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A história da realização do sumo bem comunitário encontra um impedimento na história, dado que entre a ideia de sumo bem comunitário e as comunidades que se apresentam como fenômeno humano, há um abismo, que só pode ser superado por Deus. As igrejas formadas pelos homens pressupõem um estatuto, elas não realiza m a ideia de uma igreja invisível, por isso devem ceder lugar a uma religião moral. Segundo Kant [1793] (2008): “Os envoltórios sob o s quais se formo u primeiro o embrião em vista do homem devem despir -se, se ele agora de ve vir à luz do dia (p.127)”. Os en v oltórios são as representações religiosas (símbolos religiosos) “os quais se formou primeiro embrião”. A metáfora do embrião diz que os homens erigem uma religião estatutária antes da religião racional, mas é uma exigência da razão que os envoltórios (símb olos religiosos) sejam substituídos pela ideia de religião moral. Com relação a esse assunto, Kant [1793] ainda diz: “Enquanto ele (gênero humano) era uma criança, tinha inteligência de criança, e sabia lidar com estatutos (...), mas agora torna -se homem, despede -se do que é infantil (p.127)”. A relação com estatutos só existe na medida em que ainda não chegamos à realização da ideia racional de religião. Ainda p ensamos

37 S e g u nd o Ka nt [ 1 7 9 3 ] ( 2 0 0 8 ) : “ A r e la ç ã o so b o p r inc íp io d a lib e r d a d e , t a nt o a r e la ç ã o int e r na d o s se u s me mb r o s e nt r e s i c o mo a e xt e r na d a I g r e j a c o m o po d e r po lít ic o , a mba s a s co isas nu m Est ado livre (...) (p.108)”.

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como crianças quando erigimos religiões estatutárias, mas devemos nos tornar homens para vermos a luz do dia (a ideia da religião racional). Como se estabelece essa distinção entre religião verdadeira e religião estatutária?

A realização é dever do homem, mas a efetivação da ideia não é realizada pelas religiões, por isso, a realização concre ta do sumo bem comunitário é obra de Deus e não do homem. Segundo Herrero (1991): “Mas onde a própria ação do homem não basta para tornar efetivo o soberano bem comunitário, aí a razão está autorizada a admitir o complemento necessário por parte de Deus (p.102)”. Apesar de o homem ter que fazer tudo o que puder para cumprir os seus deveres, mesmo aqueles que não estão ao alcance de suas mãos (na medida em que só o podemos colocar como horizonte de nossos esforços morais), para realizá -lo plenamente (como no caso do sumo bem com unitário ), é o seu de ver empreender todo esforço (virtude) para realizar a ideia de sum o

bem comunitário . Segundo Herrero (1991) :

A lib e rd ad e d eve re ali zar -se n a hi stó ria (. . . ). O ra, a le i m o ral p rescr ev e a real iza ção d o reino d os f ins p ela p ro mo ção d o so b erano b em . A id eia d e so b erano bem d eve ser r eal izad a no f enô m eno . E enq uanto a lib erd ad e se co n sum a na reli gi ão , d eve re ali zar o so b erano b em co m unit ário na h istó ri a (p g. 1 5 0 ). A história concreta das religiões, ou seja, tais como ela s se apresentam na história empírica, não poderá servir de meio, a partir do qual, se encontre, efetivamente, a realização da ideia de uma religião pura. O que é afirmado, por Kant, é que as religiões visíveis precisam ser meios para a verdadeira religião da razão. Isso obrigará Ka nt a conceber uma “religião nos limites da simples razão”. A religião nos limites da simples razão não é a religião pura, que promana única e exclusivamente da razão, mas também de elementos da história e cultura do espaço e lugar no qual ela foi formada. Areligião nos limites da simples razão tem, ao menos, uma compatibilidade entre os seus princípios de fé e o princípio racional da religião verdadeira. Segund o Herrero (1991), Kant empreenderá uma crítica a toda as formas de relig iões estatutárias, realizando, para isso, uma reinterpretação dos conteúdos da fé revelada, para ver se os tais conteúdos estão em acordo ou desacordo com a moral. Caso não estejam de acordo com a moral devem esforçar -se para tal, e quando de acordo com a religião moral, devem libertar -se de todas as formas estatutárias da religião.Todas as religiões estão submetidas a priori ao conceito de religião verdadeira. Entretanto, algumas estão ainda num processo

