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Cosmologia e ecologia em As hiper mulheres

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE FÍLMICA COMO LEITURA ECOLOGIZANTE

3.3 Cosmologia e ecologia em As hiper mulheres

Todas as grandes questões ambientais brasileiras estão ligadas, direta ou indiretamente, à necessidade de crescimento econômico do país e ao modelo de produção vigente. Ressaltamos a problemática da disputa de terras que afeta os indígenas, os quilombolas, as comunidades tradicionais e os pequenos agricultores e que está intimamente atrelada ao crescimento do agronegócio, da mineração, da pecuária e da extração de madeira. Também podemos evidenciar os problemas relacionados ao modo de produção industrial e ao consumo com o desmatamento, a perda da biodiversidade, a contaminação do ar, da água e do solo, a escassez de recursos naturais e a gestão de resíduos, entre outros.

O Brasil conta com 239 povos indígenas que somam, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.40 As populações indígenas enfrentam diversos dilemas, como a disputa por terras, a manutenção de costumes e tradições e, em alguns casos extremos, inclusive problemáticas relacionadas à soberania alimentar. Os povos indígenas não são “naturalmente ecologistas”, mas geralmente fazem uso dos recursos de maneira a não comprometer sua sobrevivência no meio dada sua ligação e dependência biofísica em relação à natureza e, principalmente, seu elo cosmológico com o ambiente. Prova cabal são as imagens de satélites que mostram as terras indígenas (demarcadas) como os grandes oásis de conservação florestal.

É interessante recuperar aqui o conceito de indígena ecológico delineado por Garrard (2006) inserido dentro da categoria de análise, ou tropo, Habitar a Terra. Como visto no segundo capítulo, o conceito de indígena ecológico remonta à época dos grandes descobrimentos e persiste até hoje. A representação dos indígenas sempre em relação harmônica com a natureza e no papel de guardiões da mesma deve ser olhado com cuidado. O baixo impacto ecológico atribuído às etnias indígenas se baseia, na maioria dos casos, em seu sistema de crenças animista. Em diversas etnias os elementos da natureza como rios, pedras e animais são considerados como dotados de espírito por sua cosmologia animista, por isso o cuidado e a ligação tão profunda com esses elementos (GARRARD, 2006, p. 171). O conceito de indígena ecológico, portanto, é um estereótipo de origem européia ideologicamente carregado. Os indígenas não formam um todo hegemônico. Só no Brasil, como já visto, temos 239 povos indígenas, o que corresponde a uma diversidade importante de culturas e crenças. O modo de vida das comunidades indígenas está muito atrelado ao ambiente, pela coleta e cultivo de alimentos, pela caça, pela manufatura de suas ocas e objetos e também por suas tradições e mitos. É a partir desses conceitos que iremos pautar nossa leitura fílmica.

O documentário As hiper mulheres (2011) foi o primeiro filme de autoria indígena a chegar às salas comerciais dos cinemas brasileiros. O filme tem a direção compartilhada

40 Dados retirados do site: http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/populacao-indigena-no-brasil. Acessado em 10 de novembro de 2014.

entre Carlos Fausto, antropólogo do Museu Nacional que trabalha em conjunto com o Vídeo nas Aldeias (VNA) e a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu; Leonardo Sette, jovem cineasta pernambucano que durante vários anos participou intensamente do processo de oficinas do VNA, tendo contribuído na formação e nas produções de realizadores no Panará, Waimiri-Atroari, Xavante, Macuxi, Kuikuro, Ikpeng, Truká e Hunikui; e Takumã Kuikuro, indígena que participou das oficinas do VNA e desde então tem se dedicado à realização audiovisual. Três diretores homens, indígenas e não-indígenas que fazem um filme sobre um ritual feminino. O longa-metragem recebeu o prêmio Especial do Júri e o de Melhor Montagem no festival de Gramado e foi exibido na mostra competitiva do 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ambos em 2011.

