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3.3 Conteúdos: manuais de “boas maneiras”

3.3.1 Cortesia

59“Pesquisas realizadas confirmam o desconhecimento do nome verdadeiro da autora, que se assina com o

pseudônimo de Condessa de Gencé, e que tem nacionalidade francesa. Há uma breve referência que indica o ano de 1872 como o de seu nascimento, não havendo qualquer indicação sobre seu falecimento. A primeira edição desse manual de civilidade foi publicada na França em 1895 e, em 1909, apareceu a primeira tradução em português, editada pela Livraria Editora Guimarães & Cia., de Lisboa. Sua presença nas bibliotecas brasileiras particulares e escolares é perceptível, entre as décadas de 1910 e 1930” (CUNHA; MAGALDI, 2010, p. 150).

60Este livro encontra-se na seção de obras raras da Biblioteca Pública Benedito Leite, mas com o fechamento

117 A cortesia para uma mulher e, consequentemente, para um homem era a primeira projeção para estes serem tidos com “bem educados” e para a sua afirmação como elite. Desse modo, como declara Schwarcz (2002, p. 196), os menores gestos foram modelados e regulados,

[...] não havia lugar para livre manifestação dos sentimentos e intenções. Ao contrário, as expressões mais corriqueiras passam por séria revisão e tornam-se matéria a ser oficializada, assim como se normatizam curtas fórmulas na arte de cumprimentar ou agradecer, manifestar apreço ou tristeza, congratulação ou pesar. Nesse caso a cortesia, isto é, o cumprimentar, em qualquer situação, passa pelo crivo dos manuais. “O cumprimento é como moeda miúda, que corre de mão em mão, sem empobrecer ninguém” (GENCÉ, 1925, p. 5). É um dos primeiros indícios de “bom-tom”. Segundo a Condessa Gencé (1925, p. 5), “aqueles que, para não cumprimentarem, desviam os olhos, passam por grosseiros e os que não correspondem à saudação, passam por indelicados, e por ignorantes das regras de bem viver”. E como lembra Roquette (1998, p. 137), “os melhores cumprimentos [...] são os que nascem do coração, e se exprimem sem outra arte que a candura e a verdade [...]”.

Dessa forma, a saudação é um aspecto essencial da polidez, sendo, portanto, o cumprimento crucial para qualquer encontro seja na rua, na praça, na festa, numa visita, entre outros. Como mostra o comentário de João Oliver, ao ser cumprimentado por um homem “sacudindo-lhe a mão com mãos ambas”, disse: “Pena bizarra do galanteio feminil, salve! Respondeu o moço jornalista, numa curvatura entre o grotesco e o irônico, descobrindo-se com elegância, pegando do chapéu e do leque com a mão esquerda em cima do peito” (MORAES, 1982, p. 6), mostrando quão desprovido de “educação de salão” era o indivíduo que o cumprimentou.

O cumprimento de uma mulher, haja vista o seu papel perante a sociedade, deve ser reservado, sem exageros; no momento em que um homem cumprimentá-la deve fazê-lo com respeito e distância. Uma senhora, ao cumprimentar um homem no trânsito, pelas ruas da cidade, ele deve por certo “tirar o chapéu” e “inclinar o busto”; ela, como resposta, corresponderá inclinando a cabeça. Mas, a senhora deve corresponder “com uma inclinação na cabeça não tão acentuada que seja desgraciosa, nem tão pouco nítida que possa passar despercebida” (GENCÉ, 1925, p. 6). Essa prática tem como objetivo “marcar a distância entre as gerações [e sexos] e expressar respeito a uma jovem ou de uma jovem senhora para com uma senhora idosa” (MENSION-RIGAU, 1993, p. 171).

118 Laura Rosa61, por exemplo, educadora de destaque no início do século XX, mostrava que a “boa postura” era de fato uma preocupação constante na educação das mulheres. Como mostra seu artigo intitulado Beijos (O FEDERALISTA, 09 maio 1901), endereçado “as minhas leitoras”. Neste a autora se mostra incomodada com os constantes beijos que as moças trocavam pelas ruas da cidade, referindo-se a eles como segue:

Vejo beijos em toda parte dessa cidade e a todo o instante: nas lojas, nos armazéns, nas ruas, nos vapores, nos bonds, nos theatros, nos bailes, nas egrejas, e de um lado da face e de outro, e tac e tac, [...] para cá, tac e tac... para alli, e as vezes com tamanho choque que já parece toc e toc [...] e atiram com os chapéos fóra da cabeça, e ainda assim com o chapéo pendurado pelo grampo quase a cahir, continuam nos tac [...] até acabarem quantos sejam de rigor, conforme o numero das amigas que se encontram.

Logo em seguida, no mesmo artigo, a autora tratava da postura das moças, ou melhor, da moralidade, no que diz respeito ao beijo, pois estas não deveriam sair trocando beijos com todos que encontravam pelas ruas.