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rudimentar, e outras num processo mais desenvolvido para atingir a igreja invisível no mundo. Mas ambas, tanto as que são consideradas mais desenvolvidas em relação às outras, quanto as que são menos desenvol vidas (do ponto de vista moral), carecem de compatibilidade plena com a religião moral. A religião e statutária (igreja visível) é sempre um meio para atingir a verdadeira religião. Portanto, se uma proposição de fé não está de acordo com a moral, deve ser substituída por outra mais adequada. As comunidades humanas devem avançar moralmente até chegar ao d esenvol vimento máximo, a saber, a comunidade ética sob leis de virtude, comandada por um legislador justo e que pode retribuir a cada um de acordo com suas obras. Mas a história concreta da religião mostra que esse ideal ainda não se realizou. Por isso, a distinção entre religião estatutária e religião racional é fundamental para não se perder o conceito de uma religião verdadeira. As instituições religiosas perdem -se em doutrinas que não contribuem para o desenvolvim ento do homem como fim em si mesmo. O ho mem, nessa forma religiosa, confunde e inverte a ordem dos fatores. Onde a moral deveria ser estabelecida com prioridade, é posta a revelação como fundamento da religiosidade. No pensamento de Kant, a religião promana da moral e isso não pode ser esquecido pelo religioso. Se a religião não torna homens moralmente melhores, elas não servem à sua verdadeira função, que é ser um meio para instauração do reino de Deus na Terra (termo teológico para dizer sumo bem comunitário). Segundo Omar Perez (2007) :

C iertam ent e, un a igl esi a un ive rs al ( a u nq u e in visib le ) es el ú nico m od o en q ue po d em o s rep rese n tar no s racio n alm e nte u na co m unid ad d e esp íritus, d o nd e la co m unica ció n no se d a a tra vés d el éx ta si s m ísti co ni p o r m ed io d e la im po sició n est atu ari a, si no co m o c o nsec uen ci a n ece sar ia d el d eb er m o ra l (p . 9 4 )38.

Segundo Kant [1793]: “Toda a espécie de seres racionais está objetivamente determinada, na ideia, a saber, ao fomento do bem supremo como bem comunitário (p.103)”. Entretanto, o afazer dos homens para promove r o sumo bem comunitário é marcado por desvios. As religiões

38“ C e r t a me nt e , u ma ig r e ja u n iv e r s a l ( a in d a q u e in v is ív e l) é o ú n ic o mo d o e m q u e p o d e mo s r e p r e se nt a r r a c io na l me nt e u ma c o mu n id a d e d e e sp ír it o s, o nd e a co mu n ic a ç ã o nã o se d á a t r a vé s d e ê xt a se s m ís t ic o s ne m p o r me d o d a imp o s iç ã o e st a t ut ár ia , se nã o co mo co nsequê nc ia nece ssár ia do dever mo ra l” ( t radução do auto r).

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estatutárias estão baseadas em revelações. Kant sabe que a verdadeira religião (pelo menos o que ele acha que é a verdadeira religião) não deve ser confundida com nenhuma instituição humana concr eta. As diversas religiões são apenas meios de expressar a verdadeira religião. Enquanto meios, elas devem realizar a igreja invisível na sua forma visível de se organizar. O problema é que esse meio adequado de representar o reino de Deus na terra é carente de uma esfera mais ampla de compreensão. Acredita -se, por exemplo, em doutrinas que estão totalmente contra a lei moral, como se fossem leis de Deus. Segundo Kant [1781] (1999) :

(. . . ) so m ente a razão , e não um p retenso e m iste rio so sent id o d a verd ad e, nenh um a int uiç ão esf uzia nte so b o no m e d e f é, na q ual se p o ssam e nx ert ar a trad iç ão o u a R evel ação , sem a consonância da razão, mas, (…) apenas a autêntica e pura raz ão hum a na é q ue, d e f a cto , se af ig ur a n ec ess ári a e reco m end á vel p ar a se rvi r d e o rien taç ã o (. . . ) (19 99 , p .4 ).

A razão é a única que pode fornecer um conceito de religião verdadeiro. A religião revelada, no máximo, pode ser um veículo para a moral. Com a diferença entre a igreja visível e a igreja invisível, temos como resultado também uma distinção entre fé moral (fé racional) e uma fé histórica (fé estatutária). O primeiro tipo de fé promana da necessidade de um Deus para realizar um mundo moral para os homens viverem sob leis éticas numa comunidade ética; o segundo tipo de fé está baseado na revelação (pública ou privada). Sobre isso, Kant [1781] (2008) diz que “nenhuma intuição esfuziante sob o nome de fé” pode substituir o que somente a razão pode fornecer. Uma fé que é enxertada de revelação e tradição, sem uma harmonia com a razão, deve ser considerada uma fé falsa, que não procede da razão. A religião que toma a fé histórica como fundamento de suas representações religiosas deve assumir a religiã o moral e realizar uma revisão de seus conteúdos. É estabelecida aqui uma submissão da reli gião estatutária à religião da razão pura. Kant [1793] (2008) :

