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2.5. ANÁLISE INSTRUMENTAL DA FALA

3.3.3. Corpus

Este estudo foi elaborado de forma a permitir a obtenção de um corpus homogêneo, visto que se trata de um estudo comparativo, e investigar o contraste de nasalidade sob diferentes ângulos. Desta forma, não utilizamos a fala espontânea que, a princípio, seria ideal por tratar-se de um padrão de fala habitual dos informantes em questão, mas que não propiciaria um material adequado para estudos comparativos, nem o controle das variáveis desejáveis (contexto fonético, padrão acentual, posição do vocábulo na frase).

Tendo em vista o exposto acima, optamos pela coleta de dados a partir da leitura de frases-veículo, conforme proposto por Jesus (1999) e Seara (2000), de forma que o informante não tivesse o modelo de fala da pesquisadora. Acreditamos ter obtido um padrão de fala próximo ao habitual, uma vez que todos os informantes eram leitores fluentes. Com o uso de frases-veículo ou de referência, foi também possível o controle do contexto fonético de cada som a ser analisado.

O corpus de cada indivíduo foi, portanto, constituído por três leituras da frase-veículo

pelo traço de nasalidade, com cada uma das sete vogais orais (/a/, /e/, /Ɛ/, /i/, /o/, /ɔ/ e /u/) e três consoantes orais (/b/, /d/ e /g/) do PB em que isto é possível:

- “cata”, “canta” e “cana”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /a/ encontra-se em sílaba inicial tônica e nos dois primeiros entre oclusivas não-vozeadas.

- “rede”, “rende” e “reme”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /e/ encontra-se em sílaba inicial tônica.

- “peca”, “penca” e “pena”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /Ɛ/ encontra-se em sílaba inicial tônica e nos dois primeiros entre oclusivas não-vozeadas.

- “quita”, “quinta” e “quina”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /i/ encontra-se em sílaba inicial tônica e nos dois primeiros entre oclusivas não-vozeadas.

- “coxa”, “concha” e “coma”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /o/ encontra-se em sílaba inicial tônica.

- “cota”, “conta” e “coma”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /ɔ/ encontra-se em sílaba inicial tônica e nos dois primeiros entre oclusivas não-vozeadas.

- “tuba”, “tumba” e “Tuma”: vocábulos dissílabos que contrastam pela nasalidade, cuja vogal /u/ encontra-se em sílaba inicial tônica.

- “bata” e “mata”: vocábulos dissílabos, cujas consoantes iniciais (/b/ e /m/) em sílaba tônica, contrastam-se pelo traço de nasalidade.

- “data” e “nata”: vocábulos dissílabos, cujas consoantes iniciais (/d/ e /n/) em sílaba tônica, contrastam-se pelo traço de nasalidade.

- “game” e “nhame” (da palavra “inhame”): vocábulos dissílabos, cujas consoantes iniciais (/g/ e /ɲ/) em sílaba tônica, contrastam-se pelo traço de nasalidade.4

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4

Gostaríamos de ressaltar que o par g/nh, por nós selecionado, não é um par mínimo perfeito, visto que o primeiro é um som velar e o segundo um som palatal. No entanto, incluiu-se o seu estudo, devido ao fato de que na fala do indivíduo com hipernasalidade, muitas vezes a produção do /g/ é realizada como uma velar nasal [], que pode ser reconhecido por ouvintes leigos como [ɲ].

Para a investigação da influência do padrão acentual no contraste de nasalidade, incluímos a leitura da frase-veículo supracitada com os vocábulos:

- “acabado” e “acamado”: vocábulos polissílabos, cujas consoantes da sílaba tônica medial (/b/ e /m/), contrastam-se pela nasalidade.

- “bicada” e “micada”: vocábulos trissílabos, cujas consoantes da sílaba átona, em posição pretônica (/b/ e /m/), contrastam-se pela nasalidade.

- “suba” e “suma”: vocábulos dissílabos, cujas consoantes da sílaba átona em posição postônica (/b/ e /m/), contrastam-se pela nasalidade.

Além disso, foram realizadas três leituras da frase de referência: “Eu disse _______, não ______.”, com os pares de vocábulos “bata” e “mata” e “cata” e “canta” (Ex: “Eu disse bata, não mata.” E depois: “Eu disse mata, não bata.”). Nestas frases, os vocábulos alvos apresentam funções pragmáticas distintas, sendo o primeiro a informação “nova” e o segundo a informação “dada”, o que implica em uma ênfase no primeiro. Visando obter uma fala mais próxima à habitual, antes de realizar a leitura destas frases, solicitamos aos informantes que imaginassem uma situação em que eles tentaram dizer uma palavra e seu ouvinte compreendeu outra, fato este muito corriqueiro na vida dos informantes com hipernasalidade, segundo relato deles próprios.

No presente estudo, optamos por utilizar todas as vogais para se ter um conhecimento geral do comportamento das vogais orais e nasais do PB. Sabe-se, no entanto, que a oposição entre vogais médias (ou médias-baixas) e médias-altas neutraliza-se nas vogais nasais, quando temos apenas /ẽ/ e /õ/ (CÂMARA JÚNIOR, 1953; CAGLIARI, 1977; PAIS, 1981). As línguas naturais não fazem a diferenciação entre vogais nasais médias-altas e médias-baixas (SILVA, 2002). Jesus (1999), em estudo anterior, havia abordado apenas as vogais /a/, /i/ e /u/, por ocuparem posições extremas no triângulo das vogais.

Procuramos ainda, dentro do possível, controlar o contexto fonético da vogal em questão, ou seja, a natureza das consoantes precedente e subseqüente e o contexto acentual, por serem fatores que influenciam, por exemplo, a duração dos segmentos vocálicos (MORAES e WETZELS, 1992). Desta forma, escolhemos analisar as vogais preferencialmente no ambiente entre oclusivas não vozeadas e em sílaba acentuada (tônica). Entretanto, em alguns casos isto não foi possível, por restrições da própria língua, visto que não foram encontrados exemplos, neste contexto fonético de palavras com contraste apenas de

nasalidade, para as vogais médias altas /e/ e /o/. Assim, foram incluídos no corpus os pares “rede” e “rende” e “coxa” e “concha”.

Também estudamos as três consoantes nasais do PB: /m/, consoante nasal bilabial vozeada, /n/, consoante nasal vozeada, que pode ocorrer com articulação dental ou alveolar (SILVA, 2002) e /ɲ/, consoante nasal palatal vozeada, embora esta última ocorra apenas em posição intervocálica (“banho”, “banheiro”, “pinha”, “manha”), com uma ocorrência em posição inicial restrita a poucas palavras por empréstimo, como “nhoque”, “nhambu”, geralmente com a pronúncia precedida pela vogal [i], “[i]nhoque” (CAGLIARI, 1977; SILVA, 2002). O segmento, que na ortografia é representado pelo dígrafo “nh” (“banho”), apresenta variação articulatória, sendo considerada um caso de alofonia de variação livre que marca características dialetais (CAGLIARI, 1977; SILVA, 2002). Pode ter a pronúncia [ɲ], pouco comum em falantes do PB, [ỹ] o que ocorre na maioria, ou ainda, [nj] para alguns falantes no Norte do país, conforme o exemplo “banho”: [‘bãɲU], [‘bãyU], [‘bãnjU] (SILVA, 2002).

A ordem de apresentação das frases para leitura foi pseudo-aleatória, ou seja, embora aleatória, tomamos o cuidado para que os pares ou trios não aparecessem seguidos uns dos outros.

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