O filme acompanha a preparação das mulheres para o ritual Jamurikumalu, a pedido de um ancião que teme pela morte de sua esposa idosa. Apenas duas mulheres sabem todos os cantos, a anciã e uma mulher, Kanu, que se encontra doente. Vemos todos os preparativos e ensaios para o evento que é, ao mesmo tempo, um perfeito registro da dinâmica, ora forte, ora frágil, das tradições orais. A presença da câmera na comunidade Kuikuro não é recente. Sua inserção se deu a partir de grandes câmeras trazidas pelos

kagaiha41, fotógrafos e cinegrafistas que vinham fazer reportagens para grandes emissoras. Atualmente, os Kuikuro fazem uso da câmera e produzem seus próprios filmes. Em 2002, surge a Associação Kuikuro do Alto Xingu, responsável pela execução dos projetos de documentação cultural e o Coletivo Kuikuro de Cinema, responsável pela gravação dos cantos e das festas assim como a realização de filmes em parceria com o VNA. Elucidativos são os depoimentos presentes no filme O manejo da câmera42 do cineasta indígena Takumã (um dos diretores de As hiper mulheres) e do cacique dos Kuikuro sobre a presença da câmera na comunidade, transcritos por Araújo em seu artigo sobre realização

41 Kagaiha na língua kuikuiro significa não-indígenas.

42 Kahehijü ügühütu, O manejo da câmera (2007). Curta dirigido pelo Coletivo Kuikuro de Cinema, produzido pelo VNA, Aikax e Documenta Kuikuro que mostra o cacique Afukaká, da etnia Kuikuro no Alto Xingu, contando sobre sua preocupação com as mudanças culturais da sua aldeia e seu plano de registro das tradições do seu povo, e os jovens cineastas indígenas narram a sua experiência neste trabalho.

de documentários por comunidades indígenas:

Quando eu era criança, quando eu tinha uns cinco anos, os brancos chegavam aqui, fotógrafos e cinegrafistas, aí, eu via as coisas deles, câmeras grandes, como da Rede Globo, que veio aqui faz tempo. Eu ficava espiando, andando atrás deles, e pensava: “Que máquinas são essas?” Eu ainda era criança, eu não sabia. Então, o cacique pensou em fazer a documentação na nossa aldeia, para não acabar o nosso costume (Depoimento do cineasta indígena Takumã).

Veja, muitos povos já perderam os seus cantos. Nós, os Kuikuro, ainda temos todos os nossos cantos verdadeiros. Foi por isso que eu pensei em criar a Associação para guardar nossos cantos.

Hoje, a comunidade já gosta das filmagens. A câmera é de todo mundo. Não é coisa minha, nem tua.

Eu me preocupo muito. As crianças ficam vendo televisão na aldeia. Todos assistem, não são só os Kuikuiro. Nós somos 14 povos no Parque do Xingu. E todos eles assistem. Eu mesmo gosto de assistir jornal, futebol.

(Depoimento do cacique dos Kuikuro). (ARAÚJO, 2012, p. 162).

É interessante perceber o processo de apropriação da câmera e da imagem de si pelos Kuikuro. Inicialmente, encaram a câmera como um elemento externo e alheio, que capta e leva embora as imagens da aldeia. Em um segundo momento, interessados no poder de registro da câmera e na busca por perpetuar sua memória coletiva e suas tradições orais, começam a produzir suas próprias imagens e narrativas. Em um texto publicado por Carlos Fausto (FAUSTO, 2011, p. 1) ele afirma que ao chegar à aldeia Kuikuro para seu trabalho de campo descobriu que os indígenas já lhe tinham elaborado um projeto. Queriam que documentasse os rituais para “guardar a sua cultura”, em especial os cantos presentes em diversos rituais do Alto Xingu. A demanda pelo registro das tradições surgiu dentro da aldeia e fez com que fossem criados a Associação Kuikuro do Alto Xingu e o Coletivo Kuikuro de Cinema, já mencionados anteriormente.

