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7 ANÁLISE DE DADOS

7.2 CORPOS ESTRANHOS

Minha relação com corpo nem sempre foi positiva, na verdade eu tinha uma visão de que o material era inferior e o espiritual era mais elevado e mais verdadeiro. Esse pensamento era provavelmente em decorrência da minha criação cristã espirita e era uma crença que eu me identificava fortemente, não parecia algo induzido.

O tabu sobre o corpo e a nudez me afetou na infância e adolescência de forma que me negava o máximo possível o contato com meu corpo, me olhar no espelho era raríssimo e sempre tentava me cobrir com roupas compridas e casacos. Não era uma relação de ver meu corpo como feio, era uma vergonha de algo que não podia ser visto ou apreendido pelo outro, uma negação de contato e vulnerabilidade.

Contato corporal sempre foi algo difícil para mim, levei anos refletindo para entender que talvez eu sentisse as pessoas com tanta força, que as tocar era intenso demais e que contato físico não era necessariamente ruim. A intensidade assusta e, às vezes, dói e mesmo assim não quero mais evitá-la.

Algumas situações tiveram um grande impacto no meu entendimento sobre os corpos, uma delas foi estudar anatomia artística, onde tive a oportunidade de observar alguns detalhes maravilhosos sobre como os corpos funcionam. Corpos são complexos e possuem um equilíbrio tão delicado que eu não podia mais sustentar crenças que inferiorizavam algo tão sensível e real.

Descobri-me como um ser vivendo no mundo e não mais como uma entidade desconexa com uma matéria pesada. Maria Rita Kehl diz “Não existe nenhum eu em nenhum outro lugar que o próprio corpo.” (Corpo, identidade e erotismo, p. 24). Compreendo-me com um eu que observa, por isso não me sinto o corpo, mas não mais me sinto partida dele e de suas sensações. Eu penso no corpo como uma barreira e, ao mesmo tempo, como uma conexão com o outro e o mundo lá fora. Barreira porque é a matéria que me delimita, a pele que marca o que aprendi como meu fim. Através dessa mesma pele posso tocar e perceber tudo o que eu não sou, me deslocar no mundo ao meu redor e encontrar outros corpos.

7.2.1 Corporalidade

Quanto à “corporalidade”, ela é associada a uma compleição corporal, mas também a uma forma de vestir-se e de mover-se no espaço social. O ethos implica assim um controle tácito do corpo, apreendido por meio de um comportamento global. Caráter e corporeidade do fiador apoiam-se, então, sobre um conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os quais a enunciação se apoia e, por sua vez, contribui para reforçar ou transformar.

(MAINGUENEAU, 2008, Imagens de si no discurso, p. 72)

As pessoas estranhas causam impacto em qualquer espaço que ocupem, porque existem discursos diferentes habitando o mesmo espaço e isso gera tensão. Enquanto as pessoas normatizadoras defendem um discurso que diz “nada de diferente pode existir”, os corpos estranhos existem e existir fora das normas é percebido como uma ameaça ao que está dentro do sistema.

No primeiro momento quando um corpo estranho se reafirma ocupando um lugar qualquer, esse indivíduo se empodera, mas muitas vezes esse poder se perde pela reação hostil dos outros. As pessoas reagem à estranheza de maneiras variadas, algumas se assustam, outras não conseguem registrar um acontecimento fora dos padrões e ignoram, algumas se sentem ofendidas ou ameaçadas e reagem com raiva e violência.

Todos os corpos são modificados, no sentido em que eles não existem de forma pura, intocada e sem relação com o mundo e com o outro, mas a maneira que cada corpo se constrói pode ser entendida de maneiras muito diferentes. Refiro-me a uma construção tanto material, quanto de corporalidade, de imagem mental e de expressão de estilo. Grace Neutral, ativista e artista de tatuagens, investiga, em seu documentário9, diferentes formas de modificação corporal brasileiras, por exemplo, cirurgias estéticas como a colocação de silicone.

