• Nenhum resultado encontrado

2.1 Os direitos humanos no SIDH

2.1.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana é o órgão jurisdicional que julga os casos de violaçãode direitos humanos no continente americano, interpretando e aplicando os direitos consagrados na Convenção Americana. Trata-se de tribunal internacional supranacional, capaz de condenar os Estados-partes na Convenção Americana por violação de direitos humanos (MAZZUOLI, 2010, p.889). Com sede em São José da Costa Rica, a Corte é composta por sete juízes nacionais dos Estados-partes da OEA, nomeados a título pessoal. Estes são eleitos por um prazo de seis anos, podendo ser reeleitos apenas uma vez.

A Corte possui competência de caráter consultivo e contencioso. A consultiva prima por interpretar os dispositivos da Convenção Americana e de outros tratados de direitos humanos no âmbito dos Estados Americanos. A contenciosa visa a solução de controvérsias apresentadas à Corte no que tange a denúncias de violações de direitos humanos nos Estados-parte da Convenção Americana.

Segundo Piovesan, na esfera colsultiva, qualquer membro da OEA (parte ou não da Convenção), pode requerer um parecer da Corte a respeito da interpretação do Tratado de São José ou de outro tratado sobre a proteção de direitos humanos nos Estados americanos. A Corte também pode emitir opinião a respeito da compatibilidade de preceitos das legislações domésticas dos Estados em relação a

outros instrumentos internacionais, realizando, desse modo, o chamado “controle da convencionalidade das leis” (PIOVESAN, 2013, p. 350).

Ainda, segundo a autora, por meio de sua jurisdição em matéria consultiva, a Corte tem realizado importantes contribuições conceituais no campo dos direitos humanos e contribuído para conferir maior uniformidade à interpretação de aspectos substanciais do Tratado de São José da Costa Rica e de outros tratados de direitos humanos. Dentre esses aspectos, pode-se citar “o alcance de sua competência consultiva, o sistema de reservas, as restrições à adoção da pena de morte, os limites ao direito de associação [...],a interpretação da Declaração Americana, as exceções ao esgotamento prévio dos recursos internos e a compatibilidade de leis internas em face da Convenção”(PIOVESAN, 2013, p. 351)

Pode-se citar, ainda, opiniões consultivas sobre os direitos humanos de crianças18; a respeito da interpretação do art. 55 do Tratado de São José da Costa Rica no tocante ao instituto do juiz ad hoc e à paridade de armas nas ações ante a Corte Interamericana19; sobre a imcompatibilidade entre a Convenção Americana e a filiação obrigatória de jornalistas, exigida pela lei costa-riquenha n.4.42020; a respeito da consideração do habeas corpus como garantia insuscetível de ser suspensa, mesmo em casos de emergência, em consideração ao art. 27 do Pacto de São José21, entre outras opiniões consultivas.

Na esfera contenciosa, as atribuições da Corte de julgar casos restringem-se somente aos Estados signatários da Convenção Americana que explicitamente se submetam à sua jurisdição contenciosa. Ademais, intera-se que apenas a Comissão e os Estados-partes podem apresentar casos à Corte. Diferentemente do sistema europeu de proteção aos direitos humanos, em que indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não governamentais podem protocolar petições à Corte Europeia, no sistema interamericano, apenas Estados-partes e a Comissão Interamericana têm acesso a essa garantia, excluido-se a legitimação de indivíduos, nos termos no art. 61 da Convenção Americana.

18 OC 17/02, de 28 de agosto de 2002. 19 OC 25/09, de 29 de setembro de 2009. 20 OC 5/85, de 13 de novembro de 1985. 21 OC 8/87, de 30 de janeiro de 1987.

Apesar de indivíduos não poderem demandar diretamente à Corte,o direito de participação das vítimas ou de seus representantes durante o processo é garantido pelo Regulamento da Corte Interamericana de 2009 (MAZZUOLI, 2010, p. 891).Segundo o art. 25 do Regumalemento, “depois de notificado o escrito de submissão do caso, conforme o artigo 39 deste Regulamento, as supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar de forma autônoma o seu escrito de petições, argumentos e provas e continuarão atuando dessa forma durante todo o processo”.Por meio dessa abertura legal é que grupos de ativismo jurídico transnacional participam dos processos na Corte, não como parte na ação, mas como auxiliadores na apresentação de provas e instigadores na condenação de Estados violadores de direitos humanos.

