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Críticas ao Direito de Intervenção e ao Modelo de Direito Penal

4.1 PROPOSTAS AO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO;

4.1.3 Críticas ao Direito de Intervenção e ao Modelo de Direito Penal

Diante dos objetivos do presente estudo, busca-se demonstrar o direito de intervenção como meio de proteção ambiental alternativo ao direito penal. Por isso, devem ser analisadas algumas críticas feitas a esse modelo, em especial em relação a Hassemer e a forma de pensar o Direito Penal.

A primeira crítica, é de que o direito penal proposto por Hassemer seria classista, pois é direcionado ao delinquente tradicional, atuando em face das camadas marginalizadas, clientes do direito penal clássico seletivo. Em contrapartida, o direito de intervenção seria uma válvula de escape para a criminalidade dos abastados (criminalidade econômica, ambiental, colarinho branco), afastando-os da alcunha de delinquente (BOTTINI, 2013, p. 79). Conforme Sánchez:

Opor-se a “modernização”, ademais, em absoluto equivale a propugnar um “Direito Penal de Classes”, no qual o ladrão convencional continue sofrendo pena, enquanto o delinquente econômico ou ecológico ficaria à margem do Direito Penal (SILVA SANCHEZ, 2013, p. 187)

Entende o Autor que a crítica de Hassemer à modernização do direito penal é homogênea, o que leva a tal circunstância. Entretanto, ainda que em seu modelo tenha sistematizado o direito penal, em duas modalidades (o da pena privativa de liberdade, e o das outras penas), há uma diferenciação qualitativa das penas na primeira e segunda velocidade do direito penal, o que també m é criticado como um modelo classista.

Diéz Ripollés critica os modelos de Sanchez e Hassemer por serem concebidos em defesa do cidadão e não da sociedade, cujo pragmatismo em que são desenvolvidas as teorias levariam à punição dos setores sociais menos sensíveis à repressão. Em segundo lugar, afirma que ambos modelos estabelecem diferenças significativas na forma de punir os setores poderosos, enquanto é sustentada a punição dos comportamentos das classes baixas, o que seria prejudicial, pois aponta para a criminalidade comum como fator desestabilizador da ordem, sendo o objeto central da política criminal (RIPOLLÉS, 2005, p. 28-29).

Para esses críticos, a divisão entre o direito penal nuclear e o direito de intervenção pode ter como consequência a maior seletividade do direito penal. Em que a pena privativa de liberdade continuará sendo aplicável apenas aos mais vulneráveis (OLIVEIRA, 2013, p. 83).

Entretanto, a seletividade é uma realidade existente dentro do direito penal como um todo, e não pode ser atribuída exclusivamente ao direito de intervenção, até mesmo porque a própria seletividade fortalece o discurso de minimização do direito penal, no qual o direito de intervenção pode ser utilizado com esse objetivo. Ainda que não cogitado por Hassemer, o direito de intervenção poderia ser utilizado como forma de limitação de modelos criminais do direito penal nuclear76.

Ainda, em relação às críticas feitas ao Hassemer e aos autores de Frankfurt. Tem-se apontado que o modelo clássico de Direito Penal descrito por eles é “disfuncional pensado para contextos históricos completamente diferentes” (SÁNCHEZ, 2011, p. 15). Segundo o Bernardo Feijó Sánchez, o modelo penal pensado pelos autores da escola de Frankfurt parte de um ideológico liberal, apresentando-se como modelo ideal (Direito Penal Clássico) que na atualidade seria completamente disfuncional. Segundo ele, em um Estado cada vez mais intervencionista, é ilógico pensar que o direito penal não iria atuar diante das evoluções das sociedades modernas (SÁNCHEZ, 2011, p. 16)

Nesse sentido Hassemer e os autores da Escola de Frankfurt teriam uma resistência a modernização do Direito Penal. Para Schünemann a crítica feita aos crimes de perigo abstrato é uma exigência insensata de utilização de instrumentos arcaicos na proteção de bens jurídicos (SCHUNEMANN, 2007, p. 65). Para ele o modelo de Hassemer é reacionário e não condizente com anseios por criminalização modernos. Desse modo, Schünemann considera necessária a modernização do direito penal, assim como Figueiredo Dias (2001) e Bernardo Sánchez (2011)77.

