-cultural contemporâneo, imerso numa sociedade escolarizada, a partir do século XII, até os nossos dias.

2.1 - O CORPO NA SOCIEDADE ESCOLARIZADA

Quando nos remetemos à educação musical, mesmo considerando as importantes contribuições de Dalcroze e todos os pensadores que propuseram perspectivas diferenciadas ao trato do corpo em suas abordagens pedagógicas, não nos desvencilhar-nos das implicações que constituem o corpo na educação musical e na educação como um todo, inseridas num contexto histórico-cultural de uma sociedade escolarizada.

Na perspectiva de Iván Illich (1979), a escola reflete a sociedade e a sociedade reflete a escola. Se pensarmos no contexto histórico-cultural na qual a escola vem se configurando, desde o fim da era monástica e a inauguração da era escolástica, a partir do século XII, veremos suas implicações relativas ao corpo, principalmente, no mundo ocidental.

Illich (apud Souza, 2015) mostra as mudanças, na atividade do estudo da vivência corporal, pelo significado da leitura na passagem da era monástica para a escolástica:

A leitura, na cultura monástica, significava a busca do Divino ou, como Hugo de São Vitor ensinava, a busca da Mente de Deus. No couro das páginas dos pergaminhos, o leitor era levado em peregrinação e, pelas páginas divinas, a história da Criação revelava-se (NASCIMENTO, 2011, p. 148).

Souza (2015) elucida que o sentido conferido à leitura, por Hugo de São Vítor, começa a perder o vigor no final do século XII e início do século XIII:

Tal mudança, segundo observa Illich, iniciou-se com o aperfeiçoamento da técnica do alfabeto, que permitiu o registro de sons vocálicos ou consonantais, e teve um enorme significado social (SOUZA, 2015, p.18).

Segundo Campolina e Martinez (2011), a leitura escolástica foi aos poucos se instrumentalizando, com finalidade cada vez mais definidas. As autoras enfatizam que, progressivamente, a instrução passa a assumir um valor preponderante sobre os ensinamentos da educação monástica, praticada até então, e a leitura escolástica

contribui definitivamente para a perpetuação das instituições escolares do século XII até os dias atuais.

Costa e Bárbara (2008) esclarecem que, no decorrer do período Feudal, a educação institucionalizada estava atrelada à Igreja, e, a partir do século IV, começa a aparecer um tipo de escola cristã monástica caracterizada por uma clara divisão entre a instrução destinada aos monges e à plebe. Nesse âmbito, as autoras elucidam que, por meio de monastérios, considerados como as primeiras escolas medievais e as únicas universidades, a Igreja tomou em suas mãos a instrução pública e dividiu o ensino em duas categorias: as escolas para oblatas, destinadas aos futuros monges, e as escolas monásticas voltadas para a plebe:

Ser um escolar na Idade Média significava ser pobre, até mesmo um esmoler. Devido à sua vocação, o escolar medieval aprendia latim, tornando-se um marginal, objeto de escárnio ou de estima de camponeses e príncipes, dos citadinos e do clero. Para ter sucesso no mundo, o escolástico tinha que, primeiro, entrar nele, ingressando no serviço público — de preferência no da Igreja. A antiga Universidade era uma zona franca para descobrir e discutir ideias novas e velhas. Mestres e alunos se reuniam para ler textos de outros mestres, já de há muito tempo mortos; as palavras vivas dos mestres falecidos traziam novas perspectivas aos sofismas de então. A universidade era, pois, uma comunidade de pesquisa acadêmica e inquietude endêmica (ILLICH, 1985, p. 49).

Dessa forma, para o povo plebeu, essas escolas formariam as massas campesinas com as doutrinas cristãs e seu intuito era tornar essas famílias dóceis e de fácil conformação (COSTA; BÁRBARA, 2008). Ao pensarmos o corpo, nesse contexto, Souza (2015) com base em Illich, nos elucida que a leitura monástica agia sobre o corpo todo, além dos olhos, incluía a oralidade (uma vez que liam em voz alta), os ouvidos (que atentos se esforçavam para captar o que era lido) e os gestos (tendo em vista que os monges se movimentavam para frente e para trás). Os monges acreditavam que todos esses movimentos corporais, além de auxiliar a compreensão do texto, permitiam o conhecimento de si mesmos.