Corpos já foram e são marcados por diversos motivos: como escravos, criminosos ou perseguidos, nos campos de concentração, como judeus e homossexuais, como guerreiros poderosos, como símbolos de beleza. É uma marca de identidade, uma forma de expressar alguma característica ou comportamento de maneira nítida para todos. A marca da diferença não é necessariamente ruim, ela pode demonstrar poder, a capacidade de corresponder ao padrão requisitado. Acontece através de um ritual, como um ritual de passagem, envolve necessariamente algum tipo de dor, abdicação ou esforço pessoal.

Os corpos diferentes são marcados, não há como esconder uma cor de pele, por exemplo, mas outras marcas podem ser mais sutis como postura, maneira de andar, de gesticular os braços, ou mesmo de olhar e falar. Essa marca da diferença é ao mesmo tempo uma ameaça que nos coloca em evidência e risco de agressão, e um aspecto importante de nossas identidades, que nos permite nos encontrarmos uns aos outros no mundo.

Quando as marcas não são evidentes, como no caso das deficiências invisíveis ou de pessoas LGBT com aparência normativa, os indivíduos sofrem menos ataques diretos, mas precisam de esforço em dobro para se afirmar e se colocar como possuidor de suas identidades.

7.2.2 Afeto

Um abraço pode ser tão polido e formal que é como abraçar uma pedra, esse tipo de interação pra mim é angustiante. Não acho que tocar as pessoas seja algo

banal, é como segurar outro mundo em minhas mãos - e existem mundos que eu não quero segurar.

Eu fico nervosa e insegura, esse toque pode ser mais como uma colisão planetária. Mesmo sendo incapaz de ver qualquer marca no meu corpo sinto como se todos os toques deixassem cicatrizes e marcas eternas ou muito duradouras. É lindo e triste, porque posso carregar todo o carinho que enche meu coração, mas na maior parte do tempo percebo as cicatrizes feias, as falhas e a violência.

Nesse sentido tocar outra pessoa pode se expandir para interações não físicas. Às vezes, uma troca de olhares pode ser mais profunda que um aperto de mãos e isso também é tocar o outro. A ausência do afeto, a exclusão, também é uma forma de tocar, nesse caso um não-tocar que deixa um buraco, me senti muitas vezes um corpo composto de vazio.

Momentos afetivos marcaram minha relação com meu corpo e com os outros, como em um abraço onde minha amiga ouviu meu coração bater, foi um instante tão íntimo, vulnerável e gostoso. Nessa situação me tornei consciente do meu corpo e pude sentir o pulsar do meu próprio coração assim como desse outro coração que me tocava. Essa conquista tardia de afeto me faz começar a estabelecer noções diferentes de quem eu sou e de como mereço ser tratada.

Temos um corpo afetivo construído durante a vida pelos momentos afetivos, a falta deles ou mesmo pelas agressões sofridas. A noção de valor do eu pode ser associada à quantidade e a qualidade de atenção recebida pelo indivíduo, além disso, tendemos a reproduzir os comportamentos que recebemos e observamos.

Um corpo agredido é composto de ausências e feridas, também é um corpo que vai oferecer agressão, que talvez não saiba aceitar, receber ou oferecer carinho. Homens, por exemplo, tem a tendência de serem cortados de relações afetivas muito cedo. O contato físico permitido à masculinidade é agressivo e sexual; quanto mais afastados da necessidade de afeto e carinho, mais desumanos se tornam os comportamentos. Tal corte é agressão tão violenta que coloca os homens no papel do opressor, o que causa aos outros aquilo o que recebeu, e assim se mantém o ciclo.

Contato humano é necessário para manter nossa própria condição humana, na minha vida encontrei amizades que foram meu caminho para construir esse aspecto

de humanidade que era uma lacuna para mim, encontrar uma comunidade capaz de cumprir esse papel falho da família foi essencial para minha sobrevivência emocional. É muito comum que as pessoas busquem suprir essa lacuna nos relacionamentos românticos, como vemos nos homens que buscam cuidados de mãe em suas mulheres, na busca extrema de se completar ao encontrar a “alma gêmea” e na valorização do relacionamento romântico como uma categoria superior de amor.

