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Crenças e violência

No documento carlaferreiradepaulagebara (páginas 30-33)

Segundo Cavazza (2008), uma crença pode ser definida como a probabilidade subjetiva de que um objeto possua determinado atributo: desta forma, toda crença associa um atributo a um objeto, com certa probabilidade subjetiva (a expectativa). Em sociedades e em grupos sociais humanos, as crenças descrevem e avaliam uma situação presente, relacionando-se às condutas das pessoas e sendo essenciais para a organização dinâmica e cultural das coletividades de uma forma ampla (Lourenço, 1993).

Três autores, com suas respectivas concepções teóricas são considerados importantes no estudo das crenças: o behaviorista Daryl Bem (1972), o sócio-cognitivista (com influências da psicanálise) Milton Rockeach (1981) e o psicólogo social brasileiro Helmuth R. Krüger (1995).

De acordo com Krüger (1995) crenças são proposições que, na sua formulação mais simples, afirmam ou negam uma relação entre dois aspectos concretos ou abstratos ou entre um objeto e um possível atributo deste. Segundo ele, “as crenças se encontram articuladas no plano subjetivo a valores e a atitudes. No entanto, na esfera social as crenças se constituem enquanto ideologias, utopias, sistemas morais e teorias científicas, entre outros sistemas de proposições. Nesse sentido, as crenças e os sistemas de crenças integram as culturas

desenvolvidas por nós ao longo do tempo” (Krüger, 1995, p.6). Para esse autor, as crenças “são elementos de representação mental, essencialmente abstratos, oriundos de experiências individuais e coletivas que, uma vez alcançando o formato e o suporte físico necessários à sua objetivação, oferecem-se à crítica e a dialetização” (op.cit., p.6). As crenças seriam organizadas em sistemas ou conjuntos logicamente estruturados, sendo capazes de ativar motivações e, portanto, condutas sociais, influenciando por essa via processos coletivos (Krüger, 2004).

Para Bem (1972), as crenças e atitudes humanas se fundamentam em quatro atividades: o “pensar”; o “sentir”; o “comportar-se” e o “interagir”. Dessa forma, os fundamentos psicológicos das crenças e atitudes seriam divididos em: cognitivos (pensar), emocionais (sentir), comportamentais (comportar-se) e sociais (interagir com os outros). De acordo com Bem (1972), quanto mais justificada uma crença, mais intensamente ela tende a ser endossada, especialmente nas circunstâncias em que a decisão sobre o que se irá acreditar ou não tiver sido objeto de um intenso trabalho de reflexão e crítica.

Independente das perspectivas de Bem, Rockeach desenvolve os seus estudos sobre crenças em uma postura mais mentalista (não behaviorista), afirmando que o sistema total de crenças de uma pessoa abrange crenças primitivas pré-ideológicas, compartilhadas ou não socialmente sobre a natureza do mundo físico, da sociedade e do eu (Rockeach, 1981). Defendendo a noção de que as crenças devem se organizadas, Rockeach (1981) aponta que, assim como os elétrons, os astros e os cromossomos, as crenças também tendem a se organizar em sistemas lógicos, apresentando propriedades estruturais mensuráveis. Esse autor acredita que “as crenças não são relatórios verbais” e sim “inferências feitas por um observador sobre estados de expectativas básicas.” (p.2). Assim, “as crenças não podem ser diretamente observadas”, mas “podem ser inferidas da melhor forma possível.” (p.2).

Para Rockeach (1981), as crenças se dividem em cinco classes (que podem ficar ordenadas ao longo de uma dimensão periférica – central): TIPO A – Crenças primitivas – Consenso 100%; TIPO B – Crenças primitivas – Consenso Zero; TIPO C – Crenças de Autoridade; TIPO D – Crenças Derivadas; TIPO E – Crenças Inconseqüentes. A partir dessa formulação, esse autor derivou várias hipóteses relativas à resistência diferencial de mudança das crenças, variando em centralidade, além dos feitos de tais mudanças para o resto do sistema de crenças. (Rockeach, 1981).

Outro fator a ser destacado a partir da postura de Krüger e de significativa importância para o presente trabalho, diz respeito à questão “valor da verdade” no estudo das crenças. Pode-se dizer que as crenças tendem a ser organizadas, adquirindo a forma de teorias,

doutrinas, argumentos e sistema de opinião e de pensamento. Obviamente que a aceitação desta ou daquela crença se condiciona a fatores e critérios diversos. Mesmo o mais sério e honesto dos cientistas (após estabelecer rigorosas normas para aferição da validade), após aceitar pessoalmente a sua “teoria”, faz com que esta se transforme em “sistema de crenças” (aprovada principalmente por seus autores). Autores, seguidores e continuadores são geralmente os que estabelecem o obstáculo mais resistente à revisão ou o abandono da “teoria”. Vale lembrar que “teorias científicas, antes de serem crenças, são sistemas de proposições, permanentemente sujeitos a críticas”. (Krüger, 1995. p.10).

Com base nas idéias de Krüger, se torna importante para o presente trabalho ressaltar a diferença apontada por esse autor entre “crer” e “conhecer”. Segundo Krüger (1995, p.17), “crer” significa “uma ocorrência subjetiva, caracterizando-se pelo grau de assentimento ou adesão que decidimos aplicar a esse ou àquele enunciado ou conjunto de proposições sendo, portanto, mais uma questão psicológica.” Neste sentido, se ocorre o descrer, considera-se que devam existir e ser aceitas por alguém, crenças que se opõem a que foi rejeitada; ao menos a crença na inaceitabilidade da outra.

No que diz respeito a “conhecer”, “este é um fato gnosiológico, referente ao valor da verdade da proposição ou argumento que esteja sendo examinado através de provas ou demonstrações entendidas como pertinentes à análise da validade do seu conteúdo.” (Krüger, 1995, p.18).

Os grupos sociais apresentam algumas características comuns aos seus membros, como leis, costumes, valores e crenças compartilhadas, que chegam a ser extremamente influentes no estabelecimento do curso de processos coletivos, tornando-se aceitável formular hipóteses sobre prováveis reações ou movimentos sociais diante de qualquer circunstância, conhecendo-se, por exemplo, algumas crenças compartilhadas (Krüger, 1995).

No estudo da violência doméstica contra crianças e adolescentes, uma análise das crenças dos profissionais que lidam diretamente com esse fenômeno (dentre eles os Agentes Comunitários de Saúde) se torna relevante, na medida em que tais crenças se constroem a partir da experiência. Sendo assim, considerando a escassez – e subnotificação – de dados oficiais (conselhos tutelares, delegacias, etc) em relação à violência doméstica contra crianças e adolescentes, o presente trabalho se propõe a avaliar as crenças de Agentes Comunitários de Saúde sobre o tema, numa tentativa de maior aproximação e conhecimento dessa realidade ainda bastante velada socialmente.

2 OBJETIVOS

No documento carlaferreiradepaulagebara (páginas 30-33)

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