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Correlação dos três grandes eixos de Foucault e os três aspectos de significado

No Esquema 2.6, pode-se visualizar a associação, sugerida por Fairclough (2003), dos três aspectos do significado e dos três eixos de Foucault. O eixo do poder relaciona-se com o significado acional; dessa forma, a Ação envolve não só a relação com os outros, mas também com a ação sobre os outros e com o poder. Por isso, entende-se que gêneros são modos de agir (ação) e de relacionar-se discursivamente em práticas sociais, ou seja, são as relações com os outros, sobre os outros e relações de poder. O eixo do saber vincula-se ao significado representacional; isso, porque Representação corresponde a discursos e formas particulares de representar o mundo, assim como “o controle sobre as coisas” e as relações com o conhecimento. O eixo da ética relaciona-se com o significado identificacional, na medida em que Identificação se liga às relações com a própria pessoa, como sujeitos morais. Consequentemente, as relações consigo mesmo as formas de identificar a si mesmo implicam identidades pessoais ou sociais e ética, ou seja, estilos.

A correlação dos Significados de Fairclough (2003) e dos Eixos de Foucault (1994), neste trabalho, pode ser ilustrada como: Eixo do poder - Significado acional: refere-se à parte documental; Eixo do saber - Significado representacional: concerne à maneira de como é feito o controle sobre as coisas; Eixo da ética - Significado identificacional: está associado às entrevistas feitas com adolescentes e jovens.

2.6.2 Discursos disciplinadores: o poder disciplinador como prática social

Interessa-nos, aqui, discutir o discurso disciplinador. Esse discurso envolve os elementos da ordem do discurso inseridos na prática social a qual, para Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21), corresponde a “maneiras recorrentes, situadas temporal e espacialmente, pelas quais agimos e interagimos no mundo”. Nesse diapasão, a manifestação da linguagem como discurso ocorre nas práticas sociais, o que acarreta, portanto, a impossibilidade de se desvincular os discursos disciplinadores de questões referentes a poder, ideologia e prática social.

Note-se que, apesar de supostamente se referir à mesma condição disciplinar, esse discurso é representado de maneiras diferentes e particulares. Silva (2012, p. 28) comenta que “em termos de potencialidade, pode haver em um texto diversos níveis de significados, ou seja, além de um sentido explícito, é possível encontrar-se toda uma gama de sentidos implícitos, ligados à intencionalidade de quem o escreveu”.

No aspecto semântico, há definições variadas para o vocábulo “disciplinador”. Guimarães (2007, p. 77) lembra que “uma semântica não pode deixar de tomar como

elemento fundamental de suas considerações e análises a referência, ou seja, relação de palavras com algo que está fora delas”. Partindo dessa assertiva, o autor acrescenta que “só é possível pensar na relação entre uma palavra e o que ocorre em virtude da relação de uma palavra a outra palavra”. Conforme sugerem Martin e Rose (2007, p. 74), “numa perspectiva gramatical, a oração é uma estrutura de palavras e grupo de palavras, mas numa estrutura semântica, a oração constrói uma atividade envolvendo pessoas e coisas”. Sendo assim, a vinculação entre a significação e a relação que cada palavra pode estabelecer com outra palavra são relevantes dentro do texto. Por isso, é necessário apontar o significado da palavra “disciplinador” que, segundo o dicionário Aurélio Buarque, refere-se a “o que ou aquele que faz manter a disciplina”. Disciplinador, então, refere-se à disciplina.

Como lembra Correia (2014, p. 7), existem dois tipos de disciplina: a exógena e a endógena. A disciplina exógena, para o autor, ocorre quando a escola se empenha para estabelecer parâmetros comportamentais nos alunos, ensinando, por meio de gestores do ensino, os valores institucionais e a forma de respeitá-los. Consequentemente, esse tipo de disciplina é fruto da ação disciplinar externa, por ação de alguém ou por regramento.

No contexto desta pesquisa, além do ambiente escolar, essa forma de disciplina pode se adequar também às Unidades de Internação. Isso denota que as normas de comportamento dos socioeducandos, dentro das Unidades de Internação, tais como andar sempre em fila e com as mãos para trás, não brigar, não desacatar servidor(a), policial e professor(a) estabelecem um padrão específico de comportamento dentro dessas instituições.

Por outro lado, a disciplina endógena é um modelo de comportamento manifestado de forma espontânea pelo adolescente, quando se observa a internalização “dos valores institucionais e a forte identidade com o regramento imposto, a ponto de haver a correta interpretação de procedimentos” (CORREIA, 2014). Esse conceito disciplinar, portanto, refere-se ao indivíduo que assimilou as regras impostas, manifestando-se como competência pessoal de dentro para fora. Nesse caso, um fator de suma importância é a autodisciplina, isto é, a disciplina exercida pelo próprio ser, seja no respeito a seus valores e a dos outros, nos princípios éticos, na saúde (alimentação, higiene), no estudo, no trabalho.

Ressalte-se que disciplina, autoridade e autoritarismo são, às vezes, erroneamente associados. Guillot (2008, p. 176) esclarece que “é a autoridade que dá sentido à disciplina, não é a disciplina que faz a autoridade”. Resulta que a autoridade, em instituições, ou no ambiente familiar, necessita recorrer a procedimentos que garantam a disciplina. Já o autoritarismo concerne a posturas e atitudes extremas do exercício de poder que, conforme

Sant’Anna (2010, p. 11), “raramente conduzem ao equilíbrio”, pois o respeito, a justiça e a ética tornam-se profundamente comprometidos.