A naturalidade com que os Kuikuro lidam com a presença da câmera está plasmada no documentário As hiper mulheres. Os indígenas parecem não se importar com sua

presença. Supomos que essa naturalidade se deva a diversos fatores. O primeiro seria a presença da câmera há décadas na comunidade Kuikuro, como visto acima. As imagens e o áudio do filme foram todos captados por integrantes da comunidade, Mahajugi Kuikuro, Munai Kuikuro e Takumã Kuikuro. O olhar íntimo perpassa todo o filme. Percebemos a proximidade entre o filmador e o filmado, quase uma auto-etnografia. Importante frisar que o filme é uma codireção entre indígenas e não-indígenas, ou seja, há uma mistura nas relações de quem filma e quem é filmado. Além do olhar íntimo, outro aspecto das imagens é a câmera em cena; diante dela encenam os corpos. O documentário trabalha muito com os paralelos de proximidade e distanciamento como, por exemplo, a dicotomia dentro das casas e ao ar livre, ou ainda, o olhar recuado e a performance diante da câmera. Os índios performam-se para os índios reafirmando suas tradições e “autenticidade”, e performam-se para os kagaiha, reafirmando-se enquanto outro, marcando a diferença interétnica e intercultural (CÉSAR, 2012).

A cena de abertura do filme é bastante encenada. Em um momento o ancião diz para sua mulher: “Pergunta como foi”. Durante todo o desenvolvimento da narrativa há falas e atos pensados para a captação da câmera. A encenação não é algo alheio ao cotidiano dos Kuikuro. Há uma cena de um indígena que, enquanto tece um cesto, conta que enganam os

kagaiha, porque os kagaiha sempre mentem para eles. Narra um momento em que

cantaram músicas que só as mulheres cantam e ri dos kagaiha que acreditaram na encenação. Nota-se que os Kuikuro têm uma relação intensa com a cultura dos kagaiha que está presente em muitos elementos registrados pelo filme, como a camiseta de Darth Vader usada pelo indígena que faz o cesto, a caminhonete que os leva até a roça, as bicicletas, os médicos kagaiha que vão visitar Kanu, as vestimentas e sapatos, os celulares com os quais muitos dos convidados filmam o ritual. A produção cinematográfica também é uma apropriação da cultura dos kagaiha, mas que foi apropriada não só para salvaguardar suas tradições, mas também como instrumento de luta política.

O documentário busca aproximar-se do outro, dos indígenas, procura revelar o que compartilhamos como eles e pede uma postura de encontro do espectador, no sentido do não exotismo. Carlos Fausto afirma em entrevista concedida a Felipe Milanez:

O filme não quer ensinar, nem explicar nada. É um musical, que fala da transmissão oral dos cantos, através de personagens e dramas humanos. Ele não pretende exotizar – o que se vê nas telas são pessoas com seus dramas e alegrias (FAUSTO, 2013).

Acercamo-nos ao mundo do outro acompanhando o processo fluido das tradições orais e de como transmitem seus cantos. Na aldeia, só duas mulheres sabem todas as canções, evidência da fragilidade de sua transmissão; é preciso cantar para internalizá-las. Há uma cena na qual uma anciã canta para ensinar uma menina que a observa atentamente. A anciã diz que vai cantar só a primeira parte para ensinar pouco a pouco a menina e que só quando ela acordar lembrando-se da música estará realmente aprendendo. Na mesma cena, a senhora se diz preocupada, pois ninguém vai substituí-la no ensino dos cantos na aldeia, visto que ninguém está aprendendo o Jamurikumalu.

O registro das tradições orais tem relevância para os Kuikuro e nesse intuito buscaram trazer mecanismos para seu registro. Em As hiper mulheres vemos a preocupação com a documentação em três instâncias: 1) na própria decisão de fazer o filme; 2) no momento em que um ancião busca várias linhas com nós (cada linha representa um canto, tal qual a “partitura” de uma música, para ensinar à sua filha); 3) na cena em que uma mulher busca um gravador cassete para ouvir os cantos que estão lá gravados. A transmissão das tradições orais carrega uma fragilidade intrínseca que é a falta do documento, e os Kuikuro fazem uso do registro para que elas não se percam. Mas, parte da dinâmica das tradições orais é a abertura mesma para inserção de novos elementos, como um telefone-sem-fio geracional, em que todos tentam passar para a geração seguinte o que lhes foi ensinado da maneira mais fiel. No entanto, sempre há elementos inseridos na narrativa. O importante é que o fio não se corte, o que temem os Kuikuro, e por isso transformam a dinâmica da tradição oral e se apropriam do registro audiovisual para evitar sua perda.

