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Crescimento económico sem impactos ambientais

CAPITULO III: RESPOSTAS E TRAJECTÓRIAS PLAUSÍVEIS

III.1 Crescimento económico sem impactos ambientais

Cenário: Um primeiro mecanismo para inverter a trajetória atual seria dissociando o crescimento económico mundial dos impactos ambientais resultantes do metabolismo social humano. Isto significaria conseguir descarbonizar a indústria mundial e fechar os ciclos biogeoquímicos dos materiais, mantendo a capacidade de a economia mundial crescer numa constelação política parecida com a atual. Para o primeiro objetivo, seria necessária uma transição rápida e maciça de toda a atividade industrial, infraestrutural e de mobilidade para energias renováveis, principalmente a solar. Para o segundo objetivo, seria necessária uma separação dos ciclos biológicos e tecnológicos, com o domínio da absoluta circularidade nos ciclos tecnológicos e o aumento da eficiência dos ciclos biológicos. Para ambos os objetivos, os principais instrumentos seriam o avanço tecnológico e a expansão rápida da inovação no metabolismo social através do mercado, seguindo o modelo discursivo de sustentabilidade convencional. Às vezes, este discurso associa-se também com o discurso do avanço da tecnologia espacial e as promessas de expansão do metabolismo social para além do planeta, desde o aproveitamento de recursos minerais extraterrestres até soluções de fuga de cenários distópicos futuros.

Semelhanças operacionais: Esta abordagem teria elementos comuns com a

atualmente seguida pela chamada “governança não estatal do mercado”, na qual a iniciativa privada procura ocupar o espaço deixado pela regulação nacional e intergovernamental na resolução de problemas ambientais e sociais. Isto acontece através de sistemas de adesão voluntária, como a responsabilidade social corporativa e a utilização de standards e rótulos de

75 Desenvolvido por Dryzek and Stevenson (2011) com base distinções no eixo do económico

(reformismo versus mudança radical) e do político (conservadorismo versus progressismo).

39 certificação para consumidores, que nos últimos vinte anos têm aparecido para vários recursos naturais, como as florestas, vários produtos agrícolas e o pescado. Estes últimos desenvolvem instituições deliberativas de governança adaptativa, que introduzem normas sociais e

ambientais no mercado global. Estas operam num espaço público global emergente, envolvem redes de fornecimento transcontinentais e introduzem sistemas de rastreabilidade para identificar e acompanhar produtos certificados pelo mundo, com base na tecnologia e no acesso e consumo massificado de informação. A legitimidade política desta atuação procura-se diretamente nas audiências interessadas, que incluem os potenciais consumidores dos

produtos certificados e aos mercados que tencionam regular, mas não às autoridades de estados soberanos. No contexto das tendências de internacionalismo, esta abordagem caberia claramente no espaço racional do liberalismo mercantil e o pacifismo ético das instituições multilaterais, afastando-se principalmente do realismo das soberanias.

Desafios: Uma dissociação relativa entre crescimento económico e metabolismo social poderia simplesmente acontecer com um crescimento económico mundial mais rápido do que o aumento no uso de matérias e energia no planeta. Isto poderia simplesmente resultar do aumento dos desequilíbrios entre países ricos e pobres (com o concomitante aumento de exportações de resíduos e importações de materiais escassos, agravando os problemas ambientais planetários) ou através do aumento da desigualdade entre rendimentos do trabalho e do capital (com o concomitante aumento desproporcional do PIB versus o metabolismo social total). Mas isto, para além do aumento das assimetrias sociais globais e dos riscos de conflitos daí resultantes, seria só uma melhoria de eficiência do sistema metabólico social global, não uma transformação suficiente para inverter a trajetória

ambiental atual. Para uma dissociação absoluta acontecer ao nível planetário, seria necessário neste cenário, aparecerem mecanismos de mercado que permitiriam: i) penalizar a

substituição de uns materiais por outros nos atos de inovação (em vez da sua reutilização em ciclos tecnológicos fechados); ii) penalizar a exportação de resíduos dos países emissores para outros países ou regiões; iii) descontar o aumento da componente financeira e da

desmaterialização das economias para evitar dissociações aparentes; e iv) incentivar a aplicação do cenário a todo o tipo de economias e regimes, independentemente do grau de desenvolvimento económico e de intervenção estatal no respetivo mercado nacional.

Críticas: O discurso da governança não estatal do mercado salienta os falhanços da regulação ambiental nacional e regional das décadas recentes, mas não procura hostilizar demasiado as fontes de soberania existentes. A utilização de standards e rótulos nos mercados pressupõe a existência de instrumentos de verificação do cumprimento de normas, regras e leis de sustentabilidade definidas para as atividades com consequências ambientais, que propositadamente restam fora do perímetro destas iniciativas. Esta verificação requer grandes investimentos para a produção de informação, a criação e adaptação de regras e a supervisão de conformidade que, em última instância, continuam a ser atividades financiadas pelos estados e pelos clientes interessados. Esta externalização de custos significa que, por um lado, surge também espaço para a proliferação de promessas ineficazes (conhecidas como

greenwashing) e, por outro, se fortalece o papel de corporações com abrangência

multinacional e capacidade financeira para convencer estados e organizações internacionais a manterem-se parceiros do processo (criando focos geográficos de interesse que não estão necessariamente ligados à dimensão do desafio ecológico e social, aumentando assim as assimetrias planetárias). A fluidez deste espaço internacional é discursivamente legitimada pela soberania do consumidor global, supostamente bem informado e pela representação potencial de todos os interessados nos processos de tomada de decisão. Isto não significa que a governança não estatal dos mercados pode anular ou controlar a influência dos estados (há vários exemplos de soberanias hostis que se autoexcluem ou que criam alternativas

40 encontram maneira de ser servidos proporcionalmente ao poder que estas detêm no espaço internacional. Finalmente, o elevado custo de verificação e a sua externalização num espaço internacional movido pela predominância das leis do mercado implicam que os elementos de validação das melhorias na gestão dos comuns ambientais globais ficam mais associados a informações processuais do que de caracterização de estado e de função ecológica,

potencialmente dificultando e atrasando o processo de transformação do metabolismo social global.

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