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Em Monte Santo, as tradições culturais, - que sempre tiveram uma forte ligação à religiosidade local e que possuíam grande representatividade, por meio das festas, danças, artes e músicas especiais -, hoje praticamente estão extintas.

A atividade mais importante e comum da população, principalmente o visitante e itinerante, é religiosa, que consiste em subir o Monte, percorrendo o Santuário da Santa Cruz, ato que acontece há séculos. A cultura local sempre foi caracterizada pela predominância do Monte Santo, como foi batizada a Serra de Piquaraçá.

No começo do século passado, tem-se notícia de que o professor Manoel Felipe Moreira Barreto, os servidores públicos, José Moreira Barreto e Demóstenes Barreto, criaram, em 1925, a filarmônica Lyra Monte-santense, - que com a chegada do rádio se transformou em Sociedade Rádio Recreativa Monte-santense -, formando mais de trinta músicos (SANTOS, 1997, p.181) (Fig. 15). Em 1927, é fundada a segunda filarmônica denominada Lyra Santa Cruz, patrocinada pelo chefe político local, senhor Galdino Andrade e pelo Cônego Francisco Berenguer. As bandas musicais se faziam presentes em todas as solenidades cívicas, religiosas, casamentos, atos fúnebres, etc. Constantemente compareciam em outras cidades para animar diversos festejos (OLIVEIRA, 2002, p.23).

Fig. 15 – Lyra Monte-santense Fonte: Acervo de Hildegardo Cordeiro (1925)

Todo final de ano, segundo Carmem Barreto, entre dezembro e janeiro, a família Barreto organizava e dirigia os tradicionais Ternos de Reis, para as moças, rapazes e crianças. Eram denominados Pérolas Sertanejas, Margaridas, Esperança, Ciganas e Camponesas. Os ternos eram cantados na igreja, nas ruas e nas residências, sempre junto aos presépios. Os cavalheiros levavam arcos, ou caramanchões, enfeitados com arranjos de flores e lanternas, com velas. Como não havia iluminação elétrica na cidade, os colaboradores iluminavam as ruas com ―petromax‖, um lampião à base de querosene, que funcionava com pressão.

Todos os 31 dias do mês de maio, por exemplo, era comemorada, com um grande envolvimento da comunidade, Maria Santíssima, na Igreja Matriz. De acordo com Santos:

Cada dia os festejos ficavam sob a responsabilidade de uma família. Pela manhã, havia a alvorada, com salva de fogos às 6 horas. Ao meio dia novamente uma chuva de foguetes. Às 18 horas, nova saudação e a hora da Ave Maria. Depois, se davam as orações na igreja toda enfeitada pela família. As pessoas iam ofertar a Nossa Senhora ramalhetes de flores. Depois acontecia nova queima de fogos e espetáculo pirotécnico de rara beleza juntamente com a subida de balões. Havia competição e até júri para julgar a melhor noite do Mês de Maria. Invariavelmente ganhava a do dia 31, sob a responsabilidade das crianças, pela beleza natural que elas emprestavam. A disputa então era pelo segundo lugar (SANTOS, out. 2013).

Além das comemorações religiosas tradicionais, em atenção ao sertanejo, na

década de 1940 foi instituída, pelo Monsenhor Francisco Berenguer17, a Festa dos

Vaqueiros, realizada anualmente no mês de setembro. Nesse dia dedicado aos vaqueiros era realizado um desfile, por todas as ruas da cidade, formado por vaqueiros, vestindo suas indumentárias de couro, montados em cavalos engalanados. No fim do desfile, se rezava a missa dos vaqueiros (OLIVEIRA, 2002, p. 25). Essa festa perdeu sua tradição não sendo mais realizada com originalidade na atualidade. Alguns povoados como o de Algo Alegre promove a comemoração

dedicada aos vaqueiros no mês de setembro, promovendo a corrida de argolinhas18

durante o dia e festa dançante à noite.

17

Padre que permaneceu por mais de trinta anos à frente da Paróquia de Monte Santo.

18 Consiste em um arco, ou poste todo enfeitado de papel colorido, do qual pende amarrada por um barbante, uma pequena argola, do tamanho de um anel, que deve ser retirada com a ponta da lança feita em madeira, pelo cavaleiro em disparada.

Ainda hoje em outras datas do ano, ocorrem manifestações religiosas, porém com uma maior participação da população da cidade e, principalmente, a da zona rural, como a coroação de Nossa Senhora no dia 31 de maio, e festa do Corpo de Deus em junho. Fora o calendário tradicional das duas romarias, excursões compostas por religiosos e estudantes de origens diversas, visitam a cidade.

Os festejos do mês de junho eram animados por quadrilhas, sanfoneiros, além do tradicional concurso de balões, em praça pública. Iniciavam-se no dia 13 homenageando Santo Antônio, dias 23 e 24 comemorando São João e 28 e 29 com a festa de São Pedro (SANTOS, 1997 p. 117). Em 1963 as quadrilhas tiveram participação do elenco do filme ―Deus e o Diabo na terra do sol‖, de Glauber Rocha, que estava sendo filmado na cidade. As comemorações juninas ainda permanecem na zona rural de Monte Santo, principalmente nos povoados de Santo Antônio, Lagoa das Pedras, Lagoa do Saco e Pedra Vermelha.

No ano de 1951, foi instalado em Monte Santo, ao lado da casa paroquial, na antiga Praça da Matriz, um cinema com a denominação de Cine Teatro São José, que funcionou até o início da década de 1980. Filmes e peças teatrais eram apresentados semanalmente à comunidade local (OLIVEIRA, 2002, p.17).

