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5. A NOTIFICAÇÃO ADEQUADA NO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO

5.8. CRÍTICA AO MODELO DE NOTIFICAÇÃO INDIVIDUALIZADA PARA OS

Após constatar a insuficiência do modelo de notificação do processo coletivo brasileiro, deve-se verificar qual seria o modelo adequado. Para isto, vale a pena inquirir se seria recomendável a adoção do modelo de notificação norte- americano das class actions for damages, que além de ordenar que os membros da classe sejam notificados da melhor maneira possível, fixa a obrigatoriedade da notificação pessoal para todos os componentes do grupo que possam ser identificados por meio de razoável esforço.109

A fórmula da “melhor notificação possível” precede à edição da citada regra 23 das federal rules of civil procedure. Richard Nagareda noticia a referência a esta fórmula em uma decisão da Suprema Corte americana do ano de 1950: Mullane v. Central Hanover Bank & Trust Co., 339 U.S. 306, 314-15, em que a corte já discutia que tipo de notificação para os membros do grupo seria adequado ao devido processo legal.110 A referência histórica evidencia o fato de podermos extrair a necessidade de respeito ao princípio da notificação adequada da própria cláusula do devido processo legal.

A princípio, este modelo parece ser razoável, pois todos os membros identificáveis terão ciência inequívoca da ação, sendo a notificação feita normalmente por carta. Ao mesmo tempo, providências serão tomadas para garantir a melhor notificação possível para os membros não identificáveis, o que pode ser feito, por exemplo, através de anúncios em periódicos.

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MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. 2 ed. São Paulo: Editora RT, 2010. P. 93-94.

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A regra da notificação individualizada dos sujeitos identificáveis algumas vezes gera grandes perplexidades na solução das class actions. Os tribunais norte- americanos apresentam diversos precedentes nos quais a delimitação da classe para fins de certificação e verificação da notificação adequada tornou-se uma das questões centrais da ação. Um bom exemplo é o caso Amchem Products, Inc v. Windsor, 521 U.S. 591 (1997) que trata da responsabilidade de algumas companhias pelos danos à saúde causados pelo uso de amianto. É intuitiva a dificuldade de se delimitar contornos precisos para um grupo que pleiteia direitos desta natureza. O grupo podia chegar a centenas de milhares, quiçá milhões de pessoas, agrupadas pela homogeneidade das demandas.111 A necessidade de definir com a máxima precisão os limites do grupo representado, no regramento das class actions for damages, muitas vezes constitui um fator que dificulta o manejo destas ações.

Outra grande fonte de dificuldades para obediência da regra de notificação das class actions for damages são os custos envolvidos na notificação. Os altos custos deste sistema normalmente são utilizados como argumento pelos defensores do sistema da notificação por edital. Gidi informa que normalmente este setor da doutrina cita o caso Eisen v. Carlisle & Jacquelin112 como argumento para evidenciar que os custos de notificação envolvidos neste sistema são inviáveis. O professor, entretanto, explica que esta decisão da Suprema Corte de 1974 foi extremamente infeliz e é criticada por doutrinadores americanos e estrangeiros.113

Para que se tenha ideia da dimensão da dificuldade e dos custos envolvidos na notificação do caso Eisen, considerando o preço de apenas seis cents de dólar por carta na época, a notificação individualizada para os membros identificáveis custaria centenas de milhares de dólares.114 Neste caso, o juízo de primeiro grau, reconhecendo a grande possibilidade da causa ser provida, determinou que os réus suportassem noventa por cento dos custos de notificação. Entretanto, o segundo grau e a Suprema Corte americanas foram unânimes em reverter a decisão.

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NAGAREDA, Richard. Op. Cit. P. 95-96. 112

Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974). 113

GIDI, Antonio. Op. Cit. 416 114

Stan Karas noticia outro caso curioso, ocorrido na Califórnia, que evidencia os limites do sistema de notificação norte-americano: State v. Levi Strauss & Co., 715 P.2d 564, 570 (Cal. 1986). A ação foi movida pelo Estado da Califórnia contra a fábrica de calças Levi´s, pleiteando que os consumidores californianos fossem indenizados pelo fato da Levi´s ter cobrado de trinta a quarenta centavos a mais do que poderia no começo dos anos 1970. Após muito tempo, foi certificada uma classe de mais de sete milhões de afetados. Daí foi utilizada a fluid recovery em um acordo que resultou no pagamento de 12.5 milhões de dólares. Entretanto, apenas em razão dos custos de notificação para que as pessoas soubessem que podiam receber trinta centavos pelo par de jeans, foram gastos dois milhões de dólares deste fundo. Mesmo com tanto dinheiro de notificação gasto, somente uma parcela muito pequena dos afetados requereu a reparação, em virtude da bagatela que receberia.115

O modelo de notificações americano encontra sérias limitações, sendo a necessidade de definição rigorosa dos membros da classe e o custo envolvido na notificação os fatores mais negativos. Este modelo é desaconselhável em virtude de não ser eficiente para propiciar a economia de recursos pretendida com a adoção da tutela coletiva116 e por não ser consentâneo com a maximização do acesso à justiça.

A questão da notificação adequada é complexa, sendo impossível transplantar um modelo estrangeiro por inteiro para a nossa legislação. É preciso pensar com afinco os diversos matizes que a questão envolve e desenvolver um sistema de notificação intermediário, que não gere os inconvenientes do sistema americano, nem seja insuficiente como o brasileiro.117

5.9. A NOTIFICAÇÃO ADEQUADA E OS ANTEPROJETOS DE CÓDIGO DE