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2 – Corporate Governance – Contributos para uma definição

No percurso de pensamento desenhado, entramos no campo conceptual do

corporate governance.

Como tarefa orientadora, revela-se indispensável a estabilização da terminologia a utilizar, de um conceito, que possibilite o desenho de um sólido suporte à sua aplicabilidade ao setor empresarial público, bem como a identificação do quadro teórico onde o conceito opera.

Numa primeira abordagem, importa definir a terminologia a utilizar: corporate

governance, governança corporativa ― designação em voga no Brasil ―, ou governo societário?

Esta última, que pode ser considerada tradução da primeira (português de Portugal), poderia adequar-se aos desígnios da presente abordagem. Na verdade, trata- se aqui da definição de um conjunto de boas práticas, de determinações que acumulam a experiência e bons resultados na gestão, que constituem formas convenientes e recomendadas de governo das sociedades, de governo societário.

No Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal45, define-se governo

societário como:

O conjunto de estruturas de autoridade e de fiscalização do exercício dessa autoridade, internas e externas, tendo por objetivo assegurar que a sociedade estabeleça e concretize, eficaz e eficientemente, atividades e relações contratuais consentâneas com os fins privados para que foi criada e é mantida e as responsabilidades sociais que estão subjacentes à sua existência.

45 Santos Silva, A. et all. ― Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal, Instituto Português de

Esta é, diga-se, a terminologia adotada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em Portugal, logo em 199946.

No entanto, esta abordagem, como a de governança corporativa, em voga no Brasil, parece, igualmente, poder ser tomada comummente pela noção de gestão corrente, como afirma Charreaux47 ― governo: ato ou efeito de governar ―, distanciando-se da definição de corporate governance como área do conhecimento específica no que às boas práticas de governo societário diz respeito. Também Bevir assume que «governance refers (…) to all processes of governing»48. Outro

entendimento parece ter Abreu49, afirmando que «Governação (ou governo) das sociedades (…) corresponde à inglesa corporate governance», embora assuma

dificuldades de tradução.

Este entendimento não pode dissociar-se do facto de, internacionalmente, e de uma investigação abrangente, resultar suficientemente estabilizada a designação comum, não propriamente a definição, de corporate governance.

Assim acontece em Portugal, onde o próprio Instituto Português de Corporate

Governance, fundado em 2003, adotou esta designação em língua inglesa na sua

denominação social50.

Para a estabilização do conceito, e evitando-se uma expressão que pode ser redutora da sua abrangência, e pelo motivo acima apontado, opta-se expressamente, desde já, por corporate governance, para designar a área do conhecimento que nos ocupa, no processo da sua aplicação ao setor empresarial público.

Nascida no restrito meio das sociedades de capital aberto, cotadas ou emitentes, como refere Charreaux51, constitui uma área do conhecimento que se nos apresenta como interdisciplinar, ainda que surja marcadamente ligada à Economia e à Gestão. No entanto, é bastante mais lata a sua abrangência, tocando igualmente, de forma expressa, o Direito e as Ciências Sociais, em geral.

46 Santos Silva, A. et all ― Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal, Instituto Português de

Corporate Governance, Lisboa, 2006, p. 66.

47 Neste sentido, Charreaux, G. ― Corporate Governance Theories: From micro-theories to national

systhems theories, Université de Bourgogne, 2004.

48 Bevir, M. ― Governance – A very short introduction, Oxford University Press, 2012, p. 1.

49 Abreu, J. ― Governação das sociedades comerciais, 2ª edição, Edições Almedina, 2010, pp. 7 e 8. 50 Cfr. www.cgov.pt/Estatutos, consultado em 30 de setembro de 2013, às 12h35m.

51 Vd. Charreaux, G. ― Corporate Governance Theories: From micro-theories to national systhems

Numa abordagem histórica, o governo das sociedades parece remontar às «cartas régias das primeiras travessias de empreendimentos marítimos comerciais, como por exemplo a Companhia das Índias», como refere Davies52, apontando-se a Companhia Holandesa das Índias Orientais (Séc. XVII) como a primeira sociedade com capital disperso por mais de mil titulares53. Mas foi o séc. XX que trouxe o conceito para a ribalta, apoiado no declínio da satisfação das expetativas dos acionistas, com origem na queda do PIB e na perda de liderança na competição global da economia britânica. Para Clarke54, a temática do governo remonta mesmo ao momento em que o homem se começou a organizar por um propósito comum.