As marchinhas de carnaval marcaram outra data festiva da cidade. Os foliões percorriam as ruas da cidade andando e dançando ao ritmo instrumentos de sopro e percussão. O Clube Cultural de Monte Santo, também promovia bailes de carnaval no período festivo (SANTOS, 1997, p. 37). Hoje essa tradição não existe mais.

As atividades de lazer e entretenimento em Monte Santo são limitadas. Os jovens se divertem nos bares, onde é constante a concentração, principalmente na Praça Professor Salgado. Os grupos de jovens da Igreja Católica e das evangélicas promovem eventos como gincanas, festivais de música e teatro, entretanto, o número de envolvidos é reduzido. Os mais velhos jogam baralho e dominó em alguns bares, além de participarem de programas sociais promovidos pela Secretaria de Assistência Social, como aqueles direcionados para a terceira idade.

As lan-houses atraem aqueles que, mesmo com baixo poder aquisitivo, estão envolvidos com as redes sociais e os aspectos da modernidade. Outra opção de diversão é ouvir a rádio local Piquaraçá FM, com programação variada, atendendo todos os gostos musicais.

Os católicos, que são a maioria na cidade, frequentam as missas realizadas às quintas-feiras à noite, sextas-feiras pela manhã e aos domingos pela manhã e noite.

As escolas promovem desfiles no período da Semana da Pátria, além de festivais e feiras temáticas como literatura e ciências, durante o ano letivo.

O município possui algumas construções importantes e que mereceram destaque. Em 1981, o prefeito Antônio Cordeiro de Andrade, mediante o Decreto Municipal nº 33/81 (IPAC, 1999), declarou um casarão, na rua Apolônio de Todi, datado do início do século XX, juntamente com seu terreno, como monumento de utilidade pública, para efeito de desapropriação, visando instalar um museu da cidade. Em 1982, depois de doada pelo Município ao Governo do Estado, a casa foi restaurada, com recursos da Empreendimentos Turísticos da Bahia, e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), para servir de sede ao Museu do Sertão (Fig. 16), inaugurado em 1º de novembro desse ano.

O projeto do Museu foi elaborado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), possuindo 5 salões de exposição e 1 pequeno auditório com 30 lugares para realização de reuniões (IPAC, 1999). Ele possui grande e importante acervo de objetos e lembranças da Guerra de Canudos (Fig. 17), - como fotos da época e armas utilizadas -, além de objetos que representam as tradições locais, quer religiosas, como a coleção de ex-votos (Fig. 18) e peças artesanais, quer obras do artista plástico Mario Cravo Junior e Juracy Dórea, além uma réplica do meteorito Bendegó (Fig. 19).

Fig. 16 – Museu do Sertão de Monte Santo Foto: Raimundo Pinheiro, 2009.

Fig. 17 – Armas utilizadas na Campanha de Canudos - Museu do Sertão Fonte: Raimundo Pinheiro, 2009

Fig. 18 – Coleção de ex-votos do Museu do Sertão Foto: Raimundo Pinheiro, 2012

Fig. 19 – Réplica do meteorito Bendegó – Museu do Sertão Fonte: Raimundo Pinheiro, 2009

A instituição disponibiliza à população, espaço físico e material de pesquisa iconográfica e bibliográfica. A biblioteca não funciona mais no local, e o destino do acervo não foi identificado. O Museu do Sertão, hoje, se encontra fechado para

reforma19.

19

Desde janeiro de 2013, o Museu do Sertão foi fechado com a justificativa de que o casarão necessitaria de reformas na sua estrutura e telhado. A Prefeitura afirma que, sem a ajuda do Governo

Ao ver de Paes (2009), a identidade cultural de um lugar é territorializada quando as atividades, símbolos ou manifestações diversas exercem uma forte influência sobre a população. A espacialidade, que esses símbolos atingem, é que justifica sua patrimonialização por estar ligado à identidade cultural de determinado território.

O santuário da Santa Cruz representa o principal bem material e imaterial, no cenário cultural religioso, por fazer parte da memória e identidade da cidade. O local possui aspectos marcados por um tempo sagrado periódico, que envolve a memória social daqueles, que movidos pela fé, transformaram uma paisagem natural em um patrimônio de referência, normalmente bem reconhecido durante os períodos sem peregrinações.

No sentido de envolver a sociedade no processo de valorização e preservação do patrimônio que existe nos lugares, Paes (2009) afirma que:

O patrimônio cultural é herança, mas é também propriedade. Não é só a expressão da sociedade, ele movimenta, aviva, põe em evidência as passagens, as vias de acesso entre o material e o simbólico, entre o sujeito e o seu meio, entre uma razão prática e uma razão simbólica. O patrimônio cultural torna-se um fato social [...] patrimonialização envolve, então, um conjunto de práticas sociais, desde as mais diversas formas de produção cultural, de saberes simbólicos e técnicos, até os inúmeros processos de institucionalização do patrimônio como tal, que permitem a preservação dos bens culturais (PAES, 2009, p. 163-164).

O exposto testemunha, não só a importância em preservar os edifícios civis e religiosos, quanto à paisagem local, que apresentam possibilidades de exploração do seu valor histórico-cultural. Isto deve ocorrer, como uma marca do sertão baiano, de forma integrada com os demais municípios da microrregião de Euclides da

Cunha, em especial com os que possuem particularidades similares, como Canudos,

Euclides da Cunha e Uauá.

do Estado, não poderá realizar as obras necessárias. Em função disso, o museu continuará fechado à visitação. Inúmeras denúncias vêm sendo feitas, pelos meios de comunicação, sobre o desaparecimento de peças do acervo do Museu.

CAPÍTULO 2