Pode ser acoplado, nesse caso, o discurso aos significados e aos sentidos referentes à disciplina e a disciplinador, visto que cada discurso age de uma forma diferente na sociedade, pois nele estão inseridos traços de ação individual e social de quem o produz. Ademais, ele é recebido por um ser único, com suas crenças, valores, relações sociais, isto é, com sua própria visão de mundo. Por isso, o significado faz parte de determinado contexto e de determinada cultura.

Para Fairclough (2003, p. 28), ordens do discurso são configurações particulares e modos relativamente estáveis e duráveis de agir (gêneros que são relacionados à metafunção textual e a significados textuais acionais), de representar (discursos que são relacionados à metafunção ideacional e a significados textuais representacionais) e de ser (estilos que são relacionados à metafunção interpessoal e a significados textuais identitários). Dessa forma, são elementos da ordem do social e da ordem do cultural em todos os níveis: nas estruturas sociais, nas práticas sociais e nos eventos sociais. Ressalte-se que uma ordem de discurso envolve uma rede de práticas sociais no aspecto linguístico, ou seja, da língua.

Como mencionado, agir concerne à relação com os outros, sobre eles e com o poder; representar refere-se à representação; e ser coaduna-se com identidade. De acordo com Fairclough (2006, p. 31), os momentos discursivos ou semióticos são exemplos de ordem do discurso de uma instituição, dentro da qual se pode diferenciar discursos, gêneros e estilos característicos a cada uma. Nessa vertente, Revel (2005, p. 37) lembra que, para Foucault, a ordem do discurso de um período particular possui uma função normativa reguladora e coloca em funcionamento mecanismos de organização do real por meio de produção de saberes, de estratégias e de práticas.

A ADC, na visão fairclougheana (1999, p. 16), situa-se entre a Ciência Social Crítica e a Linguística Sistêmico-Funcional. Essa característica faz com que se torne uma estrutura analítica, teórico-metodológica, capaz de explicar o discurso e sua relação com o poder e a ideologia. Silva (2007, p. 9) lembra que a ideologia constitui um aspecto relevante para o estabelecimento e a manutenção das desigualdades nas relações de poder. Já o poder concerne às relações de diferença nas estruturas sociais. A linguagem, nesse sentido, expressa as relações de poder, bem como o envolvimento em que o poder é desafiado. Assim, o poder não é sinalizado somente por formas gramaticais em um texto, mas também pelo controle exercido em situações sociais específicas por meio de gêneros.

Cabe ressaltar que tanto na abordagem de Fairclough (1992, 2001, 2003, 2010) quanto na de Halliday (1985, 1994) existe a relação entre linguagem e identidade. Além disso, desvela-se como é distribuído o poder na sociedade. Nessa tangente, evidencia-se o quão importantes são as instituições na constituição de identidades, as quais são moldadas em um processo sócio-histórico pelas relações de poder que envolvem as práticas discursivas em contextos específicos.

No sentido ideológico do discurso, ao se analisar as relações de poder, o discurso disciplinador remete a uma relação assimétrica, o que evoca o pensamento de Thompson (2011, p. 76) de que sentidos ideológicos servem para “estabelecer e sustentar relações de dominação”, o que acarreta a existência de modos de ação da ideologia que naturalizam relações desiguais. Dentre essas relações desiguais, destacam-se as de gênero, as de grupos étnicos, as relações entre os indivíduos e o estado, as de estado-nação e as de blocos de estados-nação. Nesse viés, a Análise de Discurso Crítica acredita na relação dialética entre discurso e sociedade e considera que, com a mudança discursiva, é possível promover a mudança social.

Thompson (2011) compreende ideologia como o sentido a serviço da dominação. Por isso, o sentido a que o autor se refere é motivado pelas formas simbólicas que estão inseridas nos contextos sociais e que circulam no mundo social. Conforme Thompson (2011), formas simbólicas são:

um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos significativos. Falas linguísticas e expressões, sejam elas faladas ou escritas, são cruciais a esse respeito. Mas formas simbólicas podem também ser não linguísticas em sua natureza (por exemplo, uma imagem visual ou um construto que combina imagens e palavras). (THOMPSON, 2011, p. 79).

Assinala Thompson (2011) que uma situação pode ser descrita como de dominação quando relações de poder são sistematicamente assimétricas, ou seja, “quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira permanente e, em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes, ou a grupos de agentes, independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a efeito” (THOMPSON, 2011, p. 80). Partindo dessa premissa, uma forma simbólica parece ser ideológica quando, em um contexto sócio-histórico determinado, estabelece e sustenta relações de dominação. Por essa razão, é necessário que sejam contemplados os contextos sócio-históricos específicos nos quais essa forma simbólica é produzida, transmitida e recebida. No caso dos Colégios

Militares, a forma simbólica concerne a uma questão hierárquica, na qual a noção de respeito torna-se imprescindível para o estabelecimento da visão de poder e subordinação. Há uma relação de quem comanda e de quem é comandado. Já nas Unidades de Internação, essa forma simbólica parece ser remetida à punição que decorre do descumprimento das normas e das recomendações afixadas em medidas socioeducativas. A relação também é de quem comanda e de quem é comandado, de quem manda e de quem obedece à determinada ordem.

Sugere Thompson (2011, p.81-82) cinco modos pelos quais a ideologia pode operar: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação. Ressalte-se que, segundo o autor (2011, p. 82), esses cinco modos não são as únicas maneiras de a ideologia operar. Esses modos, porém, podem operar independentemente um do outro ou podem sobrepor-se e reforçar-se mutuamente, imbricando-se. A seguir, no Esquema 2.9, serão elencados os cinco modos propostos por Thompson. Apreciemos.

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