Vamos a moralidade: os beijos trocados em casa, em uma visita familiar, ou reunião intima, por exemplo, são os que teem melhor, ou por bem dizer, todo cabimento; em salões de cerimônia na alta sociedade, onde haja a aristocracia, à falta imperdoável, nos logares públicos, é simplesmente feio, nas egrejas então é intoleravel, uma grande falta de respeito e acatamento ao logar sagrado e falta de religião, para as religiosas, bem entendido!

Observamos, neste caso, a preocupação com a moralidade e a honra das meninas no momento do cumprimento, daí o controle da espontaneidade dos comportamentos, considerando que o comportamento da mulher deveria, via “educação de salão”, ser moldado, não lhe permitindo espontaneidade alguma por parte dela, ou seja, deveria manter-se serena e controlada. Isso porque os gestos de saudação para serem “belos” deviam estar acompanhados de um determinado espaço entre os corpos. Noutras palavras, “os gestos da saudação devem permanecer lentos e comedidos, indicando, assim, o perfeito domínio de si e o cuidado com a postura do corpo” (MENSION-RIGAU, 1993, p. 171).

O cumprimento de um homem deve ser recíproco e firme, pois “quando as senhoras entram no salão, o dono da casa curva-se, com tanta deferência, como se fosse ele que entrasse em casa delas” (GENCÉ, 1925, p. 7), para não passar despercebido, demonstrando educação, polidez e respeito.

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Laura Rosa, filha de Cecília da Conceição da Rosa e pai desconhecido, nasceu no dia 1º de outubro de 1884, em São Luís. Diplomou-se no dia 12 de janeiro de 1910, quando tinha 25 anos. O ingresso no mundo literário se deu com o pseudônimo Violeta do Campo. Fez parte da Academia Maranhense de Letras em 1943, apesar de as décadas de 20 e 40 terem sido as mais férteis de sua atividade literária, principalmente, na imprensa. Ver (MOTTA, 2003).

119 Um sinal de indelicadeza é o cumprimento com o cigarro: “O homem, não deve falar a uma senhora, conversando com o cigarro ou charuto na boca” (GENCÉ, 1925, p. 7). O correto, segundo a Condessa, é dissimulá-lo ou deitá-lo fora para conversar.

Reforçando características como fragilidade em relação à mulher, o aperto de mão deve conter delicadeza e elegância. Por exemplo, “o homem que retém, nas suas, a mão de uma senhora, comete o crime de lesa delicadeza”, pois “o aperto de mão deve ser natural e simples, sem exageros de gestos, que o tornariam ridículo” (GENCÉ, 1925, p. 8).

Convém salientarmos que a maioria dos cumprimentos que aparecem nos manuais a serem controlados diz respeito ao homem em direção à mulher ou vice-versa. Não é apresentado o cumprimento de um homem a outro homem, tampouco o de uma mulher a outra mulher, o que mostra a preocupação, já citada, de controlar a relação entre homens e mulheres.

Como forma de cortesia, temos também o gesto de oferecer o braço a uma senhora, e “nas poucas ocasiões em que o homem oferece o braço a uma senhora, é o braço direito que emprega e não como dantes o esquerdo”. E completa dizendo: “o lugar de uma senhora é sempre a direita do cavalheiro”. As ocasiões em que o homem oferece o braço a uma senhora são: “Na casa, onde é convidado, para conduzi-la a sala de jantar; num baile, para levá-la ao buffet; numa excursão, quando haja qualquer ladeira; na rua, quando uma grande aglomeração de gente [...], que torne necessário o gesto proteccinonista do homem” (GENCÉ, 1925, p. 9). E a senhora, como comportar-se?

A senhora, “ao oferecerem-lhe o braço, inclina a cabeça, graciosamente, e enfia o seu braço no do cavalheiro, para só o retirar no termino do percurso” (GENCÉ, 1925, p. 9), correspondendo ao homem com um cumprimento, leve e gracioso.

Apesar de estar direcionado aos homens, é importante lembrarmos que a mulher, esposa e mãe, na época era responsável por repassar tais comportamentos aos filhos. E ainda, notamos a reverência que os homens devem para com as mulheres, como seres que deveriam ser sempre respeitadas, cuidadas e amparadas por eles.

O sorriso é outro gesto que deve ser controlado, pois “o sorriso atrai simpatia, completa o gesto e assegura a popularidade” (GENCÉ, 1925, p. 10). Mas, “o sorriso pretencioso é detestável”. Isso vale principalmente para as mulheres, pois o sorrir pretensioso, ou em outras palavras, “pretencioso”, pode não ser delicado e sim sedutor, maculando a honra de uma moça ou senhora.

120 O bocejar e o espirrar também são tratados pela Condessa de Gencé (1925, p. 10- 11). Estes devem ser disfarçados com um lenço de “linho ou de seda ou de baptista”, o qual deve “sempre ser extremamente limpo”, servindo tanto para mulheres quanto para homens, da “boa sociedade”. O que demonstra preocupação tanto com a higiene quanto com uma postura refinada.

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