A f é relig io sa p ura é d ece rto a ú nica q ue p o d e f und ar um a Igr eja u ni ve rsa l; p o is é um a sim p le s f é racio nal q u e se d eix a co m unic ar a cad a q u al em vi sta d a co nvi cção , ao p asso q u e um a f é his tó ric a, f und ad a u ni cam e nte em f acto s, só p o d e alar ga r a su a inf lu ên cia a té o nd e co nse gu em ch ega r, seg und o circ un st ânc ia s d e tem p o e lugar (. . . ) ( 2 0 08 , p .1 08 -1 09 ).

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Kant [1793] (2008), com isso, distingue uma fé racional 39 e uma fé histórica com o fito de estabelecer que a comunicação de uma religião verdadeira, que vale para todos e não se restringe ao tempo e lugar no qual ela foi formada, só pode promanar da moral. A fé racional é uma convicção subjetiva, mas fundada em motivos objetivos ( válido para todos). Não cremos em Deus corretamente, segundo Kant, por meio de uma revelação. A revelação que exige apenas uma fé histórica é fraca para comunicar o verdadeiro dever da humanidade para consigo mesma. Orienta -se baseada em “fatos”, o que permite apenas que a influência de tal religião permaneça restrita ao lugar e ao tempo de sua criação. A fé racional pode comunicar o seu conteúdo universalmente, porque ele provém da razão e procede da moralidade das disposições. A fé raci onal e a fé moral são baseadas na necessidade de pressupor um Deus para a realização do objeto posto pela lei moral, a saber, o sumo bem comunitário . Essa fé não equivale à crença histórica; não é um saber; é simples pressuposto, fundado na necessidade do seu uso no propósito prático. Segundo Kant (2002) [1788]: ”É o caso de observar aqui que essa necessidade moral é subjetiva, isto é, uma carência, e não objetiva (...) (p.203)”. A fé racional é a que está baseada unicamente na razão e não em dados tirados da experiência, ou seja, a fé racional (moral) não tem nada haver com o saber objetivo e teórico, mas é um pressuposto necessário para o campo prático40, na medida em que se insere na tentativa de Kant de tornar possível a realização do sumo bem comunitário . Mais do que isso : o conceito de Deus é o meio pelo que Kant coordena, numa unidade, a ação moral e os resultados concretos da mesma na natureza (mesmo que apenas na ideia).

No terceiro capítulo do livro A Religião [1793], o item cinco tem como título: “A constituição de cada Igreja parte sempre de qualquer fé histórica (revelada) que se pode denominar fé eclesial, e esta funda -se, no melhor dos

39S e g u nd o Ka nt [ 1 7 8 6 ] ( 2 0 0 8 ) : “( . . .) fé r a c io na l é a q u e nã o se fu nd a e m ne n hu n s o ut ro s d a d o s e xc e p t o o s q u e e s t ão co nt id o s na r a z ã o p u r a. To d a a fé é , po is, u m a s s e nt ime nt o su b je c t iva me nt e su fic ie nt e , ma s no p la n o o b je c t ivo co m c o n sc iê nc ia d a su a in su f ic iê nc ia ; p o rt a nt o , co nt r a p õ e - se a o s a be r ( p . 1 2 ) ” .

40S e g u nd o Ka nt [ 1 7 8 7 ] ( 2 0 0 8) : ” P r át ic o é t u do a q u ilo q u e é p o ss íve l a t r a vé s d a li be r d a d e (p.475)”. E co mo a liberdade é uma id e ia pura da razão , e o que é do campo prát ico se r e fe r e , nã o a o b je t o s q u e no s s ã o a p r e se nt a d o s na e xp e r iê n c ia , e nt ã o só no s r est a t o ma r e s s e c o nc e it o co mo co mp o ne nt e d o mu nd o mo r a l, já q u e p a r a a g ir mo r a lme nt e é ne c e ss á r io p r e s s u p o r a lib e r d a d e d a vo nt a d e . Po r t a nt o , o c a mp o p r át ic o , e t o do s o s c o nc e it o s i mp l ic a d o s ne le d e ma n e ir a p u r a , r e me t e m - se a o p r át ic o e nã o ao co nhe c i me nt o t e ó r ic o .

