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Ah! imagina só que loucura essa mistura Alegria, alegria é o estado que chamamos Bahia

De Todos os Santos, encantos e Axé/ sagrado e profano, o Baiano é carnaval Do corredor da história/ Vitória, Lapinha, Caminho de Areia

Pelas vias, pelas veias, escorre o sangue e o vinho/ pelo mangue, Pelourinho A pé ou de caminhão não pode faltar a fé, o carnaval vai passar Da Sé ao Campo-Grande somos os Filhos de Gandhi, de Dodô e Osmar

Por isso chame, chame, chame, chame gente

Que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta É um verdadeiro enxame/ chame chame gente

Que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta Ah!...a praça e o poeta14.

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A música "Chame Gente", cuja letra introduz este capítulo, foi gravada em 1985 e é reconhecida e divulgada na Bahia como o hino oficial do carnaval. É de se perder a conta de quantas vezes é tocada, em diversos estilos e arranjos, durante os dias da folia momesca de Salvador. O cantor que tornou a música conhecida também é parte da hi[e]stória da folia baiana: Moraes Moreira, o primeiro cantor de trio elétrico.

A escolha da introdução pela via da música tem várias razões. Inicialmente, por sua forte presença na festa e, como pano de fundo do trabalho, tentarei trazer na escritura dessa tese as cores e os sons daquela festa. Nesta Parte I, especialmente, há uma razão específica: uma das grandes questões colocadas no desenvolvimento desta pesquisa diz respeito à configuração das relações sociais em torno dos festejos, no contexto do carnaval do mercado. Sendo assim, está subentendido que o processo de atualização da festa, em consonância com uma estratégia de crescimento econômico do turismo na cidade de Salvador, traz consequências para essas relações. Assim, é necessário estabelecer um marco temporal para descrever o processo pelo qual a folia passa nessa estratégia desenvolvimentista – até como contexto para descrevê-la.

Não é possível precisar, em um processo social, uma única causa de seu desenvolvimento ou mesmo um ciclo temporal com início e fim. Falando especificamente do carnaval, os festejos remontam à constituição da população brasileira. Em Salvador, desde a fundação da cidade, com a chegada dos portugueses, os festejos já ocorriam com referência às relações sociais entre os diversos grupos sociais.

No entanto, para introduzir o período de interesse aqui abordado, aquele no qual o carnaval começa a se destacar como um grande evento de mercado, assumo a importância de um evento específico: o surgimento do trio elétrico, enquanto precursor de uma inovação musical e, mais especificamente, de outra maneira de brincar o carnaval (Góes, 1982).

Portanto, uma das questões que deve estar visível neste capítulo é a razão da escolha deste marco temporal, considerando o ambiente em que a inovação se instala, e as consequências que traz para os festejos.

Também já foi explicitado o interesse em tratar dos atores sociais em torno da festa. Por essa razão, este capítulo fará ainda um percurso não exaustivo pelo carnaval na cidade ao longo dos anos, propondo-se não a contar toda uma hi[e]stória, mas permitindo ao leitor ter em mente a sucessão de formas de brincar os dias de momo que foram mais expressivas naquela cidade e, principalmente, como as classes sociais se organizavam em torno dessa festa. Faz-se necessário esse caminho, pois, como espero que o leitor perceba, há uma sucessão desses (vários) modelos. Caminharei a passos largos por alguns modelos

carnavalescos, aprofundando, ao longo do trajeto, em momentos e inovações que são importantes por marcarem, de forma definitiva, os destinos futuros da festa, contextualizando algumas questões necessárias para compreensão da festa atual.

Iniciando o percurso, remonto aqui à primeira referência do carnaval em terras soteropolitanas encontrada ao longo da pesquisa, nas palavras de Nelson Varón Cadena:

Primeira semana de março de 1625 e cidade de Salvador testemunhava um Carnaval atípico, celebrado nas águas da Baía de Todos os Santos. O mar substituía a rua como palco das festas de Momo, em função das contingências da guerra. [...] Faltava de tudo na cidade. A população se alimentava de cavalos, cachorros, gatos e ratos, mas a carência não foi motivo bastante para sacrificar as festas da época. E então o Coronel Albert Van Dorth, ordenou uma semana de folia: “Diversos capitães de mar e guerra celebraram durante oito dias em seguidas e esplêndidas festas de Carnaval, com grandes banquetes de muito comer e beber”, relatou no seu diário Johann Georg Aldemburg”, testemunha da época, ele próprio militantes das fileiras batavas (2014, p. 15)15.

