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Corpos sujeitos a injeção de subjetividades

No documento 2012Vitor Marcelo Vieira (páginas 88-92)

CAPÍTULO I O PROJETO DE COLONIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE

3.3 Corpos sujeitos a injeção de subjetividades

Esse “modo de ser”, ou seja, a subjetividade provoca reações na teia de relacionamentos. Conforme Bauman (2007, p. 30) numa sociedade de indivíduos todos são forçosamente a serem semelhantes. O indivíduo usa sinais e símbolos conhecidos por todos para expressar suas idéias. Sendo assim, não é possível o indivíduo ser diferente. Fazer parte de um grupo, isso é ser indivíduo. Caso não o queira, terá de se sujeitar às conseqüências. Desejamos nessa sociedade individualizada, sermos realmente indivíduos. Por isso buscamos dentro de nós mesmos alguma subjetividade que não esteja contaminada, para sermos nós mesmos. Os sentimentos ao contrário da razão, que é universal, são apenas meus, subjetivos. As crianças, desde a mais tenra idade se deparam com uma “rede de subjetividades” que a envolve e a modela dentro dos padrões da sociedade que a rodeia. Então vejamos o que diz Guattari (1999) a respeito de subjetividade:

Mesmo uma criança de dois anos, quando tenta organizar seu mundo, construir sua própria maneira de perceber as relações sociais, apropriar-se das relações com as outras crianças e com os adultos – essa criança participa, à sua maneira, da resistência molecular. E o que ela encontra? Uma função de equipamento subjetivo da televisão, da família, dos sistemas escolares. Portanto, a micropolítica dessa criança envolve as pessoas que estão em posição de modelização em relação à ela (GUATTARI, 1999, p. 54).

Esse sistema escolar citado na passagem anterior por Guattari (1999) está presente no espaço educacional, onde existe todo um cerimonial e uma representação do modo de ser e agir dentro de padrões que se reproduzem nas relações do espaço do Grupo Escolar Nossa Senhora da Salete. Esses elementos tinham como vetor, as reuniões realizadas para “socializar as diretrizes”. Um exemplo disso é que na reunião pedagógica do dia 15 de fevereiro de 1966 a diretora Irmã Ancila repassou uma espécie de “receita” para os educadores, ou seja, pontuou algumas causas da indisciplina, que são as seguintes:

a) incapacidade por parte do professor; b) Falta de preparação; c) a voz com que o Educador expõe seus temas; d) As disposições em que o professor se encontra; e) Espírito arrogante e falta de trabalho metódico. [...] Procurar manter disciplina, estudando os meios para conseguí-la de uma maneira mais eficiente. Castigos – castigos corporais não devem ser infligidos as crianças. Foi explicado aos professores qual o método a ser empregado para o ensino da leitura e taboada (ATA REUNIÕES PEDAGÓGICAS, nº 89, 1966, p. 08).

Essas “dicas” remetem a uma época de vigilância sobre o corpo, sobre as atitudes, que desembocam em “receitas” prontas para o educador executar homogeneamente, válido para todas as turmas. Difícil perceber que essas “dicas” não fossem praticadas em diferentes medidas, pelos educadores, nesse contexto. Toda uma maquinaria escolar se debruça no âmago da disciplina para regular os corpos e proporcionar um resultado desejável. Não é possível conceber que esse processo fosse eficiente na sua totalidade, pois para o exercício da docência não existem receitas. Mesmo que naquele momento e atualmente isso se torne idéia perfeitamente aceitável, navegar por essa seara corre-se o risco de não levar em conta as subjetividades, pois, tanto naqueles anos quanto na atualidade, existem visões diferentes sobre o mesmo tema. Com relação aos castigos, não eram permitidos, mas era um paradigma que ainda não havia sido quebrado (ATA REUNIÕES PEDAGÓGICAS nº 89, 1966, p. 08).

Como já foi dito, a família exercia papel preponderante na formação social e econômica. Os casamentos determinavam essa formação. Com a imposição da família a maioria dos casamentos no início da colonização na região oeste, eram endogâmicos, ou seja,

ficavam dentro dos limites étnicos e confessionais. O casamento representava para a família do colono a continuidade de seu nome e o “aumento da força de trabalho além da manutenção ou não das práticas socioculturais” (NODARI, 2009, p. 117).

A família atuou como protagonista na reelaboração, na transmissão de crenças, valores e cultura e, sobretudo na identidade da comunidade. O vínculo estreito entre família, Igreja e a escola é notório não somente no cotidiano do povoado, mas também nos dias de comemorações festivas. As festas reforçam o sentimento de pertencimento e reproduzem as relações sociais de poder (GUIMARÃES apud NODARI, 2009, p. 121).