7.2.3 Lógica da Diferença

Seguindo a nomeação do conhecido, tudo o que surge de novo é, por algum tempo maior ou menor, exótico, estranho ou confuso. O conhecido e estabelecido é o normal, o que não é normal recebe um nome de diferenciação. Na utilização comum esses nomes são utilizados como ofensas, o que reforça o estigma e estereótipos que os indivíduos carregam.

Um perfeito exemplo disso foi uma conversa entre minhas duas irmãs mais novas, na época com 15 e 6 anos. A mais velha estava tentando explicar porque existe LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e a mais nova ficou muito confusa, porque não sabia que existiam surdos. Para ela, “surdo” era um xingamento. Ela sempre ouviu as pessoas perguntarem bravas: “você é surdo?” e concluiu que isso era algo ruim. Da mesma forma, as pessoas utilizam “retardado”, “autista”, “gay” e “mulherzinha” como ofensas. E as crianças crescem ouvindo os nomes como características ruins, sem conhecer quem são os indivíduos por trás do rótulo. Muitas vezes essas existências são propositalmente escondidas, como no caso da Rússia, onde é proibido por lei falar sobre homossexualidade com crianças.

Diferença e diversidade são termos muito utilizados no contexto de respeito e direitos humanos. Apesar de serem sinônimos, diversidade traz uma ideia mais ligada a multiplicidade, enquanto diferença estabelece uma relação de valor entre o normal e o diferente. Diversidade então apresenta melhor os espectros de variação humana. O termo “disability”, mais utilizado no inglês, parece menos incômodo ou ofensivo que “deficiência”, porque remete a desabilidade ou não-habilidade e não nenhum problema em não possuir alguma habilidade, afinal todas as pessoas não são hábeis em algumas coisas. A questão é por que algumas pessoas são definidas pela única coisa que não são habilidosas? Por que chamar alguém de cego quando se

poderia definir essa mesma pessoa por possuir um super olfato ou um tato especialmente delicado?

Infelizmente desabilidade não soa tão natural no português, inabilidade leva a incapacidade que, assim como deficiência, remete a uma ausência. Esse peso carregado no conceito reforça constantemente que as pessoas que possuem alguma deficiência não estão completas, como se fossem menos humanas. É comum, por exemplo, que sejam infantilizadas e que essa suposta incapacidade seja generalizada como se por não conseguir enxergar alguém não seja mais capaz de realizar nada na vida.

As construções de linguagem e termos têm sido em torno de criar nomes que indiquem que uma pessoa possui uma deficiência ao invés de ser deficiente, assim ressalta que é mais uma característica de um indivíduo e não a coisa principal que o define.

Eu me amo e amo minha vida. Mas eu não me lembro de ser deficiente, até que, como na noite de terça-feira quando eu aterrissei no LAX e um motorista de táxi não me deixa entrar por conta do meu cão-guia, ou em um restaurante e alguém pergunta ao meu amigo o que eu quero coma em vez de me perguntar. (MOLLY, 2018)

Assim como no caso dos estudos LGBT, é possível encontrar na internet uma série de dicionários de termos, conceitos e explicações, numa tentativa da própria comunidade em se posicionar e colocar como se sente, como deseja ser tratada e quais suas necessidades. 10

7.2.4 Sentimentos, Expressão e Arte

Existe uma tendência a reprimir os sentimentos e exaltar a racionalidade. Um dos fatores que reforça esse padrão é a ideia de que homens são mais racionais, possuem pensamento claro e são mais capazes de autocontrole e, em contrapartida a noção de que mulheres são histéricas, extremamente emocionais, com pouca capacidade intelectual e de controle de impulsos. É um comportamento que gera seres muito instáveis, como a água em ebulição que, se houver a pressão adequada, pode mesmo explodir.

Com tantas pessoas se negando a interpretar e lidar com os próprios sentimentos, é esperado que as pessoas desenvolvam poucos recursos e linguagem para se tratar disso, além da noção de racionalidade, que é muito abrangente: é possível chegar a conclusões opostas seguindo diferentes ideias e discursos. Não existe uma única razão superior através da qual se possa alcançar a verdade absoluta e com certeza não existe uma razão pura fora do mundo experienciável - que tem sensações, sentimentos e estímulos diversos.