O mito das Hiper Mulheres é apresentado em takes intercalados de uma mulher, Kanu, e um homem. O conflito surge após as mulheres da aldeia cantarem: “Fiquem aí abandonados, largados na rede/ morrendo de ciúmes por terem sido abandonados”. Esse

canto gera uma mágoa nos homens. Eles então decidem ir pescar, enquanto as mulheres ficam na aldeia cantando e dançando. Os homens não voltam no dia combinado e as mulheres se perguntam o que houve, será porque não encontraram peixe? Preocupada, uma delas pede para seu filho procurar seu pai e ver o que está acontecendo. Quando o filho regressa diz que algo muito estranho aconteceu, que seu pai e seus tios se transformaram em bichos monstruosos. Os olhos nasciam em cima da cabeça e os dentes saíam detrás da cabeça, os braços e o dorso eram tomados por pêlos, todos tinham virado bicho. As mulheres então deram o troco: buscaram resina de árvore para misturar em sua pintura, desta vez diferente, como bichos, e começam elas também a se transformar. Uma delas pega uma formiga e pica seu próprio clitóris e desta maneira consegue seu falo. Passam no corpo uma planta para entrarem em transe, transformam-se e dançam sem parar. Ou seja, é o mito de uma terra sem homens que viraram bichos monstruosos e de mulheres que se transformam em bichos-espírito e que congregam os dois gêneros.

A narrativa do filme pode ser considerada como uma performance do mito das Hiper Mulheres. A cena de abertura é o pedido do ancião para que realizem o ritual a fim de que sua mulher possa cantar uma última vez. Em outra cena, depois de um dia inteiro de ensaio, as mulheres decidem provocar os homens, deitam nas redes e dizem que não podem ser rejeitadas. Seus cantos provocativos têm conotação sexual. Os homens aceitam o desafio e vão para o centro da aldeia cantar e depois brincam com as mulheres. Na manhã seguinte, continuam com a brincadeira e com as músicas. O sexo é tratado de maneira simples, com humor, uma sensualidade divertida. A provocação a partir do canto das mulheres foi o que deu início ao mito e é vivenciada pelas indígenas enquanto ensaiam o ritual.

No mito, após o desafio, os homens decidem pescar. No filme, para receberem os povos convidados Mehinaku, Wauja, Yawalapiti para o ritual, os homens da aldeia também saem para pescar o que vão servir para os visitantes. A personagem principal, Kanu, vai até o meio da aldeia e diz para todos se prepararem porque os homens chegaram com os peixes. As mulheres acompanham os homens com os cestos cheios dançando e cantando.

Os convidados e os homens Kuikuro organizam-se, então, no meio da aldeia para ver o Jamirikumalu. As mulheres saem da oca em fila, todas adornadas e com a pele pintada

como animais, cantando e dançando. Elas cantam: “Eu sou uma Hiper Mulher”. Um dos homens comenta: “É tudo espírito. Tudo espírito com pintura de Hiper Mulher”. É o ritual que atualiza o mito. Depois das danças e cantos as mulheres vão ao centro lutar. São as Hiper Mulheres, bichos-espíritos de mulheres com falo. Quando terminam as lutas, distribuem peixes assados e bebida entre os convidados e as famílias Kuikuro. Mas o filme não termina no ritual, pois regressamos à tradição oral: Kanu canta com sua filha, há um

fade para o negro e continuamos a escutar as duas cantando. O fio ainda não foi cortado. A

mensagem final é positiva, a tradição continua sendo passada de geração em geração. Como declarou Carlos Fausto em entrevista:

[O filme] Mostra como um trabalho sensível, cuidadoso, de longo diálogo e envolvimento com uma comunidade indígena conduz a uma sinergia positiva, uma troca em que ambas as partes têm a ganhar. Esse envolvimento requer a capacidade de escuta de parte a parte. E é justamente a capacidade para ouvir as reivindicações dos índios, o que falta neste momento. (FAUSTO, 2013)