Parece ser com Chandler55 ― The managerial revolution in american business, que o corporate governance se constitui como objeto de estudo. A expansão da economia norte-americana, no século XX, com a profusão de grandes empresas, de capital disperso, dá a conhecer uma nova subespécie do homem económico: o salaried

manager, como o designa Chandler, indispensável para a gestão destas novas

estruturas de grande dimensão e que veio a constituir uma nova função económica básica. Produz um forte impacto nas teorias económicas clássicas, onde não era considerado um ator relevante, conforme referido por Berle56.

Relativamente à proliferação deste tipo de sociedades de capital disperso, Adam Smith, citado por Clarke57, afirmou que não pode esperar-se de gestores contratados a mesma vigilância sobre os interesses de quem é dono, desenhando-se tensões e antagonismos entre propriedade e gestão. Na apresentação das teorias sobre o

corporate governance, este aspeto assume grande centralidade.

Ainda sobre o conceito, Du Plessis58, citando Tricker, afirma que a expressão

corporate governance não é comummente usada nem conhecida antes da década de

80 do Séc. XX. Relativamente ao conceito, assume não existir, ao longo dos tempos, uma definição comum, aceitável, de corporate governance, referindo-se a um «termo indefinido, do qual se conhece a natureza essencial, mas cujas palavras não podem

52 Davis, A. ― Best practice in corporate governance – Building reputation and sustaineble success. USA:

Grower Publishing limited, 2006.

53 Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 2 54 Idem, p. 1.

55 Chandler, A. ― The managerial Revolution in American Business, 1977, citado por Clarke, T., em

Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 34 e ss.

56 Berle, A. ― The impact of the corporation on classical economic theory, Quarterly Journal of Economics,

1965.

57Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 2.

58 Du Plessis, J. et all., Principles of cotemporary corporate governance, 2ª edição, Cambridge University

ilustrar uma definição rigorosa». Também Bevir59 refere que «since the 1980s the word ´governance´ has become ubiquitous».

Abreu60 identifica o que designa por corporate governance movement com início na década de 70 do século XX, nos EUA.

A tentativa originária de definição de corporate governance é apontada por Du Plessis61 com uma dupla origem: O The Cadbury Report62 (Reino Unido, 1992) e o King

Report63 (África do Sul, 1994). Ambos definem corporate governance como «the system by wich companies are directed and controlled», definição esta que é considerada pelo autor como redutora. Sobre o tema, Du Plessis refere-se a um conceito indefinido, ou indefinível.

Clarke64 descreve-o como o exercício do poder, embora com implicações mais vastas.

Já em novembro de 2001, Owen, citado por Du Plessis65, aponta o significado do termo corporate governance como sendo utilizado de forma tão vaga e genérica, que tal facto poderia esvaziar o seu sentido. A sua definição, no entanto, aponta para a forma como a autoridade é exercida e controlada na vida societária.

Os Principals of good corporate governance and best practises Recomendations66 da Australian Securities Exchange (ASX), de 2003, prosseguem a

tentativa de definição de corporate governance, que é estabilizada na sua versão de 200767:

O corporate governance é o conjunto de regras, relações, sistemas e processos pelos quais e através dos quais a autoridade é exercida e

59 Bevir, M. ― Governance – A very short introduction, Oxford University Press, 2012, p. 1 60 Abreu, J. ― Governação das sociedades comerciais, 2ª edição, Edições Almedina, 2010, p. 9. 61 Idem.

62 Cfr. The Cadbury Report, (1992), Reino Unido: http://ecgi.org/codes/documents/Cadbury.pdf»,

consultado a 30 de setembro de 2013, às 16h00.

63 O Institute of Directors in South Africa (IoDSA) constitui, em 1993, a «Comissão King, que produziu o

primeiro King Report on Corporate Governance, em 1994. O Relatório sofreu atualizações, tendo a sua versão III sido apresentada em 1 de março de 2010. O King Report on Corporate Governance I foi reconhecido internacionalmente, à data da sua apresentação, como a publicação então conhecida mais abrangente sobre corporate governance. Cfr. http://www.iodsa.co.za/?page=kingIII, consultado em 18 de fevereiro de 2014, às 15h29m.

