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3. PANORAMA DAS COTAS DE RESERVA AMBIENTAL E SEU PROGNÓSTICO DE

3.3. CRA: uma tentativa de avaliação dos efeitos da norma

Depois de conhecer o que alguns estudiosos argumentam sobre as CRA, ressaltando aspectos positivos e negativos, passa-se a analisar quais os efeitos possíveis dessa norma, levando-se em consideração se a aplicação das CRA configura uma solução efetiva e eficaz na redução das áreas desmatadas e na maximização de lucros na produção agrícola.

Analisa-se, tomando como base os referenciais teóricos escolhidos (Amyra El Khalili e François Ost), se as CRA representam uma solução técnica para o problema do desmatamento e da produtividade, bem como se representa uma postura de estado a ser adotada no combate à degradação do meio ambiente a longo prazo, levando em conta o contexto atual de financeirização da natureza.

Já se viu que a norma florestal conta com vários temas polêmicos. São tópicos que dividem a opinião, essencialmente a de ambientalistas e ruralistas. Há vários dispositivos conflituosos, em especial no que tange o tema desenvolvimento sustentável.

As CRA são previstas em um dispositivo debatido desde sua gênese e que causa divergências entre estudiosos. Seu conteúdo, regulamentado há pouco, ainda carece de regulamentação estadual, ou seja, ainda há questões que merecem debate. Difícil é saber quais serão os efeitos da norma e, essencialmente, quais serão os entraves que a lei encontrara para ser aplicada. Por exemplo: qual a forma se de estruturar o mercado para que se atinja um equilíbrio entre a redução dos custos de conformidade e a criação de incentivos para proteção e remuneração florestal?

No caso de se supor que é possível implementar um sistema funcional de monitoramento e aplicação de CRA num futuro próximo, é possível que tal sistema seja estruturado de modo a ser eficaz para ampliar a conservação de florestas e a preservação de serviços ambientais? Tal sistema serviria simplesmente para legalizar florestas derrubadas ilegalmente em troca de florestas não ameaçadas, sem a promoção de qualquer real conservação ou restauração florestal adicional? (MAY et al, 2015, p 22-29).

Certo que, por um lado, as áreas de demanda deveriam enfrentar a perspectiva de aplicação da lei contra o uso ilegal da terra através de punições e sanções. Em contrapartida, se as áreas de oferta não enfrentam risco real de desmatamento, os custos reduzidos de conformidade para os proprietários de terras com déficits florestais em áreas de demanda e as recompensas financeiras para os proprietários com excedentes em áreas de oferta, seriam combinados com uma proteção ambiental potencialmente nula (ibidem, 2015).

De fato, essas respostas dependem fundamentalmente do modo como o sistema é concebido. As experiências com TDR, já citadas aqui, sugerem que um escopo muito amplo para negociações envolvendo mecanismos de compensação pode minar os benefícios ambientais locais produzidos pela negociação, além de reduzir o valor econômico recebido por propriedades de áreas de oferta, devido ao excesso de direitos de desenvolvimento (ibidem, 2015).

A negociação referida acima, segundo May, Bernasconi, Wunder e Lubowski e a lei florestal atual, pode ultrapassar as fronteiras estaduais. Escopos ampliados devem maximizar o total de ganhos econômicos obtidos na negociação, e escopos excessivamente amplos trarão um excesso de áreas de ofertas não ameaçadas, comprometendo os resultados ambientais ao descartar a opção de restauração, tornando as CRA de áreas florestais sob pressão mais caras (ibidem, 2015).

May, Bernasconi, Wunder e Lubowski sugerem que um meio de equilibrar as questões ambientais e distributivas atribuídas ao escopo excessivamente amplo determinado pela lei florestal de 2012 é restringir alguns tipos de negociações, como, por exemplo, para dentro das fronteiras estaduais. No entanto, há uma opção mais focada que é ponderar a relação entre áreas prioritárias e não prioritárias, na busca do ajuste entre qualidade ambiental e ameaça ambiental

(ibidem, 2015).