91 casos, numa Escritura sagrada (p.108)”. A ideia de religião como um conceito

a priori não é constatável na exper iência. Na experiência, a ideia de religião

assume formas menos desenvolvidas das que o seu conceito exige. O motivo, segundo Kant [1793] é: “(...) uma particular debilidade da natureza humana tem a culpa de nunca se poder contar com essa fé pura tanto com o ela merece, a saber, fundar somente nela uma Igreja (p.109)”. A debilidade da natureza humana é a causa pela qual o homem “parte sempre de qualquer fé histórica”, e no melhor dos casos, essa fé histórica (fé eclesial) funda -se numa escritura. Uma fé reve lada na escritura, entre as possibilidades de uma fé histórica, é o meio pelo qual os homens tornam o seu pensamento religioso digno de respeito. As sentenças desse livro permanecem imutáveis, mesmo que seja sacudida por revoluções41. Não quero dizer, com isso, que uma escritu ra sagrada tem valor em si mesma . Os textos devem ser interpretados à luz de uma religião racional. Inclusive Kant [1793] diz que a escritura será melhor interpretada, mesmo se tivermos que mudar o seu sentido literal42, à luz da necessidade de perseguir a ideia de uma religião pura. Pois, se u m sentido literal é prejudicial ao desenvolvi mento moral do homem, então é melhor que encontremos um sentido mais apropriado à moralidade das disposições.

É resultado de uma tendência natural do ho mem erigir, no lugar da religião pura, uma religião baseada em estatutos, que tem a necessidade de tornar intuíveis os conceitos puros. O homem precisa tornar intuíveis conceitos abstratos para que, por meio de sensificações dos conceitos morais (abstrato) , ele possa colher daí o elemento espiritual da religião, a saber, a religião da razão. Como o homem precisa tornar intuível (sensificado) o que é apresentado pela simples razão, o processo pelo qual ele se reúne em uma igreja, começa com uma fé histórica na revelação. Segundo Kant [1793] (2008): ”Por consequência, no esforço do homem em vista de uma comunidade ética, a fé eclesial precede naturalmente a fé religiosa pura (...) (p.112) (grifo do autor)”. Isso não significa que a religião revelada seja o

41S e g u nd o Ka nt [ 1 7 9 3] ( 2 0 0 8) : “( .. . ) e a h ist ó r ia d e mo nst r a q u e ne n hu ma fé b a s e a d a na E sc r it u r a pô d e se r e xt e r min a d a ne m s e q u e r p e la s ma is d e v a st a d o r a s r e vo lu ç õ e s d e E st a do , a o p a sso q u e a fé fu nd a d a na t r a d iç ã o e na s a nt ig a s o b se r v â nc ia s p ú b l ic a s e nc o nt r o u simu lt a ne a me nt e a sua ruína na deso rganizaç ão do Est ado (2008, p.113)”.

42 S e g u nd o Ka nt [ 1 7 9 3 ] ( 2 0 0 8 ) : “E s t a int e r p r e t a ç ão po d e , inc lu s iv e , p a r e c e r - no s mu it a s ve z e s fo r ç a d a q u a nt o ao t e xt o ( d a r e ve la ç ã o ) , po d e , co m fr e q u ê nc ia , sê - lo d e fa c t o e, t o d a v ia , c o nt a nt o q u e se ja p o s s ív e l q u e o t e xt o a a c e it e , há d e p r e fe r ir - s e a u ma int e r p r e t a ç ã o lit e r a l q u e o u nã o c o nt é m a bso lu t a me nt e na d a p a r a a mo r a lid a d e , o u at u a me smo co nt ra o s mó bile s dest a últ ima (2008, p.116)”.

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modo verdadeiro de uma religião. A religião consiste em tomarmos os nosso s deveres como mandamentos divino s porque promana da moral . O ho mem tem a propensão natural de exigir um elemento sensível para tornar claros os conceitos abstratos da razão. Isso é o mo tivo pelo qual ele estabelece para si uma religião baseada na revelação. Segundo Kant [1793] (2008) :

(. . . ) p o r causa d a n ece ssid ad e nat ur a l d e to d o s o s ho m ens d e, p ara o s sup r em o s co nc eito s e f und am ento s d a raz ão , ex igi r sem p re a lg um ap o io sen sí vel, alg um a co rro b o ração em p íri ca e q ueja nd o s (a q ue, d e f ac to , im p o rta at end er no in ten to d e intro d uz ir u ni ver salm ent e um a f é), d e ve u tili za r -s e q ualq u er f é ecl esi al his tó ric a, q ue em ge ral al gu é m enco n tra já d i ant e d e si (2 0 08 , p . 11 5 ).