64 Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p.1. 65 Idem, pág. 4.

66 Cfr. http://www.asx.com.au/documents/asx-compliance/principles-and-recommendations-march-

2003.pdf, consultado em 18 de fevereiro de 2014, às 17h31m.

67 Cfr. Du Plessis, J. et All., Principles of cotemporary corporate governance, 2ª edição, Cambridge

controlada nas sociedades. (…) O corporate governance influencia a forma como os objetivos das sociedades são determinados e alcançados, como o risco é monitorizado e como a performance é otimizada. (…) Estruturas eficientes de corporate governance estimulam as sociedades a criar valor, através do empreendedorismo, inovação, desenvolvimento e exploração, facultando sistemas de controlo face ao risco envolvido. Esta definição introduz novas perspetivas, ao referir que, para além de um conjunto de regras, o corporate governance é igualmente um conjunto de relações ― no que parece ser uma alusão aos stakeholders ―, de sistemas e de processos. Introduz o risco e a necessidade da sua monitorização, bem como o conceito de performance, central nas atuais abordagens ao tema. Por fim, as referências ao empreendedorismo, à inovação ao desenvolvimento e exploração, revelam uma definição de grande atualidade.

Para Mathiesen68, o corporate governance é uma área da economia que investiga a forma de garantir/motivar a gestão eficiente das empresas, utilizando mecanismos de incentivo como sejam os contratos, os padrões organizacionais e a legislação. O que frequentemente se limita à questão da melhoria do desempenho financeiro, como, por exemplo, a forma como os proprietários das empresas podem garantir/motivar os gestores das empresas a apresentarem uma taxa de retorno competitiva.

Já numa visão estritamente financeira e do investimento, Shleifer e Vishny69 afirmam que o corporate governance lida com as formas como os financiadores das empresas garantem que recebem o retorno dos seus investimentos.

Numa perspetiva do controlo e gestão da atividade societária, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (adiante designada por OCDE) define, em abril de 1999, corporate governance como o sistema através do qual as organizações empresariais são dirigidas e controladas. A estrutura do corporate governance especifica a distribuição dos direitos e das responsabilidades ao longo dos diferentes participantes na empresa ― o conselho de administração, os gestores, os acionistas e outros intervenientes ― e dita as regras e os procedimentos para a tomada de decisões nas questões empresariais. Ao fazê-lo, fornece também a estrutura através da qual a

68 Cfr. www.encygov.com, Mathiesen, 2002, citado em

http://www.cgov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=16&Itemid=14, consultado a 20 de março de 2014, às 11h10m.

empresa estabelece os seus objetivos e as formas de atingi-los e monitorizar a sua

performance.

Numa abordagem relacional, temos: «corporate governance ― que, de uma forma restrita, pode ser definido como a relação da empresa com os seus acionistas, ou, de uma forma mais alargada, com a sociedade em geral»70.

Por fim, Maw et all 71 notam que,

Alguns comentadores assumem uma visão muito estreita e afirmam que a

corporate governance não é mais do que um termo rebuscado para

descrever a forma como os diretores e auditores das empresas tratam as suas responsabilidades para com os acionistas. Outros utilizam a expressão como se fosse sinónimo de democracia dos acionistas. O

corporate governance é um tópico formado recentemente e, como tal,

ainda pouco definido e, consequentemente, com fronteiras imprecisas (...) o corporate governance é um tema, um objetivo ou um regime a seguir para o bem dos acionistas, dos empregados, dos clientes, dos bancos e, certamente, da reputação e posição do nosso país e da sua economia. Tomando a versão de 2004 de Os Princípios da OCDE sobre o Governo das

Sociedades72, parece poderem identificar-se aspetos basilares destes princípios, estabilizados neste normativo da seguinte forma:

― «Assegurar a base para um enquadramento eficaz do governo das Sociedades»;

― «Os direitos dos acionistas e funções fundamentais do seu exercício»; ― «O tratamento equitativo dos acionistas»;

― «O papel dos outros sujeitos com interesses relevantes no governo das sociedades» (os stakeholders);

― «Divulgação de informação e transparência»;

70 Extrato de um artigo publicado no Financial Times, 1997, citado em

http://www.cgov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=16&Itemid=14, consultado a 20 de março de 2014, às 11h15m.