Para enfrentar esse processo de destrinchar e compreender sentimentos há criações como o Dicionário das Tristezas Obscuras. Criado pelo artista John Koenig, consiste em uma série de conceitos, alguns apenas escritos, outros ilustrados ou acompanhados de vídeos. Trata-se de um projeto viral que ficou muito conhecido pela internet, considerando isso parece estranho que as pessoas não estejam inserindo essas palavras no próprio vocabulário; não basta criar mecanismos para lidar com situações diversas e criar palavras novas, essas criações precisam ser compartilhadas entre um grupo para que façam sentido na nossa realidade.

Meu processo de produção foi se tornando mais claro com o passar dos anos. Começa com uma sensação ou sentimento que se acumulam. É como o processo de ebulição da água, a agitação vai aumentando, as moléculas vibram cada vez mais. Parece que pode explodir e jorrar água para todos os cantos, mas, geralmente, a energia não é tão grande: a água começa a evaporar dissipando o excesso de energia e mantendo alguma estabilidade.

Quando eu expresso sentimentos é mais ou menos assim, parece que vou explodir ou me desintegrar, é informação demais para lidar e manter dentro de mim e preciso dissipar de alguma forma. Vários tipos de processos criativos e expressivos podem cumprir essa função, desde fazer um desenho, pintura abstrata ou cortar o cabelo, pintar meu corpo.

Eu geralmente não sabia nomear essas sensações ou não as entendia muito bem, alguns eram sentimentos que não podia aceitar virem de mim. A expectativa e pressão de ser uma pessoa boa e correta me fez reprimir sentimentos considerados ruins. Mas sentimentos precisam ser demonstrados, o adoecimento causado pelo acumulo de situações, sensações e sentimentos não resolvidos é cruel e lentamente doloroso.

Fotografia 1 – Costas.

“Talvez você não saiba o quão profundamente marcou minha pele com o toque suave dos seus dedos enquanto me acariciava durante nossos abraços...” (CASTELLAR, 2018)

Acervo Pessoal, 2018.

Fotografia 2 – Ombro.

“O impulso de abraçar às vezes é tão forte que envolvo meu próprio corpo. Nunca entendo esse momento como abraçar a mim mesma. Na minha mente eu te alcanço.” (CASTELLAR, 2018)

Acervo Pessoal, 2018.

Para ser capaz de fazer esse mergulho para tentar me encontrar dentro do eu que foi reprimido e agredido, passei por uma descoberta do corpo. A partir da materialidade que considerei inferior no passado eu pude me fortalecer. O uso do jenipapo nas pinturas corporais foi impactante nessa construção do eu, assim como diversos momentos afetivos e relações saudáveis e acolhedoras. Associei meu processo com falas poéticas de Stela do Patrocínio que eram muito marcadas com percepções do corpo e sua relação com o mundo.

É dito: pelo chão você não pode ficar Porque lugar da cabeça é na cabeça Lugar de corpo é no corpo Pelas paredes você também não pode Pelas camas também você não vai poder ficar Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar Porque lugar da cabeça é na cabeça Lugar de corpo é no corpo. (PATROCÍNIO, 2001)

7.2.5 Obra Prática

A obra prática, chamada ‘Mapeando (des)cobertas’, é uma instalação com proposta de performance participativa onde os espectadores agem como colaboradores. Trata-se de um mapa montado na parede utilizando fio de barbante enrolado em pregos, além de uma superfície onde papéis e canetas ficam disponíveis para os colaboradores. Uma ou mais placas indicam a proposta de escrever um relato

de uma experiência de exclusão, um momento afetivo ou história de vida. A instalação começará com alguns dos meus próprios relatos, como os presentes nos anexos deste trabalho, presos ao fio com pregadores.

Os papéis disponíveis terão cores e formatos diferentes, assim como haverão diversas cores de caneta. Os colaboradores farão o mapeamento a partir da escolha de onde colocar seus relatos, relacionando as cores, formas, pontos e conteúdo das experiências.