No período de transição do Feudalismo para o Capitalismo, a educação assume outras características, pois, ao tomar o poder, a ―revolucionária‖ burguesia exigiu que, juntamente com vários outros privilégios exclusivos da nobreza feudal, a educação fosse voltada para todos os homens, passando a ser um direito desses, deixando de ser apenas

privilégio de classe. Assim, a educação moderna, historicamente, deixou de ser privilégio para se tornar um direito (BARROS; FERREIRA; SOUSA, 2009).

No entanto, na obra Crítica da Educação e do Ensino, Marxs e Engels ressaltam que a tese que se impõe é que a burguesia foi, inicialmente, revolucionária, tornando-se depois conservadora e, finalmente, contrarrevolucionária. Consequentemente, sua direção da produção e do Estado, bem como a justiça, a ciência e as belas-artes, foram úteis, no início, e em seguida se degeneraram (MARX; ENGELS, 1978, p. 9).

O terceiro momento quando a burguesia revolucionária havia se firmado definitivamente no poder como classe dominante e dirigente da sociedade: instituiu-se a educação como um dever. Isso porque o homem dessa sociedade precisava ser educado para se adaptar ao novo modo de produção Capitalista e também de acordo com uma nova moral burguesa, ou seja, para manutenção da ordem e do ideário burguês: a propriedade privada (BARROS; FERREIRA; SOUSA, 2009, p. 490).

Para Marx (1978), neste contexto, o dinheiro e a cultura são os seus critérios essenciais e neste nível burguês da evolução humana, ambos estão monopolizados pelo capital, separaram-se do trabalho das massas, após um processo milenário, que deriva das necessidades da produção:

A primeira grande divisão do trabalho – a separação da cidade e do campo – já condenou a população rural a milhares de anos de embrutecimento, e os citadinos à submissão ao ofício individual. Aniquilou as bases do desenvolvimento físico dos segundos. Desde então o camponês apropria-se do solo e o citadino do seu ofício, e são eles mesmos apropriados pelo solo e pelo ofício. Ao dividir o trabalho, divide-se igualmente o homem, sendo todas as outras potencialidades intelectuais e físicas sacrificadas ao aperfeiçoamento de uma atividade única (MARX;ENGELS, 1978, p. 10). (itálicos dos autores)

Marx e Engels (1978) demonstram, em suas análises, que é a lei da divisão do trabalho que está na base da divisão em classes, e à medida que a divisão do trabalho se desenvolve, o saber, a arte e a cultura separam-se dos produtores, passando para as superestruturas e sendo monopolizadas pelas classes dominantes.

Enquanto o conjunto do trabalho da sociedade produzir um rendimento que só a custo excede o que é preciso para assegurar parcimoniosamente a existência de todos, enquanto o trabalho exigir todo ou quase todo o tempo da grande maioria dos

membros da sociedade, esta divide-se necessariamente em classes. A par do maior número exclusivamente votado à submissão ao trabalho, forma-se uma CLASSE liberta do trabalho diretamente produtivo que se encarrega dos assuntos comuns da sociedade: direção do processo de trabalho, administração do Estado e dos assuntos políticos, justiça, ciência, belas-artes, etc (MARX; ENGELS, 1978, p.10). (itálicos dos autores)

Nesse contexto, temos entre outras consequências nefastas para o trabalhador, a oposição entre riqueza e pobreza, depois entre saber e trabalho. Esse antagonismo entre a riqueza que não trabalha e a pobreza que trabalha para viver faz surgir por sua vez uma contradição ao nível da ciência: o saber e o trabalho separam-se, opondo-se o primeiro ao trabalho como capital ou como artigo de luxo do rico (MARX; ENGELS, 1978).

E, sob a égide dessa análise, Marx e Engels concluem que, a massa pobre e ignorante pode ser então enganada, estando à mercê do domínio das classes ricas, que dispõem de todos os recursos materiais e intelectuais da sociedade, num mundo baseado precisamente na acumulação da riqueza à custa de outrem (MARX; ENGELS, 1978). Surge nesse contexto, por parte da classe dominante, a necessidade de estabelecer o poder disciplinar, com a finalidade de ―adestrar‖ as ―multidões confusas e inúteis de corpos‖ (FOUCAULT, 1987, p.143). Assim, se a exploração econômica separa o trabalhador e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 1987).