71 Vd. Maw et all, 1994, p. 1., citado em

http://www.cgov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=16&Itemid=14, consultado a 20 de março de 2014, às 11h22m.

72 Consultáveis em http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceprinciples/33931148.pdf, a 30 de

― «As responsabilidades do órgão de administração».

O problema da definição do conceito de corporate governance é claramente assumido pelo Instituto Português de Corporate Governance73 que opta por não promover uma definição oficial, antes apontando definições que se apresentam como setoriais, de acordo com a área do conhecimento em que atuam os seus autores.

Ainda que correndo o risco de desenho de uma definição parcial, mas decorrente de uma investigação levada a cabo, parece proveitoso propor uma definição de

corporate governance que enquadre a abordagem pretendida ao tema e que sustente a

sua aplicação ao setor empresarial público. Assim: reconhecido como a sistematização de conhecimento que integra relevantes e comprovadas regras de boa gestão societária, recomendáveis para a valorização da atividade institucional em geral, empresarial em particular, propõe-se assumir corporate governance como o conjunto de princípios e recomendações enformadores do governo societário, de natureza multidisciplinar, reguladores das relações entre proprietários e gestores das sociedades e destas com os seus stakeholders, orientados para a determinação da garantia de retorno do investimento, do aumento do seu valor e durabilidade e da sua sustentabilidade.

Para além de uma definição, de um conceito, Roberts74 refere a existência de uma teoria sobre comportamentos nas sociedades com influência no corporate

governance, que conduz ao que designa por paixão pela boa governação.

A este propósito, Roberts75 aponta como prevalecente a Teoria da Agência, que define o proprietário como o principal e o gestor como o agente, ocupando-se o

corporate governance da regulação da relação entre ambos e das tensões daí

advenientes, sendo esta a base filosoficamente dominante relativa às relações entre os mercados financeiros e as sociedades cotadas em bolsa. Destaca ainda as teorias do

Resource Dependence, do Stewardship e dos Stakeholder.

Na década de 30 do século XX, Berle e Means76 apontam a separação entre

propriedade e controlo e a dispersão da propriedade das sociedades como o momento

da perda de controlo da atividade dos gestores por parte dos proprietários. A este

73 Cfr. www.cgov.pt, Conceitos básicos., consultado em 30 de setembro de 2013, às 15h48.

74 Cfr. Roberts, J. ―The theories behind corporate governance, consultado em 20 de fevereiro de 2014,

às 10h, em

http://www.havingtheircake.com/content/1_Ideas%20that%20shape%20the%20world/fact%20and%20 opinion/The%20theories%20behind%20corporate%20governance.lnk.

75 Idem.

propósito, falam de propriedade passiva e de propriedade ativa, afirmando que os donos da propriedade passiva, alheando-se do poder e controlo sobre a propriedade ativa, alienaram o direito a que as sociedades sejam dirigidas, efetivamente, no escopo dos seus próprios interesses.

Mais tarde, já na década de 70, esta ideia é definida como a Teoria da Agência. Um conjunto de artigos, agora clássicos, de Jensen e Meckling77, Fama e Alchian e Demsetz78, passaram a ilustrar as dificuldades enfrentadas pelo principal, o acionista, que contrata um agente, o gestor, que atua em seu nome e do distanciamento de interesses entre ambos. Esta teoria ilustra o agente, o executivo contratado, como

oportunístico, tendendo a servir os seus interesses, em vez dos interesses do principal,

ou proprietário. A tensão resultante desta conflitualidade originaria custos de agência, traduzidos na necessidade de incentivar os executivos, no sentido do cumprimento dos interesses dos acionistas, bem como em monitorizar a atividade dos executivos, no sentido de prevenir abusos relativamente aos interesses do acionista. Pinto79 refere que «desta separação entre propriedade e gestão nascem os (…) custos de agência que (…) conduzem à necessidade de instituir nas sociedades mecanismos de fiscalização efetivos da ação dos gestores». Para Clarke80, «the principal can limit divergences from his interest by establishing appropriate incentives for the agent and by incurring monitoring costs, designed to limit the aberrant activities of the agent».

Para os defensores da Teoria da Agência, a solução são mercados eficientes, nos quais se generaliza o autocontrolo: em consequência, a sua abordagem ao

corporate governance consiste na promoção de mecanismos de mercado que permitam

regular o problema da agência81.