Passando pelo corredor da hi[e]stória carnavalesca, após deixarmos o navio holandês, o que se encontra na cidade de Salvador é o desenvolvimento do entrudo, festa portuguesa trazida pelos colonizadores, preparando os corpos e espíritos para os dias da Quaresma. A festa tinha como característica principal a algazarra, a pilhéria, a esculhambação, e a principal brincadeira era jogar, uns nos outros, artefatos chamados de limões de cheiro, pequenas bolas feitas de cera que recebiam no seu interior água ou outras substâncias menos nobres. Em Portugal, de onde é proveniente, era uma festa de pobres. Nas terras brasileiras é brincada pela elite e pelos escravos que, cada vez mais, chegavam à então capital da colônia. No entanto, cada um brincava no seu lugar: a rua era ocupada pelos escravos, que se divertiam nas vielas sujas de Salvador – especialmente a Rua Chile, que à época era a principal via arterial da cidade. A elite tinha as mesmas práticas, mas nos bailes ou dentro de suas casas, de onde atirava seus artefatos naqueles que transitavam pelas ruas. As interessantes imagens de Augustus Earle e Debret, datadas do início do século XVII, servem para demonstrar essas formas de divertimento; note-se que, na imagem que mostra a festa da elite, o negro apenas segura os artefatos:

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Na citação, o autor atribui sua citação (trecho entre aspas) a Johann George Aldemburg, com a seguinte referência: ANAES do Arquivo Público da Bahia. Vol. XXVI. Bahia, 1938. Invasão holandesa na Bahia por Johann George Aldemburg, p. 125.

Imagem 01: Aquarela de Augustus Earle (1822), entrudo das elites (Cadena 2014)

Imagem 02: Ilustração de Jean Baptiste Debret (1834), o entrudo nas ruas16

Enquanto o entrudo é a festa que chega ao país como um todo, na Bahia adquire suas feições locais, com a grande quantidade de negros escravos que, cada vez mais,

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Disponível em <http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2013/05/debret-e-a-negacao-do- neoclassicismo-brasileiro.html>. Acesso em 24 dez. 2015.

chegavam à capital da colônia. Há várias menções às festas consideradas rústicas e bárbaras que os negros faziam, usando de seus tambores e seus rituais religiosos, trazidas com eles de sua terra mãe, levando para as ruas aquilo que os cientistas alemães Von Martius e Spitz descreveram, em 1817, como o "barulho selvagem de negros exóticos, isto é, meio pagãos, cercado do bulício dos mulatos irrequietos"17.

O povo dali sempre se mostrou festeiro: já em 1727, as brincadeiras se estendiam por cinco dias, passando pela quarta-feira de cinzas, findando na quinta-feira. A proibição oficial do entrudo pelas autoridades é datada de fevereiro de 1853. Sua proibição, além de toda a sujeira e demonstração de maus costumes, justificava-se pelo fato de que o festejo era cada vez mais desqualificado pela imprensa e pelas autoridades, que também buscavam outras formas de comemorar os dias de Momo que não estivessem tão ligadas ao colonizador, e que fossem mais “civilizadas” (Cadena, 2014). É tempo de buscar a inspiração europeia, especialmente de Veneza e de Paris, com seus pomposos desfiles e bailes. As primeiras celebrações desse modelo nas terras soteropolitanas foram os bailes carnavalescos, fechados à elite, que se tornam frequentes nos anos 1840.

Em 1884 ocorrem as primeiras ações das autoridades locais para incentivar outras formas de festejos, mais condizentes com o estado de civilização e desenvolvimento em que acreditavam se encontrar, enfeitando as vias e organizando pequenos desfiles, sendo esta data considerada aquela em que ocorreu o primeiro desfile oficial da cidade. É nesse período que grupos começam a se organizar em sociedades carnavalescas, para promover seus luxuosos préstitos e desfiles.

