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4. A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UM MÉTODO ALTERNATIVO E

4.6 CRÍTICAS A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Não obstante os obstáculos provenientes da problemática da demarcação do próprio conceito de Justiça Restaurativa, em razão das suas múltiplas características e formas de aplicação, o que, de certa forma, abre uma margem muito grande para adaptações – o que nem sempre pode ser algo benéfico. Como bem definiu Leonardo Sica: “mais do que uma teoria ainda em formação, a justiça restaurativa é uma prática ou, mais precisamente, um conjunto de práticas em busca de uma teoria” (SICA, 2007, p. 10). No que concerne a isso, Raffaella da Porciuncula Pallamolla afirma que:

As mesmas dificuldades e complexidade observados na definição da justiça restaurativa também atingem os objetivos deste modelo, direcionados à conciliação e reconciliação entre as partes, à resolução do conflito, à reconstrução dos laços rompidos pelo delito, à prevenção da reincidência e à responsabilização, dentre outros, sem que estes objetivos, necessariamente, sejam alcançados ou buscados simultaneamente em um único procedimento restaurativo. (PALLAMOLA, 2009, p. 53)

Dessarte, é evidente que a justiça restaurativa, como qualquer modelo de justiça, possui problemas e críticas. A grande vantagem da Justiça Restaurativa reside justamente em uma característica inerente do seu conceito já mencionada anteriormente: é um modelo alternativo mais maleável, podendo ser adaptado de acordo com o contexto social do local em que é aplicado. Nesse sentido refere Daniel Achutti que “não há um engessamento na sua forma de aplicação e, portanto, os casos-padrão e as respostas- receituário permanecerão indeterminados, na busca de adaptação a cada caso e aos seus conceitos culturais” (ACHUTTI, 2016, p. 66). Contudo, conforme supracitado, essa característica nem sempre pode ser vantajosa, tendo em vista que o modelo de justiça referido não tem características definidas e, consequentemente, não possui objetivos delineados.

Corroborando essas ideias, estudo feito sobre a justiça restaurativa em diversos países, dentre eles Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, pelo Smith Institute, da Inglaterra, constatou que a Justiça Restaurativa é capaz de trazer mais crimes à justiça, atuando de forma a ampliar o acesso a ela por proporcionar uma forma diferente de lidar com o delito. (AZEVEDO; PALLAMOLLA, 2014, p. 179)

O trecho acima citado traz uma crítica extremamente relevante, visto que a justiça restaurativa, conforme constatado pelas pesquisas mencionadas pelos autores, tem como característica natural trazer mais crimes à justiça, em razão da facilidade ao acesso dos procedimentos restaurativos. Essa questão pode ocasionar um problema grave, visto que os casos novos – que não seriam trazidos à justiça em situações normais – podem acabar ingressando no sistema de justiça tradicional, caso o procedimento restaurativo não consiga atingir a sua finalidade no caso e as partes não aceitem transigir.

Ademais, existem argumentos de que a Justiça Restaurativa seria um modelo de justiça mais brando do que o tradicional, cujos defensores desse argumento sustentam que, diante do sentimento de insegurança presente na sociedade, precisaríamos de penas mais severas. Primeiramente, cumpre repisar que, conforme já abordado, punições mais severas não previnem crimes, caso contrário, o Brasil sendo o terceiro país que mais encarcera no mundo não teria problemas tão graves no setor da segurança pública. De outra banda, a Justiça Restaurativa não se trata de um modelo de justiça mais branda, já que objetiva a responsabilização do ofensor, que terá que ficar de frente com a vítima e encarar seus questionamentos e seu sofrimento.

Outro ponto importante consiste no cuidado demandante da necessidade de evitar que o acordo do ciclo restaurativo seja somado à sentença judicial “(acarretando violação do princípio no bis in idem), nos casos em que não haja a possibilidade de extinguir-se a punibilidade somente com o acordo extrajudicial” (AZEVEDO; PALLAMOLLA, 2014, p. 177). Para que isso não ocorra, o nosso ordenamento jurídico carece da existência de um conjunto de normas capazes de estabelecer e instituir a aplicação dos acordos restaurativos no momento da sentença judicial.

Quanto ao ordenamento jurídico do Brasil, cumpre repisar que estamos diante de um sistema em que há a existência dos preceitos de indisponibilidade e obrigatoriedade no direito processual brasileiro. Nesse sentido, discorreu David Miers apud Raffaella da Porciuncula Pallamolla:

Aspecto importante que contribui para o momento escolhido para o encaminhamento dos casos é a cultura jurídica de cada país. Miers chama a atenção que nos países de traição do civil law (a exemplo do Brasil) o princípio preponderante é o da legalidade. Assim, ao chegar um caso nas mãos de um procurador, este tem a obrigação de dar seguimento àquele e não pode, discricionariamente, encaminhá-lo à justiça restaurativa. Já nos países de jurisdição de common law, como é o caso da Inglaterra e País de Gales, os procuradores não estão sujeitos ao princípio de legalidade e decidem se instauram ou não o procedimento criminal conforme critério de interesse público, e também podem levar em conta, para tomar sua decisão, a vontade das partes em participar de um processo de mediação. (PALLAMOLLA, 2009, p. 103).

Importante destacar ainda uma crítica a Justiça Restaurativa quando utilizada como complemento ao modelo tradicional. A Justiça Restaurativa, consoante já exposto tem como eixo central oportunizar ao ofensor, após reflexão acerca de seus atos e responsabilização pelo evento danoso, a possibilidade de restabelecimento da situação anterior através do diálogo em conjunto com a comunidade, sem que haja uma punição de fato. A intenção é responsabilizar e conscientizar o ofensor no intuito que ele entenda as consequências que seus atos têm para outras pessoas e para dê um rumo novo para sua vida.

Sendo assim, a Justiça Restaurativa, quando trabalhada em conjunto com o sistema punitivo, não terá como atingir a sua finalidade – que consiste em conscientizar o indivíduo. Isso decorre do fato de que o ofensor, tendo a expectativa de que será punido ao final do procedimento restaurativo, provavelmente ficara desinteressado no procedimento, o que inviabiliza que ele ocorra – já que é necessário grande empenho emocional no processo de conscientização. Ademais, existe uma grande possibilidade de quebra do sigilo das informações adquiridas no procedimento restaurativo, o que seria um ônus para o ofensor caso fossem utilizadas no processo penal.

Por outro lado, quando a Justiça Restaurativa é trabalhada como uma alternativa ao sistema punitivo-retributivo, o indivíduo, ao saber que passará por um processo restaurativo e que poderá não ser punido no final, evidentemente fará todo o esforço possível para colaborar, mas pode ser que isso não ocorra de modo sincero e espontâneo, não existindo conscientização de fato nem a reabilitação do ofensor.

Por fim, um problema muito consistente no nosso país, refere-se ao fato de ausência de lei no nosso ordenamento jurídico que regule a aplicação da Justiça Restaurativa. A Resolução CNJ n.º 225/2016 especializa a matéria, de modo que dá abertura para as práticas, especificando-as e caracterizando a Justiça Restaurativa.

Contudo, o CNJ não tem competência para legislar, tratando-se apenas de especificações e informações acerca do tema. Ante o exposto, em virtude da falta de regulamentação do tema dentro das disposições do processo penal, há grande incerteza por parte dos juízes para aplicação da Justiça Restaurativa, o que resulta na falta de aplicação das práticas. Ademais, diante da ausência de lei que regulamente a aplicação, um juiz que não simpatize com os preceitos da Justiça Restaurativa, por exemplo, não irá fazer o encaminhamento dos casos.