Para o efeito, a Teoria promove mecanismos internos e externos à sociedade como forma de regulação de relação entre acionistas e gestores, com destaque para:

― Um board efetivamente bem estruturado;

― Contratos que promovam a compensação dos acionistas e dos gestores; ― Promoção de holdings de acionistas como forma de monitorização da atividade dos gestores.

77 Fama, E. e Jensen, M. ― Separation of Ownership and Control, Journal of law and Economics, 1983. 78 Alchian, A e Demsetz, H. ― Production, Information Costs, and Economic Organization, The American

Economic Review, Vol. 62, Nº 5., 1972, pp. 777-795, consultável a 31 de março de 2014, às 12h45m, em https://faculty.fuqua.duke.edu/~charlesw/s591/Bocconi-Duke/Papers/C09/Alchain&Demsetz.pdf.

79 Pinto, J. et all. ― A emergência e o futuro do corporate governance em Portugal, Edições Almedina,

Lisboa, 2013, p. 25.

80 Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 59. 81 Idem, p. 5.

Ilustração 3 – Teoria da Agência

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Principal%E2%80%93agent_problem.

Para Clarke82, o primado do acionista, não como dono, mas como o residual risk

taker, determina que é no seu interesse que a sociedade deve ser gerida, apesar de a

gestão ser confiada a terceiros. A este propósito, Bevir83 nota que como o acionista não consegue saber e controlar tudo o que o gestor faz, este último tudo fará para manter aquele satisfeito. Sobrar-lhe-á, no entanto, margem de manobra para satisfação dos seus interesses pessoais, nem sempre alinhados com os dos acionistas.

Para Roberts, a Teoria da Agência é dedutiva na sua metodologia, considerando- a o resultado de estudos empíricos que apontam o interesse próprio e o oportunismo do agente como um dado adquirido. A teoria alhear-se-ia, deste modo, das atitudes, condutas e relacionamentos hoje identificados como determinantes para o que designa por board effectiveness, aplicando-se antes às formas de forçar o executivo (agente) a cumprir os interesses do acionista (principal). Alheia-se ainda, segundo Roberts, da relação que deve ser procurada entre bom governo e a performance das sociedades. No entanto, as revelações de Mace, citado por Clarke84, confirmariam os mais fundados receios dos defensores da Teoria da Agência: «The ineffective performance of directors

82 Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 57.

83 Bevir, M. ― Governance – A very short introduction, Oxford University Press, 2012, p.41.

84 Clarke, T. ― Theories of Corporate Governance, Routledge, 2008, p. 95, citando Mace, M. ― Directors:

revealed in the companies investigated by Mace suggests that they were incapable of adequately representing any interest».

A Teoria da Agência é apontada por Bevir como uma das principais influências intelectuais das reformas do new governance: «its influence has spread from the corporate world to the public sector»85, motivo pelo qual se revela de extrema

importância para o presente trabalho.

A Teoria do Stewardship, de Donaldson e Barney, surge em 1990 e promove uma completa abordagem sobre os motivos dos executivos seniores: Para Clarke86, «Stewardship theory acknowledges a larger range of human motives including orientations towards achievement, altruism and the commitment to meaningful work». Contrariamente às assunções pessimistas da Teoria da Agência relativas aos interesses dos gestores, esta teoria aponta o potencial da motivação dos gestores, que designa por pro-organizacional. É a identificação dos executivos com os objetivos e missão de uma organização que conduz à performance. Aqui, a motivação dos gestores não é necessariamente contrária aos interesses dos acionistas. Ambos têm interesse em maximizar o valor da sociedade, nisto se definindo o alinhamento dos seus objetivos. Da mesma forma e pelos mesmos motivos, o papel do presidente e do administrador executivo devem permanecer na mesma pessoa, tendo em vista preservar a força e a autoridade da liderança.

Questionando a abordagem menos positiva promovida pela Teoria da Agência à natureza humana, aponta-se o perigo do primado dos interesses dos investidores e reguladores relativamente à liderança das sociedades. A este propósito, Donaldson, citado por Clarke87, refere que estudos relativos ao comportamento humano comprovam que os gestores têm diversas motivações para além do seu interesse próprio, que