Os clubes carnavalescos predominam entre o final do século XIX e meados do século XX. Nessa época, o carnaval oficial de Salvador era feito dos grandes e pomposos desfiles dos clubes, sendo três deles de maior destaque: Cruz Vermelha, Fantoches da Euterpe e Inocentes em Progresso, assim descritos por Milton Moura:

Em 1883, teve início o Carnaval do Fantoches da Euterpe, clube de elite. No ano seguinte, já se fazia o cortejo do carro de ideia, novidade seguida pelos grupos semelhantes. O destaque do Carnaval passava a ser o luxo dos préstitos e, em versão mais modesta, das pranchas, que podiam não passar de um tablado de madeira com alegorias temáticas deslizando sobre os trilhos do bonde. As ruas da Cidade Alta passavam a ser domínio dos corsos, sendo os mais brilhantes o

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Citação extraída de Cadena (2014), que apresenta a seguinte referência: Através da Bahia. Enxertos da obra Reise in Brasilein. Tradução de Pirajá da Silva e Paulo Wolf. Segunda edição. Imprensa Oficial do Estado. Bahia, 1928. pp. 82 e 83.

Fantoches da Euterpe, com a banda da Polícia Militar, e o Cruz Vermelha, com a banda do Corpo de Bombeiros, seguidos pelo Innocentes em Progresso, em 1900, Tenentes do Diabo e Democrata (2001, p. 190)18.

Dotados de grande indumentária e muitos adereços de inspiração europeia, desfilavam com grandes carros alegóricos, encenando seu tema anual cuidadosamente escolhido e demonstrado na avenida. O seu ponto máximo, em uma época em que a festa de Momo se estendia de domingo à terça, era o grande desfile da terça-feira. Os desfiles aconteciam geralmente à tarde e tinham como trajeto oficial o trecho do Terreiro de Jesus até o Campo Grande, que recebia ornamentação da prefeitura, com apoio de comerciantes locais.

Imagem 03: Carro alegórico Fantoches da Euterpe, 1937 (Cadena, 2014)

Além desses desfiles, era época dos bailes promovidos nos clubes para seus associados. Neles, a participação dos negros era meramente figurativa, ou exercendo ali suas atribuições, enquanto ainda escravos ou serviçais; algumas vezes, estavam ali presentes como parte da encenação, como se lê no relato de Vieira Filho, reproduzindo nota do Diário da Bahia de 11/03/1886, referente ao baile do Clube Cruz Vermelha no carnaval de 1886:

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Corsos eram carros abertos nos quais as famílias abastadas desfilavam suas fantasias, usados também pelos clubes carnavalescos nos seus desfiles.

Formados todos os clubs, ergueu-se o panno aparecendo em apoteose, no centro de uma nuvem, o anjo da liberdade, na figura de uma interessante creança, tendo a seus pés duas escravas, que forão por esta ocasião libertadas (Vieira Filho [1997, p. 41] apud Diário da Bahia [1886]).

Os negros (ou melhor, parte deles) se adequaram ao modelo vigente, com a criação de sociedades carnavalescas, sendo as mais expressivas a Embaixada Africana, criada em 1895, e o grupo Pândegos da África, de 1897. Mas, ainda segundo Viera Filho, mantêm nas ruas diversas manifestações carnavalescas, com se nota no seguinte trecho publicado no Jornal de Notícias, de 12/02/1901, apresentado por Nina Rodrigues, na clássica (e polêmica) obra Os Africanos no Brasil:

Refiro-me à grande festa do Carnaval e ao abuso que nela se tem introduzido com a apresentação de máscaras mal prontos, porcos e mesmo maltrapilhos e também ao modo por que se tem africanizado entre nós essa grande festa da civilização. Eu não trato aqui de clubes uniformizados e obedecendo a um ponto de vista de costumes africanos, como a Embaixada Africana, os Pândegos da África, etc.; porém acho que a autoridade deveria proibir esses batuques e candomblés que, em grande quantidade, alastram as ruas nesses dias produzindo essa enorme barulhada, sem tom nem som, como se estivéssemos na Quinta das Beatas ou no Engenho Velho, assim como essa mascarada vestida de saia e torço, entoando o tradicional samba, pois tudo isso e incompatível com o nosso estado de civilização (Rodrigues apud Vieira Filho, 1997, p. 10)19.