É neste cenário histórico-cultural que Michel Foucault (1987) detecta o nascimento de uma ―anatomia política‖ que é igualmente uma ―mecânica do poder‖:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos (FOUCAULT, 1987, p. 119).

Essa ―mecânica do poder‖ define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não somente para que façam o que se quer, mas que operem como se quer, com

as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ―dóceis‖ (FOUCAULT, 1987). Dessa forma, temos um contexto em que as escolas vão se configurando em ambientes similares às prisões, em sua disposição física, seus mecanismos disciplinares, sua hierarquia e seus constantes controle e vigilância:

Acaso devemos nos admirar que a prisão celular, com suas cronologias marcadas, seu trabalho obrigatório, suas instâncias de vigilância e de notação, com seus mestres de normalidade, que retomam e multiplicam as funções do juiz, se tenha tornado o instrumento moderno da penalidade? Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões (FOUCAULT, 1987, p. 187).

Nesse contexto, Martinez e Campolina (2011), citando Veiga-Neto, argumentam que a escola moderna esteve pautada no ideal de educação como forma de elevação cultural, provendo marcadores que definiam para os grupos quais seriam os elementos da cultura pertinentes ao seu domínio. No final do século XIX, a escola pública e única tinha sido criada na Europa e nos Estados Unidos, bem como foram definidos os conteúdos dessa nova configuração escolar que passava a atender em seu interior todas as classes sociais. Caberia ao século XX garantir a generalização desse novo modelo escolar, função assumida pelo Estado do Bem‐Estar Social (BOGATSCHOV; FERREIRA; GODOY; MOREIRA & VOLSI, 2015).

A partir dessa breve contextualização histórica, por meio das análises de Foucault, vimos o surgimento de uma nova tecnologia de poder, disciplina, ou de poder disciplinar. Podemos ainda, compreender que essa forma de poder se constitui de maneira articulada com o modo de produção Capitalista, sendo uma forma de poder ligada às instituições. Temos, neste contexto, a educação escolar numa relação em que os corpos são sequestrados e dentro desta instituição ele são disciplinados:

A escola não poderia criar tal ambiente em que as normas da realidade comum ficam suspensas, a não ser mediante o encarceramento dos jovens em recinto sagrado durante muitos anos sucessivos (ILLICH, 1985, p. 47).

Neste sentido, Campolina e Martínez (2011), apontam que a simples existência da escola obrigatória divide a sociedade em dois campos opostos: um que implica serviços, produtos, períodos de tempo, profissões pedagógicas – todos dependentes da

existência da escola – e outros que não. As autoras destacam ainda, que com o objetivo de igualar as oportunidades entre as pessoas, o sistema escolar acabou por monopolizar sua distribuição e a escolarização, como um valor de consumo, deflagra seu caráter mercantil, de modo que acumular anos de escola é também acumular oportunidades (CAMPOLINA; MARTÍNEZ, 2011). Dessa forma, para ingressar no mercado de trabalho, o indivíduo necessita sempre de mais tempo de escolarização, o que corresponde ao maior número de certificações e títulos.

Pederiva (2011) aponta que a escolarização, ao certificar a aptidão e a inaptidão, promove por si só a exclusão e o desenraizamento social, em que o desenvolvimento intelectual pode aí ser marcado com ferro e fogo pela inaptidão, já que recebem rótulos de dificuldades de aprendizagem e até mesmo de deficiências mentais:

As presumidas dificuldades são instauradas no corpo como uma marca que a pessoa leva consigo. Elas assumem um estado de pré-formismo (...). Entretanto, é curioso que, mesmo nesses casos, a escola ainda é o carcereiro. O exercício autônomo da vida social é presumidamente inviável (PEDERIVA, 2011, p. 73).

Esse desenraizamento social, no contexto da educação musical, se manifesta pela descaracterização da música como atividade plena de sentido, com sérias implicações às questões que envolvem o corpo:

Na sociedade escolarizada, o mito do dom para poucos é adequado, já que se trata da escolarização em função da ideologia do mercado para os melhores. A lógica de mercado direciona o ensino e a aprendizagem para uma atividade distante e posterior ao tempo presente. Trata-se de um ensino hierarquizado, afastado das necessidades reais e presentes em cada indivíduo, que o desenraiza da vida social. Faz com que a pessoa deixe de vivenciar, no presente, a sua própria musicalidade e o significado autêntico da atividade musical, virtualizando essa vivência em situações carentes de sentido (PEDERIVA, 2011, p.75).

