Placa 1 (Onkel Bruno) Placa 2 (Johann)
2.6 Corpo/Imagem – Um suporte para a gravura
2.6.1 A terra como base do homem e a argila como suporte
da imagem
A terra é também a base na qual o homem se localiza no mundo. Ela é pó. Junta-se à água, ao ar e ao fogo e temos a cerâmica; material transformado, passado pelo fogo para se tornar resistente, assim como a imagem que transporto para a superfície da placa de argila antes da queima. Esses quatro elementos constituem, com suas partes, a própria vida dos seres vivos no planeta terra. Mas, há mais dentro deste material inerte e inorgânico, há o que chamamos de: o sopro da vida. Algo que não conseguimos ver nem apalpar, mas sentir dentro de nós; seria o que de imaterial nos anima, o espiritual intangível, a alma que neste trabalho tento captar.
Até este momento no processo artístico havia o papel como suporte das imagens, agora, a argila. Este material tem características do próprio corpo humano. Penso na argila como matéria da memória biológica do corpo humano (existe até um termo na biomedicina que é: a memória imunológica). O corpo humano desde que é concebido no interior uterino, passa pela infância até a fase adulta. O ser carrega no próprio corpo, constituído por pequenas células e essas por sua vez de pequenas cadeias de DNA, um mecanismo de manutenção (outro termo usado na medicina: sistema de reparo) do mesmo. Estas cadeias, através de uma memória biológica, se renovam em alguns anos dando-nos literalmente um novo corpo. Assim, o corpo cresce e se desenvolve, amadurece e quando a memória dessas cadeias começa a não se reproduzir exatamente iguais a anteriores, aparecem os primeiros sinais de nossa decadência, velhice e por fim a morte. Restando ao final do processo nada mais que o pó a ser incorporado a terra. Assim também nossos pensamentos regravados ou repassados para as novas conexões do cérebro. Só os anos vão mostrar o quanto ficou de toda uma vida vivida. As lembranças gravadas e renovadas na memória de nosso cérebro e o que é apenas esquecimento ou desaparecimento. Um apagamento gradativo na nossa memória, por causas principalmente biológicas. Sinais de nossa finitude.
A argila por sua vez é úmida e maleável como a pele, dando-nos a oportunidade de moldá-la como desejamos pelo tempo que necessitamos. A experiência, a sensação, o pensamento do fazer é muito prazeroso. Todo o processo do preparo da argila, o esticar da massa, colar a imagem do papel na camada fina de barbotina e muito mais tarde, depois do ponto certo para queima, ir ao forno. São pequenas placas que saem lá de dentro, reveladas com cuidado. É preciso saber o tempo certo de cada proceder para que o empreendimento tenha algum sucesso. Trabalhar com as mãos e sujá-las também é uma experiência tátil e oftálmica que modifica e enriquece o processo.
Assim, estamos todos interligados: o papel que vem da árvore, a árvore da terra e da terra se faz o homem. Quando comecei esta transposição do meu trabalho de gravura para um novo suporte, o barro, não tinha em mente todas as suas implicações simbólicas.
A terra é viva, modifica-se, transforma a vida na superfície do planeta. A terra do planeta em todas as suas camadas movimenta-se, o centro da terra é quente e manifesta-se na superfície nas suas erupções vulcânicas e movimentos tectônicos (abalos sísmicos). Assim, a vida e a permanência do homem na superfície da terra também se movimentam constantemente e transformam tudo ao seu redor.
Existe uma história natural e existe uma história humana, uma se desenvolve junto à outra. Tratar estes retratos na superfície das placas de cerâmica traz todas essas implicações e imbricamentos.
2.6.2 Um corpo para a imagem, um suporte para a gravura
Através da argila como suporte, tentei corporificar as imagens dos retratos já feitos com a impressão no acetato sobre o papel.129 A argila me remete a terra, constituída de elementos químicos como o ferro, oxigênio, silício, magnésio, níquel, enxofre e titânio, que são necessários também em nossa alimentação; ingerimo-los todos os dias e dos quais nosso corpo é formado. Matéria e espírito, visível e invisível não se separam; dependem um do outro e só são vistos em contraponto. Como a figura e o fundo, só há figura por que há um fundo e vice- versa, estão juntos e são imprescindíveis. Os rostos que transferi para a argila são rastros, rastros são sempre deixados em algum lugar, sobre alguma coisa, é preciso percebê-los, vê-los. São feitos ao acaso, por acaso. Eles dependem do meio concreto, do real, são figuras sobre um fundo, ou será o contrário? Rastros são deixados por alguém, quem os vê percebe, assim ao mesmo tempo em que o pensamento reflete o concreto é marcado por ele, neste caso fixado na argila. Um não pode existir sem o outro. Um dia estes rostos foram parte constituinte de corpos que habitaram esta terra e tornaram-se pó. Eles nos mostram ao mesmo tempo a nossa própria finitude e deixam rastros mostrando que também nós um dia nos transformaremos em pó.
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Tadeu Chiarelli, analisando a poética de Claudio Mubarac sobre a corporeidade do seu trabalho, diz: “...se a série anterior guardava em si a metáfora sutil da pele do artista (e, portanto, o corpo) elas ainda eram estampas, eram gravuras, no sentido convencional do termo. Na série seguinte, Mubarac transforma suas estampas em objetos tridimensionais: ou seja, o signo se aproxima mais do referente, através da corporeidade mais espessa que assume. As estampas dessa série não são mais apenas a representação das partes do corpo de Mubarac, sinais de seu ser fragmentado. São igualmente corpos ou pedaços de um corpo maior, ocupando um espaço real no universo, como o corpo reorganizado do artista.” Mubarac, 1997, p. 138.
Placa 1 Título: Oma
Técnica: fotocópia em papel sobre argila Tamanho: 12 cm x 9 cm
Data: 2007 Placa 2
Título: Tante Lina
Técnica: fotocópia em papel sobre argila Tamanho: 10,5 cm x 12 cm
Placa 1
Título: Onkel Bruno
Técnica: fotocópia em papel sobre argila Tamanho: 10,5 cm x 14,4 cm
Data: 2007 Placa 2 Título: Johann
Técnica: fotocópia em papel sobre argila Tamanho: 10,5 cm x 11,9 cm