A instalação transmite uma sensação de intimidade pelo compartilhamento de relatos pessoais e permite o contato com vivências diferentes e, talvez, desconhecidas para uma parte do público. Assim como oferece um espaço para empoderamento, autoafirmação e tratamento de feridas emocionais ao expressar sentimentos.

Fotografia 3 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Fotografia 4 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Acervo pessoal, 2018

Fotografia 5 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Fotografia 6 –Mapeando (des)cobertas, obra antes da participação dos colaboradores.

Acervo pessoal, 2018

Fotografia 7– Colaborador acrescentando relato na obra Mapeando (des)cobertas.

Fotografia 8 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Acervo pessoal, 2018

Fotografia 9 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Fotografia 10 – Detalhe da obra Mapeando (des)cobertas.

Acervo pessoal, 2018

Fotografia 11 –Mapeando (des)cobertas, obra depois da participação dos colaboradores.

7.2.6 Identidade

A diferença pode ser construída negativamente - por meio da exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que são definidas como “outros” ou forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam resgatar as identidades sexuais dos constrangimentos da norma e celebrar a diferença (afirmando, por exemplo, que “sou feliz em ser gay”). (WOODWARD, Identidade e Diferença, p.50) Dessa forma, vários aspectos antes considerados negativos são ressignificados, quando os surdos chamam a si mesmos de Surdos com letra maiúscula para se colocarem como sujeitos de uma cultura própria ao invés de incapazes de ouvir, ou a apropriação de termos como queer, viado e sapatão. A organização de movimentos como movimento negro e o feminismo, também agem como criadores de identidades positivas, gerando empoderamento.

A identidade é atribuída socialmente, mas depende principalmente da autoidentificação. Mesmo em categorias que parecem ser completamente estabelecidas, por exemplo, não basta ter a pele escura para ser negro, como apresenta a grande quantidade de pessoas autodeclaradas pardas no Brasil. Isso porque nenhuma categoria é natural, restrita ou estável, todas fazem parte de algum tipo de discurso relacionado com uma ou mais culturas e estabelecido dentro de um contexto histórico.

Além da identificação com o conceito, nome e vivências, é comum que as pessoas se adaptem fisicamente com as características de um grupo, permitindo vontades reprimidas em outros contextos, como mulheres que param de se depilar ao encontrar com o movimento feminista, ou pessoas queer que se permitem vestir de maneiras diferentes e menos cis e heteronormativas. Simultaneamente podem surgir novas pressões de adaptação ao padrão estereótipo, como quando as pessoas trans perdem passabilidade ao não apresentar características binárias de gênero.

Esse tipo de conflito pode fazer com que o indivíduo continue buscando as expressões de identidade ou mesmo grupos onde se sinta mais adequado, culminando numa eterna construção identitária.

O agrupamento é uma ferramenta de fortalecimento pessoal e coletivo. Encontrar outros com características parecidas faz as pessoas se sentirem mais seguras, confortáveis e válidas, dá mais espaço para se defenderem.

O agrupamento é inerente à exclusão; para se constituir um grupo é necessária uma ou mais características em comum - e quem não possuir essas características será excluído.

7.2.8 Acessibilidade e Inclusão

Acessibilidade é um termo muito usado no contexto de adaptar locais ou situações para receber pessoas com limitações decorrentes de deficiências físicas ou cognitivas, mas quero usá-lo aqui de maneira mais livre da lógica da diferença, considerando simplesmente a diversidade humana. Tornar os espaços acessíveis a todos é a maneira mais justa de promover igualdade. Para isso é necessário prever a maior variedade de públicos possível e considerar as necessidades específicas, que podem ir desde a presença de interpretes de libras, legendas em braile e rampas de acesso a espaços que incluam mães e suas crianças,

7.2.9 Lugar de Fala/ Interseccionalidade

O feminismo e o movimento negro trazem muito o conceito de ‘lugar de fala’, que, resumidamente, defende a necessidade de vivência pessoal para falar de uma

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