Essas críticas são importantes, pois efetivamente Hassemer é um autor

76 Nesse sentido também aponta Ana Carolina Oliveira (2013). Outro ponto interesse é que o próprio

Hassemer tem trabalhado com formas de pensar a descriminalização das drogas, um dos pontos em que o direito penal é extremamente seletivo (HASSEMER, 2008, p. 315 e ss)

77 Cada um dos autores tem uma forma de pensar o direito penal moderno, ou seja, ainda que haja

uma ampliação do direito penal, Jorge Figueiredo Dias e Bernardo Sánchez, não são favoráveis a tantas flexibilizações como Schunemann que entende não haver limites para os crimes de perigo abstrato, por exemplo (SCHUNEMANN, 2007, p. 65).

que pensa o direito penal dentro de um modelo ideal clássico e liberal. Entretanto, tal forma de pensar tem como finalidade preservar garantias individuais, pois o direito penal, dentro dessa visão, lida, essencialmente, com os corpos das pessoas, a partir da pena privativa de liberdade. Hassemer é contrário, principalmente aos novos instrumentos do direito penal (crimes de perigo abstrato, normas penais em branco, entre outros), mas não é contrário, a princípio, na utilização do direito penal em relação a novos bens jurídicos coletivos (HASSEMER, 2016, p. 19). Claro que a atuação do direito penal deverá ser sempre limitada pela ultima ratio, e diante de lesões ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico.

Entre outras críticas relacionadas, mais especificamente, com à proposta do direito de intervenção. Destaca-se a dificuldade de estabelecer os seus limites de atuação: quais critérios que devem determinar os bens jurídicos tutelados pelo direito de intervenção; quais garantias poderiam ser restringidas; quais regras de imputação serão utilizadas; e, quais princípios estariam vigentes nesse grupo de condutas não sancionadas com pena privativa de liberdade (OLIVEIRA, 2013, p. 87-88).

Embora, o direito de intervenção seja uma proposta interessante, a falta de sistematização é um problema, havendo muitas questões a serem resolvidas. Entretanto, a maior dificuldade do direito de intervenção é definir o seu local de atuação. Essa crítica é constante à Hassemer, identificar os limites entre a atuação do direito de intervenção e o direito penal (BOTTINI, 2013, p. 222).

Nesse sentido há um certo temor em alguns autores de que o direito de intervenção possa ser muito arbitrário ao limitar algumas garantias do direito penal (LOPES, 2014, p. 19). Nesse sentido, Bottini afirma que a proposta de Hassemer:

(...) não está desenvolvida nem delimitada de maneira suficiente, o que poderia implicar a utilização do direito da intervenção para a construção de um sistema autoritário e expansivo que, sob a justificativa se agir por meio de penas mais brandas, legitimasse uma atuação arbitrária do poder público para o combate a tais atividades (BOTTINI, 2013, p. 221)

É sem dúvidas temeroso que a atuação a partir de um modelo de intervenção seja prevista sem garantias mínimas. Entretanto tais garantia s não podem ser as mesmas da esfera penal, deve-se estabelecer critérios adequados com a finalidade de prevenção na atuação administrativa.

Ao retirar do Direito penal determinadas condutas e aproximá -las do direito administrativo, a proposta de Hassemer chega a uma outra questão problemática a respeito das fronteiras entre o Direito Penal e o Direito

Administrativo Sancionador, o que se chama de “zona cinzenta”. Esse é o local

em que há uma aproximação entre as sanções administrativas e as sanções penais, em que não se pode definir exatamente onde um começa e o outro termina, pois, as penas aplicáveis em ambos os ramos se assemelham (RIBEIRO e COSTA, 2016, p. 119).

A característica central dessa zona cinzenta, é que a mesma conduta pode ser penalizada, tanto pelo direito penal quanto pelo direito administrativo sancionador, a critério do legislador, que fará a escolha de qual ramo será utilizado. É exatamente, em razão dessa aproximação entre os ramos, que Ana Carolina Oliveira (2013, p. 99) aponta que o direito administrativo sancionador como a materialização não planejada do direito de intervenção.

Essa discussão é de extrema importância, tendo em vista que na tutela ambiental encontramos uma zona cinzenta reconhecida pela doutrina, inclusive com delitos e infrações idênticas. Conforme Luiz Régis Prado:

(...) cumpre notar que a existência de delitos ambientais e infrações administrativas idênticos presentes em diplomas legislativos diferentes, não só pode implicar violação do princípio do ne bis in idem, mas também acaba por reforçar a ideia de utilização meramente simbólica e negativa do Direito Pena em relação a determinadas condutas, que poderia ser sancionadas, inclusive de forma mais eficaz, no âmbito administrativo, caso houvesse mecanismos eficientes de controle e fiscalização (PRADO, 2011, p. 93) Nessa conjuntura de aproximação entre direito penal e administrativo sancionador na esfera ambiental, permite a discussão sobre o modelo de direito de intervenção. Uma vez que a atuação administrativa tem se estabelecido dentro dessa zona cinzenta, podendo servir como alternativa ao direito penal da mesma forma que o modelo de direito de intervenção, tendo as vantagens de atuação antecipada que se aproxima dos interesses ambientais.

Diante do contexto de irresponsabilidade da tutela penal ambiental, não se pode prescindir da utilização de outros instrumentos que poderiam ser mais eficientes, sendo o direito administrativo sancionador uma possibilidade interessante. Ainda mais, diante aproximação com o direito de intervenção, que permite o desenvolvimento de características semelhantes às descritas por Hassemer, o que pode ser mais vantajoso em relação a proteção ambiental.

4.2. O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR COMO MANIFESTAÇÃO