É patente a divisão entre manifestações “aceitáveis” e aquelas consideradas bárbaras. Essa aceitação é bem definida por Milton Moura, que indica bem a ideia de contraposição aos antigos festejos do entrudo:

Os mais fortes eram a Embaixada Africana [1895] e os Pândegos da África [1897], ambos de cortejo bem organizado, sem nada que desabonasse a ordem e o asseio dos associados. Eram negros candidatos a cidadãos de uma Bahia de bons costumes, bem comportada... (2001, p. 191).

Nessas sociedades, de comportamento baseado no modelo europeu, a referência africana era visível nos temas de seus desfiles, no enredo desenvolvido, nas indumentárias e

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Vieira Filho se refere à seguinte obra: Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil. 7ᵃ ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1988.

na música, mostrando a hi[e]stória de povos africanos, valorizando seus feitos, suas artes e sua cultura, o que leva Vieira Filho a indicar que aquelas sociedades já apresentavam sinais uma estratégia de autoafirmação das raízes africanas:

Quando reproduziam elementos utilizados pelos grandes clubes da época, fugindo das formas de organização das manifestações e dos folguedos mais tradicionais e reconhecidos como negros, procuravam uma nova forma de expressão, aceita pela sociedade da época, mas sem perder a dimensão da africanidade. Para tanto, utilizavam elementos como trajes de gala, charanga com instrumentos europeus tocando marchas e dobrados, programas escritos (fugindo da tradição da oralidade), fogos de bengala, cavalaria, carro de ideias (hoje alegóricos), etc. Entretanto, observamos, a incorporação aos desfiles de vários elementos da África: dobrados com os nomes “Menelik” e “Makonem” eram tocados, os grandes personagens africanos era sempre homenageados, a pomposa cavalaria era composta de zebras, etc. (1997, p.55).

É também Vieira Filho quem, na mesma obra, explicita que além dos grupos uniformizados, outras formas de festejos negros eram mantidos na rua. Vários pequenos grupos se mantinham, apesar do desagrado da elite e das autoridades, razão para haver pouco registro hi[e]stórico e jornalístico sobre eles entre o final do século XIX e o início do século XX. No entanto, uma referência usada por Edison Carneiro (apud Vieira Filho, idem), menciona uma série de afoxés naquele período, que já traziam a configuração dos ritos do candomblé20: Folia Africana, Lembranças dos Africanos, Papai Folia, Lanceiros da África, Mamãe Arrumaria, Lordes Ideais, Africanos em Pândega, Lutadores da África, Congos da África, Filhos d’Oxum, Filhas de Oxum, Filho de Obá e Lordes Africanos, entre outros21

. Voltando aos clubes da elite, Scott Ickes relata que a repercussão sobre a festa, ou seja, aquilo que era visto (e divulgado) como sua principal característica, não deixa dúvida da importância dada aos seus desfiles, desde o final do século XVIII até já quase a metade do século XX:

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Aqui aparece pela primeira vez no texto de Vieira Filho (1997) o termo afoxé. Cumpre por hora mencionar que se trata de blocos carnavalescos vinculados ao candomblé, geralmente ligados cada um a um determinado terreiro, que levam para avenida alguns símbolos e práticas daquele ritual, especialmente através da música e da dança, ambos chamados de ijexá. Retornaremos a ele adiante, ainda nesta parte.

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Vieira Filho indica que Edison Carneiro, em seu texto Folguedos Tradicionais (Rio de Janeiro: FUNART/INF, 1982) cita como fonte um velho negro africano, de nome Hilário Remídio das Virgens, que teria relacionado estas entidades.

A narrativa dominante do período que antecedia o carnaval era o interesse da mídia em saber se os clubes participariam ou não, quem seriam suas rainhas, o que aconteceria em seus eventos e quais seriam os temas de seus carros alegóricos. As tradicionais elites políticas e econômicas baianas, e principalmente seus filhos adultos jovens, continuaram a associar-se inteiramente com os três clubes de elite depois de 1930 (2013, p.209).