As referidas ponderações podem ser estabelecidas de modo que áreas de demanda pudesse compensar um hectare de déficit de reserva legal com um hectare de excedente de reserva legal localizada em área prioritária. Mas se o excedente de reserva legal estiver em área não prioritária, a compra da CRA deve ser equivalente a dois hectares de reserva legal. Em resumo, seria empregar a proporcionalidade 2:1 para unidade de conservação e dentro do mesmo estado, e 1:1 para outras negociações (ibidem, 2015).

A efetividade das CRA também passa por uma questão de economia política. Os produtores rurais do Brasil consideravam o Código Florestal de 1965 como restritivo, muito exigente, não apresentando motivos convincentes para que os proprietários de terras se mantivessem em conformidade com a lei (ibidem, 2015). As alterações trazidas pelo novo código podem representar a efetividade da lei ambiental, compondo uma política ambientalmente eficaz, mas pode, ainda, ocorrer o inverso, sendo que as restrições legais atenuadas e a anistia concedida podem fazer com que os proprietários de terra se encorajem a descumprir a lei, esperando que essa situação mais branda se repita no futuro (ibidem, 2015).

A respeito da anistia concedida aos pequenos proprietários, segundo May, Bernasconi, Wunder e Lubowski, o perdão concedido a essas terras faz ser reduzida a demanda por CRA ao mesmo tempo que aumenta a oferta, já que esses pequenos produtores podem emitir CRA para venda. O resultado líquido não corrigido gera um dramático excesso de oferta que diminuirá os preços de negociação de CRA ao limiar de zero, ou próximo a isso. Tal queda de preços cancela qualquer recompensa planejada para os proprietários de terra que conservam de fato (ibidem, 2015).

De maneira geral, o Código Florestal, em qualquer uma das suas edições, encontrou dificuldades para ser implementado. Os proprietários de terras preferiram acumular passivos ambientais e pagar multas do que obedecer a lei e restaurar RL desmatadas, mesmo quando o prazo legal oferecido era generoso (30 anos). Falta de tecnologia e insumos, altos custos de oportunidade e ausência da necessidade de aplicação real da lei contribuem para o descumprimento observado ao longo dos anos.

De acordo com Azevedo, poucos proprietários de terras trouxeram suas propriedades para a legalidade por meio dos instrumentos de compensações previstos na lei de 1965. Por exemplo, entre 1999 e 2007, apenas cinco desses pedidos foram processados pelo órgão ambiental do Mato Grosso. Este estado também procurou estabelecer um fundo, rejeitado pelo Ministério do Meio Ambiente, no qual os proprietários de terra contribuiriam como compensação de áreas florestais, sendo que tal fundo custearia as despesas de regularização de propriedades privadas em áreas

protegidas (AZEVEDO, 2009).

Dessa forma, os resultados globais do sistema de cotas de reserva florestal do antigo código não puderam ser avaliados. Havia pouca ameaça real e tangível de uma aplicação consistente das restrições da antiga lei, poucos produtores se dispuseram a restaurar suas propriedades ou a compensar seus passivos de acordo com o proposto em lei.

Hoje, segundo May, Bernasconi, Wunder e Lubowski, a questão aparentemente mais importante para a implementação generalizada das CRA é se o nível de fiscalização do uso da terra e do cumprimento com a RL, bem como as oportunidades para negociação, serão realmente suficientes para estimular um mercado. As restrições geográficas sobre transações serão um aspecto crucial da eficácia deste instrumento, levando-se em conta que na maior parte das regiões da Amazônia e do Cerrado ainda há uma enorme quantidade de floresta intacta, maior do que as restrições da legislação florestal. Essas regiões, especialmente as menos acessíveis, podem não estar sob ameaça iminente de ser desmatada (MAY et al, 2015, p 22-29).

O fato citado acima pode criar o que muitos chamam de “ar quente” no mercado potencial de CRA, significando que os proprietários podem compensar seus défices de RL em áreas que na prática não estão ameaçadas de vir a sofrer desmatamento. Esse “ar quente” faz aumentar a oferta de CRA, sendo que o preço dessas cotas tende, assim, a diminuir. Tal fato pode conseguir esvaziar tanto o valor potencial de mercado quanto à eficácia ecológica das CRA (ibidem, 2015).