A competência contenciosa da Corte visa averiguar denúncias em que um Estado-parte violou direito protegido pela Convenção. Se de fato houver ocorrido violação, determinará a adoção de medidas que se façam necessárias à restauração do direito infringido ou, quando não possível essa restauração, o pagamento de uma justa compensação financeira à vítima ou a seus familiares. Segundo o art. 63,1, da Convenção Americana:

quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

As sentenças da Corte têm força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento. Estas também são definitivas e inapeláveis. Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance de uma sentença, pode-se requerer à Corte que a interprete, a pedido de qualquer das partes, desde que o pedido seja apresentado dentro de noventa dias a partir da data da notificação da sentença22.

Para isso, como foi dito anteriormente, é necessário que o Estado reconheça a jurisdiçãoda Corte, uma vez que esta é manifestada sob a forma de cláusula facultativa. Até novembro de 2016, dos vinte e cinco Estados que ratificaram a

Convenção Americana de Direitos Humanos, vinte e dois reconhecem a jurisdição contenciosa da Corte23.

Apesar de as sentenças da Corte serem vinculantes e obrigatórias, muitos Estados, na condição de demandados, simplesmente não cumprem parte das decisões das sentenças. Este é um dos grandes desafios enfrentados pelo sistema interamericano atualmente, o qual necessita de ser solucionado para que haja um maior respeito do sistema entre os países do continente e uma maior eficácia da proteção dos direitos humanos no âmbito americano.

Em referência ao tema, Antônio A. Cançado Trindade pondera que a Corte Interamericana, atualmente, possui uma especial preocupação em relação ao cumprimento de suas sentenças. Os Estados, de modo geral, cumprem com as reparações de cunho pecuniário, mas não fazem o mesmo em relação às indenizações de caráter não pecuniário, em especial as que se referem à investigação efetiva dos feitos que originaram as violações e a identificação e a sanção dos responsáveis pela violação, imprescindíveis para colocar fim à impunidade e suas consequencias negativas para o tecido social como um todo (TRINDADE; ROBLES, 2005, p. 337).

Ainda segundo Trindade, deveria existir no sistema interamericano um mecanismo de supervisão e execução das sentenças da corte, como ocorre no sistema europeu, pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Para ele, deveria existir no SIDH um órgão com função análoga, para previnir o descaso dos Estados com as determinações das sentenças. Atualmente, dada a carência institucional do sistema interamericano nessa área específica, a Corte exerce a motu proprio a supervisão da execução de suas sentenças. Mas a supervisão da fiel execução das sentenças da Corte, segundo a Convenção Americana, é uma tarefa que recai sobre o conjunto dos Estados Partes (TRINDADE; ROBLES, 2005, p. 336- 337).

Apesar dos desafios enfrentados no tocante ao cumprimento das decisões da Corte e da Comissão Interamericana, algumas delas são implementadas pelos

23 Fonte: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm. Acesso em 24 de novembro de 2016.

Estados, como será comprovado mais a frente. Normas e políticas públicas, por exemplo, têm sido criadas no âmbito interno do Estado brasileiro devido à oportunidade de litigância e proposição de denúncias na Comissão Interamericana.

O sistema interamericano detém notável importância para a proteção dos direitos humanos na região, sobretudo em fomentar avanços no regime de proteção de direitos humanos e impedir retrocessos nessa matéria. No dizer de Flávia Piovesan, “sistema interamericano salvou e continua salvando muitas vidas; tem contribuído de forma decisiva para a consolidação do Estado de Direito e das democracias na região; tem combatido a impunidade; e tem assegurado às vítimas o direito à esperança de que a justiça seja feita os direitos humanos sejam respeitados” (PIOVESAN, 2013, p. 367-368).