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De acordo com Orlandi (2001, p.82), “quando dizemos materialidade, estamos justamente referindo à forma material, ou seja, a forma encarnada, não abstrata nem empírica, onde se separa forma e conteúdo: forma lingüístico-histórica, significativa”. Na verdade é através da materialidade discursiva que se formula a interpretação, na busca de caracterizar o dito em relação ao não-dito, ou aquilo que foi dito de algum modo, em algum lugar, procurando aduzir os sentidos dessas palavras.

A análise do discurso não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real sentido em sua materialidade lingüística e histórica. A análise se processa pelo estabelecimento do corpus e funciona de acordo com seu material e a pergunta a ser formulada. Daí surge para Orlandi (2001, p.67) “a necessidade de que a teoria intervenha a todo momento para ‘reger’ a relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretação”. Assim:

Inicia-se o trabalho de análise pela configuração do corpus, delineando-se seus limites, fazendo recortes, na medida mesma em que se vai incidindo um primeiro trabalho de análise, retomando-se conceitos e noções, pois a análise de discurso tem um procedimento que demanda um ir-e-vir constante entre teoria, consulta ao corpus e análise. Esse procedimento dá- se ao longo de todo o trabalho (ORLANDI, 2001, p.67).

Courtine preleciona:

Definiremos, portanto, um corpus discursivo como um conjunto de seqüências discursivas estruturadas, de acordo com um plano definido em referência a um certo estado de condições de produção do Discurso. Dessa maneira, a operação de extração de um corpus de discurso político, primeiramente, consiste em delimitar o campo discursivo de referência [...] ao impor uma série sucessiva de coerções sobre os materiais que o tornam homogêneo. A definição das condições de produção do discurso age, portanto, em relação às seqüências discursivas que compõem o corpus, funcionando como um filtro que torna o corpus exaustivo e homogêneo (2006, p.66).

A definição do corpus é importante, porque dele são extraídas todas as condições necessárias para a formulação de uma determinada análise. É através do corpus que colocaremos em prática toda a teoria da análise do discurso, no sentido de descobrir sob quais condições de produção tal discurso foi formulado, que características discursivo - ideológicas a materialidade proposta apresenta, bem

como as características de silenciamento e não-dito propostas pela AD.

Para estabelecermos nossa análise, partiremos então da materialidade discursiva do Estatuto do Idoso (discurso jurídico) como discurso objetivado.

O Estatuto do Idoso foi aprovado em setembro de 2003 e sancionado pelo presidente da República no mês seguinte, ampliando em seu texto legal os direitos dos cidadãos com idade acima de 60 anos. Mais abrangente que a Política Nacional do Idoso, lei de 1994 que dá garantias aos idosos, o Estatuto institui penas para quem desrespeitar ou abandonar idosos.

É importante explicitar que entendemos o Estatuto do Idoso como mais um movimento de apropriação do sistema do capital para o “agir de forma paliativa socialmente”. Com interesses dissociados da transformação, o sistema do capital busca perpetuar essas relações e garantir sua pujança de sistema explorador utilizando o Estado e suas políticas neoliberais. Ao longo de nosso trabalho, através dos teóricos que foram utilizados, procuramos mostrar a fundamentação do Estado e de suas políticas de assistência. Agora, através da análise discursiva do Estatuto do Idoso a teoria será revisitada, para que possamos explicitar o caráter ideológico que o discurso carrega.

Tomando o Estatuto do Idoso como corpus discursivo, utilizaremos seu conjunto de seqüências discursivas estruturadas, confrontando suas condições de produção e suas seqüências discursivas, onde analiticamente serão tratados o idoso e seus direitos no âmbito da democracia, buscando, nesse espaço de dizer, o discurso que emerge da sociedade capitalista. Vale a pena ressaltar que nossa análise não irá se debruçar por completo no Estatuto, devido à sua amplitude (são 118 artigos); interessa apenas nos determos nas características que sustentem nossa compreensão, na concepção de democracia que está presente nos objetivos gerais do Estatuto do Idoso.

De acordo com Silva Sobrinho (2007, p.155), “na discursividade sobre a velhice o movimento dos sentidos que homogeneíza a velhice aparece de um outro modo no Estatuto do Idoso. Essa lei caracteriza a ‘velhice’ como um ‘direito’ e o ‘idoso’ como pessoa humana”. Ainda segundo o autor:

De fato, o discurso jurídico, como qualquer outro discurso, tem raízes históricas na sociedade civil; seu dizer e o modo como é dito refletem as relações sociais, uma vez que não está dissociado da conjuntura histórica

na qual atua (regula). Os fundamentos da sociedade capitalista vêm da revolução industrial e francesa que se materializam em dois léxicos principais (liberdade e igualdade), uma articulação discursiva que defende as idéias da classe dominante como universais, eternas e naturais. O que significa que encerra seus discursos no âmbito dos direitos, silenciando os conflitos de classes, como se o direito estivesse acima da sociedade civil e pudesse resolver os conflitos. [...] É preciso analisar de forma crítica o papel do direito nas relações sociais. O âmbito da jurisdição não é um espaço de neutralidade ideológica, e seu discurso também não é neutro (2007, p.158- 9).

A existência de antagonismos entre classes pode ser refletida através da necessidade de se formular leis para garantir direitos de determinado sujeito, leia-se, o idoso. Partiremos da premissa de que, por meio das relações sociais que estão imbricadas na sociedade capitalista, temos o discurso político do Estado, que surge aqui através do Estatuto do Idoso. Política social que está submetida às relações capitalistas e que, por essa razão, perpetua a dominação e a exploração.

4 DESCORTINANDO A POLÍTICA PÚBLICA

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