Enquanto perdurou esse modelo de grandes desfiles, havia uma divisão entre dois tipos de público: aquele que desfilava e aquele que assistia, ou, nos termos de Fred de Góes, (1982, p. 21) "um carnaval oficial, em forma de espetáculo, e outro que se desenvolvia em forma de festa. O primeiro era o carnaval feito para o povo, o segundo feito pelo povo. E o conjunto disso era o carnaval da Bahia". Enquanto a elite branca se exibia em seus carros e suas luxuosas fantasias (antes de seguir para seus suntuosos bailes), a população assistia ao longo da Rua Chile e da Avenida Sete, para isso ali instalando suas cadeiras, iniciando uma tradição que, anos mais tarde, inspirou os camarotes atuais. Fora do circuito oficial, aí sim, as outras camadas da população se divertiam, em formações de blocos, batucadas, cordões e afoxés.

O declínio dos clubes de elite acontece durante a Segunda Guerra e a crise econômica dela decorrente, inclusive pela dificuldade de importação dos adereços que sempre marcaram aqueles desfiles. Na década de 1940, seus desfiles praticamente deixaram de ocorrer. O vácuo provocado pelo seu desaparecimento é a razão, segundo Ickes, para o fortalecimento de outros tipos de entidade. É nesse período, compreendido entre os anos 1930 e 1950, que as ruas voltam a ser o ponto principal de desenvolvimento do carnaval, por meio dos cordões, batucadas e blocos de rua, formados especialmente pela classe trabalhadora da cidade. Nestes predominava o samba e, segundo Ickes, eram formados por vínculos de pertencimento anteriormente existentes:

As batucadas de Salvador, também apropriadamente conhecidas nos jornais como escolas de samba, eram na maioria das vezes totalmente masculinas, formadas por dez e vinte componentes com pronunciada influência e filiação à classe trabalhadora afro-baiana. Donald Pierson as descreveu como compostas por “invariavelmente negros ou mulatos escuros”. Efetivamente, uma banda de percussão itinerante. As batucadas tinham como base a vizinhança, embora quaisquer vínculos associativos pudessem reunir músicos e foliões a partir de uma variedade de bairros ou ocupações. Os trajes ou uniformes eram o que

implicava o maior gasto para os membros, mas também um ponto de orgulho. Cada indivíduo era responsável pela aquisição do tecido, contratava uma costureira ou fazia a sua própria costura. Como o nome batucadas indica, percussão e ritmos percussivos de samba eram particularmente o seu forte. Eles marchavam em fila única e tocavam os sucessos do momento, embora o estilo musical das batucadas fosse um tipo diferente da interpretação que se ouvia no rádio. Além disso, muitas batucadas tocavam músicas de sua própria criação. As batucadas, ou “sambas do morro”, como eram também conhecidas na Bahia, eram muito mais cruas e menos melódicas, tornando a prática cultural afro-baiana mais próxima das tradições musicais das classes trabalhadoras e de trabalhadores pobres de Salvador (2013, p.217) 22.

Seja pela falta de opção pela decadência do carnaval de elite que predominava nas ruas, ou pelo reconhecimento de uma estética interessante, as batucadas começam a receber atração da mídia e a serem identificadas como uma marca específica do carnaval de Salvador23.

Lembrando que este autor fala de um período que se inicia nos anos 1930, é quando identifico, pela primeira vez, leituras que começam a desenhar uma noção de baianidade, como uma estética e um modus vivendi diferenciados e específicos do local, conforme se nota a seguir:

Enquanto os clubes de elite viam minguar sua fortuna, jornalistas e autores abraçavam e elevavam os pequenos clubes a novos símbolos do carnaval e expressões performativas e rituais de baianidade. E nisso eles reservavam um papel especial para as batucadas. Como associações esmagadoramente afro-baianas (em suas origens, composição demográfica e expressão cultural), as batucadas e a

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Quanto à obra citada por Ickes, trata-se de PIERSON, Donald. Negroes in Brazil, a Study of Race Contact at Bahia. Chicago: University of Chicago Press, 1942. p. 201.

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Enquanto resgate hi[e]stórico, que tem por objetivo um panorama das principais características, deixarei de fora os acertos e usos políticos dos modelos carnavalescos. Como nota, ressalto que a composição de forças políticas em cada época influenciou o desenvolvimento e, especialmente, a visibilidade de cada modelo de organização carnavalesca. Ickes (2013) menciona o apoio do Estado Novo e dos políticos locais ao carnaval das elites, por meio dos clubes, no início do século XX, assim como a forma como os partidos e forças de esquerda deram ênfase às batucadas, manifestações da

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