Como consequência, a autora destaca, que, esse ensino em contexto de desenraizamento social repercute, no adoecimento dos corpos dos músicos, tanto no período de aprendizagem de instrumentos, quanto no exercício profissional, decorrente dos excessos de horas de adestramento e de execução mecânica. Temos, nesse modelo, o corpo que precisa ser adestrado na atividade escolarizada. O músico é ele próprio o

instrumento a ser lapidado, a música de um corpo com anatomia louca que não tem coração algum (PEDERIVA, 2011). Dessa forma, percebemos, a partir de Foucault, a disciplina, balizada por um currículo, como um tipo de poder que torna os indivíduos meros objetos, sendo simultaneamente, instrumentos do seu próprio exercício.

Um programa centrado no modelo capitalista, por sua vez, está voltado para o mundo do trabalho, tendo assim, sua perspectiva de educação focada em um porvir, em algo a ser alcançado no futuro. Martinez e Souza (2015) destacam que, na tentativa de justificar a presença da arte na escola, com foco no futuro e no mundo do trabalho, o processo educativo é revertido, pois foca-se na técnica e na teoria, minimizando assim, o trabalho como atividade artística em si. Embora considerem a importância da técnica e da teoria, as autoras destacam que, esse foco do processo educativo, distancia o aluno da própria vivência da arte em toda a sua complexidade e importância:

O currículo é composto por diversas disciplinas tais como história da música, harmonia, contraponto, solfejo, ritmo, percepção, reconhecimento de estilos, canto coral, prática de orquestra (...). São horas e horas de instrução musical que perfaz uma média de oito anos entre curso básico e técnico. (...) O aluno é partido em dois, em vários, é despedaçado e realmente transforma-se em cacos difíceis de colar. É difícil ser reconhecido como pessoa, inteira, íntegra, uma. Deixa de ser pessoa e torna-se engrenagem da grande máquina (PEDERIVA, 2011, p.75).

Essa fragmentação dos corpos remete-nos à lógica cartesiana e do racionalismo capitalista para a hierarquização da mente sob o corpo. A ideologia propagada pelo modelo escolástico foi filosoficamente herdada de René Descartes (GONÇALVES; RAMALHO, 2015, p. 67). Descartes encerra o homem no cogito e cava um profundo abismo entre o mundo material e o mundo espiritual, dessa forma, constituindo espírito e matéria dois princípios distintos e irreconciliáveis (GONÇALVES, 2002):

O Eu de Descartes é um Eu fragmentado em si mesmo e isolado do mundo. A vivência da corporalidade é substituída pela sua representação na mente, e os objetos do mundo exterior transformam-se em meros dados da consciência (GONÇALVES, 2002, p.51).

Ao analisar a lógica cartesiana, o estudo de CAMPOS (2006), sobre a Educação Infantil, a partir das Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e os Parâmetros Curriculares do Distrito Federal para a Educação Infantil (2006), verificou a gradativa

perda do espaço curricular para o corpo em sala de aula e a legitimação deste em ambiente extraclasse. Nesse contexto, a autora destaca que, somente na Educação Infantil, legitima-se o corpo, na sala de aula, sendo que, nos demais níveis, a Educação Física torna-se central para tanto:

Essa mudança reafirma a fragmentação corpo-mente que se revela também na delimitação de espaços permitidos a cada um deles, onde o corpo passa a ter local extraclasse (ginásios, campos de futebol, quadras, pátio) e a sala de aula é espaço do intelecto desprendido do corpo. Dessa forma, o corpo parece só existir quando está fora de sala e ainda assim, o próprio leque de proposições para o corpo é restrito, ao passo que a Educação Física tem tradicionalmente se ocupado do esporte como a prática de jogos competitivos em suas diversas modalidades, sem fornecer alternativa a eles (CAMPOS, 2006, p. 8).

A autora destaca ainda que esse desaparecimento do corpo, em termos legais, do campo de atuação do Pedagogo, quando este já não atua na Educação Infantil, não implica em dizer que não haja um projeto de corpo paras as séries iniciais do Ensino

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