As implicações do que é dito na citação acima nos permitem afirmar: 1) É uma necessidade natural de todos o s homens terem um apelo sensível para compreender os conceitos supremos, e como o conceito de reli gião pura é um conceito racional , a formação de uma religião estatutária, bem c omo os símbolos que expressam uma doutrina ou rito, é um modo de sensificar o conceito supremo de religião; 2) Por isso, o homem começa pela fé histórica. Que o homem comece com a fé histórica, Kant concorda como já foi mostrado, mas que o homem deva perma necer nela é o que Kant não aceita. Pois uma fé racional deve ir, progressivamente, substituindo a fé histórica da revelação. Mas aqui parece haver um problema insolúvel: se como homem, ele tem uma tendência natural de apelar ao sensível para compreender c onceitos supremos, então como é possível, que alguma vez na sua vida, ele possa abandonar essa necessidade natural e compreender os conceitos neles mesmos?

Nada institucional pode garantir um acesso a Deus. É nosso dever, segundo Kant, purificar -nos de tod as as formas ritualísticas e rumar, cada vez mais, para o cumprimento do dever, onde a comunidade humana e o homem individual possam, junto com o mundo natural, chegar ao patamar de uma moralidade plena. O problema é que Kant diz que o sumo bem comunitário é apenas uma ideia. Enquanto ideia, ele não pode ser encontrado na experiência. Segundo ele [1793] (2008) :

A id ei a s ub lim e, n unc a p le nam e n te al ca nç áve l, d e um a co m unid ad e éti ca m in gu a m uito em m ão s hum ana s, a sab er, p ara ch eg ar a s er um a i ns tit uiç ão q ue, cap az em to d o o caso d e rep res en tar so m e nte a f o rm a d aq uela, est á, no to cante ao s m eio s d e eri gi r sem elh an te to d o , m uito re stri ng id a so b co nd içõ es d a na tur ez a se nsí ve l d o hom em (2 0 08 , p .1 06 ).

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Kant diz que de vemos fundar uma comunidade ética e que, nesse caminho, cometeremos vários erros e desvios, pela nossa condição sensível, de ter que tornar sensível o conceito puro de religião. Mas devemos insistir e fa zer tudo o que estiver ao nosso dispor, para realizarmos a ideia de uma comunidade ética. Só assim é possível esperarmos uma ajuda divina e nos livrarmos do mal que nos assedia. Só se fizermos o que devemos e podemos fazer, podemos ser merecedores da felicidade como dádiva divina e firmar nossa esperança de que o reino de Deus ( sumo bem comunitário ) virá a nós, vencendo o mal que nos assola. Os homens formam comunidades imperfeitas, porque não conseguem instaurar, por forças próprias, a igreja verdadeira na terra. A ideia de uma religião pura e racional nunca será plenamente alcançável, restando apenas qu e os homens façam o que está ao seu alcance para realizar a ideia de

sumo bem comunitário . Não é permiti do que o homem deixe para outro o que

ele mesmo deve fazer. Segundo Kant [1793] (2008): “Contudo não é permitido ao homem estar inativo (...) há de proce der como se tudo dele dependesse, e só sob esta condição pode esperar uma sabedoria superior que garantirá ao seu esforço bem intencionado a consumação (2008, p.107)”. Entretanto, continua Kant [1793] (2008) :

(. . . ) um reino d e virtud e (d o p rincíp i o bo m ), c uja id ei a tem na raz ão hum an a a su a re alid ad e o b jeti va i nte iram e nt e b em f und ad a (. . . ) em b o ra s ub jeti vam e nt e j am ais se p ud ess e e sp era r d a b o a vo ntad e d o s ho m en s q ue el es se d ec id iriam a t rab al ha r em co ncó rd ia em o rd em a tal f im (2 00 8 , p .1 01 ).

Conforme est á dito acima, a ideia de uma comunidade ética é objetivamente válida, já que na filosofia de Kant ela (ideia) promana da moral. Entretanto, a realização dessa ideia não pode ser esperada (do ponto de vista subjetivo) da boa vontade dos homens. Ainda assim, é necessário que façamos tudo o que pudermos para realizar a ideia. Os nos sos esforços serão marcados por fracassos, mas é nosso dever tomar como máxima o dever de fomentar a comunidade ética no mundo. Parece paradoxal, mas é exatamente isso que está dito , a saber, que a ideia não pode ser realizada, mas nós devemos fazer tudo o que pudermos, sem contar com a boa vontade dos outros. Sabemos que