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A análise da sala de aula nos mostrou conflitos e tensões entre os diversos sujeitos presentes, revelando uma trama complexa nas relações professor -aluno e aluno-aluno. Penin (1989, p. 13) acredita ―que no âmbito da análise do cotidiano é que podemos melhor entender as ações dos sujeitos que movimentam a escola e com isso alcançar a natureza dos processos constitutivos da realidade escolar, tendo em vista a sua transformação‖. Portanto, não se pode analisar esse cotidiano escolar como se fosse um elemento isolado do contexto sóciopolítico e econômico no qual se localizam, principalmente nos dias atuais em que vivenciamos, modificações sociais, políticas e econômicas no bojo da modernidade que alteraram os papéis da família e da escola.

Segundo Perez e Sampaio:

A escola está determinada pelo contexto social mais amplo. Compreender a realidade da escola não se limita apenas ao conhecimento da prática pedagógica. Compreendê-la é também analisar, refletir e discutir a sociedade na qual ela está inserida, como determinante e determinada (1998, p. 53).

Encontramos ainda em Penin (1989) um complemento a esse pensamento ao afirmar que a natureza das ações e dos processos escolares é alcançada tanto pela identificação da sua existência quanto pela articulação com as análises em nível social e histórico. Por isso, buscamos articular o conhecimento atual da vivência escolar com o momento social e histórico em que vivemos. A observação da sala Arco-íris expôs um indescritível contexto de homofobias, indiferenças, bem como outros preconceitos. A sala pesquisada é considerada problemática na visão da

61 equipe pedagógica escolar, pois ela é motivo constante de reclamações pelos professores quanto à disciplina e à organização; muitos alunos são frequentemente encaminhados à equipe pedagógica com queixas de indisciplina. A sala Arco-íris, à primeira vista, parece uma classe sem problemas aparentes, posto que nela convivam diferentes identidades tais como a de um aluno homossexual, um aluno com síndrome de Down, um negro, alguns brancos e outros pardos.

Seria considerada por muitos, numa visão simplista, como ideal pela diversidade de alunos, diversidade esta tão aspirada por todos aqueles que advogam a inclusão escolar como ponto de partida de uma educação em que todos tenham direito a ela11.

Apesar disso, vários autores destacam que não basta o aluno estar no ambiente escolar para ser considerado incluso, pois diversas vezes a exclusão se manifesta no ambiente escolar de forma bastante tênue que somente um olhar atento poderia identificar. Com o passar dos dias, percebemos chacotas, apelidos que enfatizavam alguma característica física. Dos diversos apelidos destacamos: torrão, macaco, tucano, ratinho, tanajura, cabeção, dentinho, e tantos outros. Ao final do primeiro dia de observação, recebemos dos alunos o apelido de fiscal.

Alguns alunos são excluídos abertamente pelos colegas como o Felipe, o João, o José e o Paulo (este último com o apelido de macaco). Podemos perceber que a discriminação e preconceitos em relação à cor da pele são acentuados, trans formando o humano em animal. Ao denominar pejorativamente o colega por esse apelido, ele sai das raias da humanidade para se tornar um animal.

Ao observar a turma, verificamos que, sob a cortina da aceitação, encobrem -se muitos preconceitos e intolerância com os diferentes. Seja por uma característica física, seja pela condição social ou por escolha sexual, são discriminados, criticados, ignorados e excluídos pelos demais. No entender de Alfredo Veiga Neto, os tempos modernos refletem ―um tempo de intolerância à diferença, mesmo que essa intolerância esteja encoberta e recalcada sob o véu da aceitação e da possível convivência - nessa forma de racismo que se costuma chamar de amigável” (VEIGA NETO, 2001, p.112).

Os alunos constantemente levantavam das suas carteiras, trocando de lugares. As professoras, antes de iniciarem as aulas, reconduziam os discentes aos lugares

11 Para uma melhor análise ver tese de doutorado Gercina Santana Novais, que observou como os

pré-estabelecidos por elas, denominados ―mapeamento da sala‖. Esse procedimento, de acordo com o corpo docente, é essencial para manter a ordem e disciplina na sala. Segundo Focault (1997), a disciplinalização dos corpos para acontecer de forma eficiente necessita do ―quadriculamento‖, ou seja, cada indivíduo possui o seu lugar. De acordo com esse autor:

O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quantos corpos ou elementos há a repartir. É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico (FOCAUT, 1977, p. 130).

Notamos que no âmbito da classe, os docentes exercem rigoroso controle sobre os atos dos educandos, sua forma de sentar, os lugares onde se localizam, seus movimentos corporais, as conversas que surgem entre os discentes. Ao mínimo sinal de aglomerações e agrupamentos dos alunos, estão sempre vigilantes para desfazê - los. As atividades em geral são individualizadas, raramente é proposto algum tipo de trabalho em grupo.

É nítido o quanto esses discentes, de todas as formas possíveis, subvertem a ordem, a autoridade do professor, tentando burlar as resistências dos educadores. Percebe-se muito claramente o jogo de poder que se estabelece entre o professor e o aluno, a disciplinalização dos corpos. Ficam evidentes esses confrontos no diálogo entre José e a professora Ivete quando esta, ao anotar um exercício no quadro, percebe que José muda de lugar e então o repreende (nota de campo n.º 226):

(IVETE): - José, volta para o seu lugar! (JOSÉ):- Eu não enxergo ali, dá reflexo.

(IVETE): Todos enxergam, porque só você que não? (JOSÉ) - Eu vou, mas não vou copiar nada.

Com exceção da professora Rosa, que interage com a turma durante suas aulas, as demais educadoras interrompem suas explanações com frequência a fim de chamar atenção de um ou outro aluno. Alguns alunos não faziam as atividades propostas, brincavam o tempo todo, tentando chamar a atenção dos demais. Apesar de serem advertidos e encaminhados diversas vezes à direção da escola, retornam à sala com a mesma ―disposição‖ para as brincadeiras. Esse comportamento motivou

63 uma reunião entre as professoras, a pedagoga e diretora escolar. Nela, decidiu -se encaminhar os alunos indisciplinados à direção a fim de levar ao conhecimento do colegiado o comportamento desses discentes e de tomar atitudes referentes a eles, ou seja, encaminhá-los para outra escola.