A gestão religiosa da Igreja Católica sobre os indivíduos se caracterizou nesse sentido, um poder e um saber sobre os corpos. Ao analisar, classificar, através de sua observância embasada em um critério de “verdade”:

Possibilitou-se a penetração deste poder institucional com o propósito de dar funcionalidade e utilidade aos sujeitos que estavam envolvidos no espaço familiar. A constituição de uma família requeria responsabilidades e normas específicas que atestassem uma conduta positiva em direção à moral cristã, à regulação dos corpos e à capacidade de procriação (SOUZA, 2001, p. 13).

Na década de 1930 até meados da década de 1940 o governo do estado de Santa Catarina se preocupou em reordenar o espaço rural e urbano, visando construir cidadãos calcados na ordem e conseqüentemente úteis nas relações sociais que estavam em expansão nas cidades que se encontravam em processo de urbanização e industrialização. Buscava-se com isso, colocar em vigência políticas que visavam aperfeiçoar os mecanismos de dominação e de controle. Essa política teve um caráter normatizador que procurava solucionar o problema social causado pela vadiagem, prostituição e infância abandonada. Isso resultou em investimentos na família, no hospital e na escola. Na área da saúde buscou-se promover hábitos de higiene na população catarinense. Foi uma ação normatizadora, higienizadora e moralizadora (CAMPOS, 1992, p. 86, 87, 88). Surgiram dispositivos para intervir sobre o corpo e a mentalidade dos habitantes das cidades de Santa Catarina, com o objetivo de promover uma “moral” sobre o corpo. Em relação a este último buscava-se implantar o lazer regulado e a higiene. Além disso, havia a intenção de estabelecer normas para o cumprimento de horários e ritmo de trabalho. Como ideal, existe a intenção de formar o homem “ordeiro” e “trabalhador”. Agindo desta forma este homem ordeiro seria um exemplo para inclusive se evitar “desvios” sociais (CAMPOS, 1992, p. 90). Toda essa intencionalidade e predisposição sofreram um processo de continuidade e com algumas pequenas diferenças e uma realocação, vieram ser observadas durante as relações no tecido social do período e do espaço delimitado

desta pesquisa (1954-1976).

Conforme Altmann (2009, p. 342) no século XIX forjou-se um projeto de higienização para o Brasil, calcado na ciência. Essa medicina higiênica implantou um modelo amparado na razão médica. O espaço de difusão desse saber? O da escola. Em nome dessa racionalidade pública os médicos entraram na escola a fim de “educar” crianças e suas famílias. Os principais objetivos? Combater a masturbação, educar as famílias e preparar a mulher para o papel de esposa e mãe, pois, torna-se necessário:

Despertar a consciência dos deveres de mãe, cujos deveres consistem no amor e compreensão mútua; educação, sustenta a formação moral e religiosa dos filhos. A Diretora fêz uma clara explicação sôbre cada uma dessas obrigações. Foi com prazer que obtivemos palavras belas da Rvdma. Diretôra, sôbre as glórias da maternidade. [...] A mãe deverá formar o caráter da criança desde 1 ano de idade, porque nesta idade a criança é como uma cêra mole que pode-se moldar como se quizer (sic). [...] Uma grande obrigação da mãe é ensinar aos filhos uma boa moral (ATA CLUBE DE MÃES nº 06 e 09, 1963-65, p. 05).

Nesse contexto, o corpo da mulher, como alvo de um saber/poder, recebia “injeções” de subjetividades onde eram fornecidas representações de “ser esposa” e “ser mãe”. O discurso se apoiava, sobretudo na vida do matrimônio. A moça, em primeiro lugar deveria ser preparada para tal empresa.

A seguir falou-nos sôbre a situação da família na vida social da humanidade. Depois de ter orientado as mães neste ponto, a Diretôra disse que organizou um curso Pré-Nupcial para as môças, com aulas de 14 em 14 dias, para assim melhor enfrentarem a vida matrimonial (ATA CLUBE DE MÃES nº 07, 1963, p. 06).

Toda essa intencionalidade de prescrever regras, costumes e crenças, fez parte de um longo processo que teve uma continuidade e se apresentou enquanto a forma e a característica da educação religiosa conduzida pelas irmãs de Notre Dame nesse “palco”, aonde se observou ainda indícios desse saber/poder. Problematizar tal temática é trazer à tona os elementos que construíram esse edifício, que através de ações isoladas, e em conjunto determinaram a forneceram uma visão de mundo para esta comunidade.

No documento 2012Vitor Marcelo Vieira (páginas 88-92)