A discussão a respeito dos fatores que fariam o preço das cotas diminuir ou aumentar, como se vê, muito tem a ver com o escopo das negociações. Por exemplo, o Código Florestal de 2012 estipula que as CRA podem ser emitidas para regularizar propriedades privadas em Unidades de Conservação (UC) ainda carentes de regularização fundiária. Os proprietários de terras privadas no interior das áreas designadas pelo governo como sendo UC, deveriam receber uma compensação pela sua perda, sendo esse um processo demorado (ibidem, 2015).

Para May, Bernasconi, Wunder e Lubowski, o potencial para vender CRA nessas terras em UC poderia gerar receitas que permitiriam que o governo liquidasse seus débitos relacionados a essas terras e regularizasse a integração a unidades de conservação. No entanto, embora útil no processo de reforço de conservação dessas áreas protegidas e, portanto, benéfica para a conservação da biodiversidade no longo prazo, a possibilidade de emissão de CRA referente a essas áreas aumenta mais ainda o escopo das negociações, pressionando o valor de mercado das CRA (ibidem, 2015).

Se o objetivo das CRA fosse unicamente alcançar baixos custos de regularização ambiental para proprietários de terras com passivos ambientais, o aumento de oferta de excedentes florestais seria bem-vindo. Mas não é só isso que se busca com as CRA. A redução de custos com a

regularização das CRA apresenta trade-offs com os objetivos de conservação caso não estejam definidos de maneira clara, sendo que a questão crucial para a formulação de políticas nacionais pode alcançar um adequado equilíbrio entre a oferta e a procura de cotas de modo a que a compensação se torne parte da solução para alcançar as metas de conservação e os objetivos de redução de custos (ibidem, 2015).

Outro fato que faz variar o preço das CRA no mercado é a complexidade de regras para o registro de terras disponíveis para negociação, o que onera os custos de múltiplas camadas de custos de transação e facilmente pode sufocar a aplicação do instrumento. Se o mercado de CRA serve para produzir ganhos de eficiência econômica, ao lado de conservação ambiental, é importante que consiga fazer isso, segundo os citados autores, na medida em que reduz custos de regularização e atinge um nível fixo de benefícios ambientais (ibidem, 2015) (Quadro 1: Possíveis configurações do mercado de compras de CRA).

Quadro 1- Possíveis configurações do mercado de compras de CRA

Para que isso funcione na prática e seja efetivamente consolidado, certas restrições devem ser implementadas para evitar que o mecanismo alcance o benefício de redução de custos, tendo

como base o enfraquecimento da conservação ambiental. Em publicação da CIFOR, equacionou-se em três painéis as possíveis configurações do mercado de compras de CRA que compensam RL dependendo da aplicação da lei e da flexibilidade da negociação, conforme se pode ver no quadro anterior (MAY et al, 2015).

A partir de tal quadro, arrisca-se concluir que quanto maior e mais efetiva a aplicação da lei florestal, somada à flexibilidade controlada e consciente entre as áreas de negociação, desprezando-se a rigidez de escopo e partindo-se para uma análise casuística, mas não parcial, que busca sempre avaliar o peso ambiental da negociação, de peso maior do que a questão puramente econômica (afirmação baseada no direito constitucional à vida e ao meio ambiente saudável e equilibrado); quanto maior e mais efetiva a aplicação da lei florestal, então maiores as chances do mercado de CRA de ser eficaz.

Além disso, no caso das CRA no Brasil, é evidente que sem fiscalização do cumprimento dos regulamentos para o uso da terra, as negociações pouco provavelmente prosperarão. As áreas de demanda de CRA devem estar sob o olhar da lei, caso contrário não haverá demanda para o cumprimento da lei, nem tampouco para compra de CRA. Desse modo, para se garantir preservação superior à obtida sem a ajuda do instrumento de compensação, as áreas de oferta devem estar sob algum grau de pressão de mudança no uso da terra, para que o mecanismo alcance melhoria ambiental na ausência de ferramentas politicas complementares (MAY et al, 2015, p 22- 29).