No documentário As hiper mulheres rompe com o conceito do indígena ecológico por apresentar sua cosmologia, seu modo de ver e viver o mundo. O filme registra o mito através do ritual das mulheres. Para além do registro tem toda sua narrativa atuando como uma metáfora do mito, trazendo assim a dimensão de sua cosmologia de maneira muito forte. Esse envolvimento e esse diálogo entre a comunidade e os realizadores, um destes integrante da mesma comunidade, logra apresentar seu modo de vida de maneira não caricata no filme, retratando sua ligação com a natureza a partir de sua cosmologia, não como protetores ecológicos do entorno em seu sentido moderno, mas como tendo suas vidas ligadas diametralmente à natureza, tanto física quanto espiritualmente. Em primeiro plano, temos no documentário, o registro das tradições orais e o ritual Jamurikumalu, mas as relações entre a sociedade Kuikuro e a natureza, seja através de sua cosmologia ou de seu modo de vida, impregnam todo o filme.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossa pesquisa procuramos nos debruçar sobre as representações do meio ambiente e suas questões pela cinematografia nacional, mais especificamente pelo documentário brasileiro. A cinematografia que traz a temática ambiental em sua narrativa, cenário ou, inclusive, como personagem, é denominada por diversos autores e instituições como cinema ambiental, ou cinema ecológico, ou ainda ecocinema, entre outras denominações. Nosso intuito foi fazer uma reflexão sobre essa categoria fluida que se rearranja de acordo com os critérios e fronteiras estabelecidos por cada autor ou instituição. É uma categoria temática e circunstancial, que tem como ponto de convergência a representação do meio ambiente e das relações estabelecidas entre organismos e ambiente em maior ou menor grau.

Elaboramos uma retrospectiva histórica de alguns documentários nacionais, desde seus primórdios aos dias de hoje, que trouxeram as relações entre organismos e ambiente em sua estrutura estilística e narrativa de maneira explícita ou tangencial. Nosso recorte a partir do domínio do documentário foi definido pela projeção desse domínio nas pesquisas relacionadas ao cinema ambiental e na seleção de filmes pelos festivais dedicados a esse “sub-gênero”. Destacamos documentários nacionais representativos desde o primeiro cinema, que retratava o exotismo da natureza, ora atraído por sua “fartura” e “vistosidade”, ora impressionado com seu caráter “selvagem”, passando pelos documentários de caráter ufanistas onde a natureza era representada como força exuberante e, ao mesmo tempo, como potencial para o crescimento econômico do país. Em seguida, sublinhamos outra tendência, aquela de viés sociológico nos documentários. Aqui o meio ambiente aparece em sua relação com as sociedades e seus modos de vida. Percorremos as realizações mais recentes nas quais vemos o ambiente e suas questões presentes em registros sobre modos de vida, em documentários de denúncia, em biografias de personalidades engajadas na causa ecológica, em experiências narrativas e estéticas, e representações diversas.

Dado o caráter instável e pouco preciso da definição de cinema ambiental e a abrangência algo ampla de nossa retrospectiva de documentários que trouxeram à baila a

temática, algumas questões nos desafiavam: que postura adotar, enquanto espectadores e críticos, diante desses filmes? De que forma lidar com o debate sobre o meio ambiente no âmbito cinematográfico? Buscando responder a essas perguntas fomos ao encontro de um procedimento satisfatório que nomeamos de leitura ecologizante à qual apresentamos em nosso segundo capítulo. Documentários que trazem o tema ambiental de maneira mais ou menos evidente são numerosos, conforme elencamos em nosso primeiro capítulo, mas como trabalhar com eles para além de sua temática, visto que a maneira mais corrente de trabalhar com filmes ditos ambientais é trazer para o debate sua temática? Os filmes trazem em si outros elementos que devem ser considerados, como sua estética, seu estilo narrativo, os posicionamentos ideológicos que regem suas escolhas éticas etc. Para tanto, nos esforçamos em oferecer ao leitor uma metodologia de análise, em realidade uma indicação de leitura dos filmes, uma dentre as inúmeras possíveis, que compreende o filme enquanto um documento das percepções e representações das relações entre os organismos e o ambiente que o cerca, que denominamos leitura ecologizante.

Iniciamos nossa proposta definindo nossa concepção de ecologia, que é bastante ampla, abrangendo não só as relações entre os organismos e as sociedades com os

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