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PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E EMPÍRICO

CAPÍTULO 3: IMPACTO DA PRIVAÇÃO DOS CUIDADOS PARENTAIS NO DESENVOLVIMENTO DA

3.2 Efeitos da Institucionalização no Desenvolvimento das Crianças

3.2.1 Crescimento Físico

O crescimento físico é caracterizado pelo aumento do tamanho corporal, peso e comprimento, perímetro cefálico e é considerado um dos melhores indicadores de saúde da criança, devido a sua estreita dependência de fatores ambientais (e.g., alimentação, ocorrência de doenças, cuidados gerais e de higiene, condições de habitação e saneamento básico, acesso aos serviços de saúde), refletindo, assim, as condições de vida da criança, no passado e no presente (Ministério da Saúde, 2012; WHO, 2010).

Tendo em conta o impacto dessa dimensão no desenvolvimento global da criança, nota-se um crescente interesse de investigação dessa temática no contexto institucional (Dobrova-Krol, Bakermans- Kranenburg, van IJzendoorn, & Juffer, 2010; Dobrova-Krol, van IJzendoorn, Bakermans-Kranenburg, Cyr, & Juffer, 2008; Johnson & Gunnar, 2011; Smyke et al., 2007, 2012). A literatura demonstra de modo consistente que as crianças institucionalizadas revelam uma redução significativa no crescimento global

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(Bakermans-Kranenburg et al., 2011; Dobrova-Krol et al., 2008; Johnson & Gunnar, 2011; Nelson et al., 2014; Smyke et al., 2007).

De acordo com a literatura (Dobrova-Krol et al., 2010; Johnson & Gunnar, 2011; Smyke et al., 2007; Stein et al., 2014), o défice no crescimento físico de crianças em ambiente institucional pode ser explicado por uma multiplicidade de fatores: a) fatores pré-institucionais, relacionados com a história da criança no ambiente familiar, incluindo as influências genéticas, a história de saúde da criança, a qualidade dos cuidados familiares e estilo educativo parental, a psicopatologia parental, a exposição ao abuso de substâncias materna na gestação, aos maus-tratos e; b) fatores institucionais, relacionados com a qualidade dos cuidados prestados à criança na instituição, por exemplo, a insensibilidade do cuidador na interação com a criança, a qualidade precária da alimentação/nutrição, falta de higiene, insegurança entre outros.

A investigação tem revelado que o atraso no crescimento físico das crianças institucionalizadas pode variar de moderada a grave em peso, comprimento/altura e perímetro cefálico, sendo evidente que as crianças institucionalizadas com maior défice no crescimento físico são as que apresentam mais riscos pré-natais (e.g., baixo peso ao nascer, exposição ao álcool durante a gestação) (Bakermans- Kranenburg et al., 2011; Johnson & Gunnar, 2011; MacLean, 2003; Smyke et al., 2007). Por exemplo, 85% das crianças dos orfanatos no Canadá, situaram-se abaixo do percentil 10 e 59% no percentil 5 no peso (MacLean, 2003). Na Rússia, mais 70% de crianças com risco pré-institucional cumulativo, foram descritas como tendo atrasos no crescimento físico e no desenvolvimento mental (Wright, Lamsal, Ksetree, Sharma, & Jaffe, 2014).

Mesmo em instituições que prestam melhores cuidados de saúde, nutrição, segurança e saneamento adequados, mas com ambiente psicossocial inadequado, as crianças revelam atraso do crescimento a longo prazo, cerca de 92 a 97% abaixo da mediana, permanecendo até a idade escolar (Bakermans-Kranenburg et al., 2011; Chaves, Lima, Mendonça, Custódio, & Matias, 2013; Groark & McCall, 2011; Johnson & Gunnar, 2011).

As evidências científicas revelam que a privação dos cuidados parentais impossibilita a absorção de micronutrientes favoráveis ao desenvolvimento físico e cognitivo (e.g., ferro, zinco, cobre, iodo) podendo prevalecer até a sua integração em famílias de acolhimento ou adotiva e na idade escolar (Chaves et al., 2013; Johnson & Gunnar, 2011). Por exemplo, alguns estudos associam a negligência às dificuldades do crescimento dos ossos longos (Johnson, 2000; van IJzendoom & Juffer, 2006), pois dificulta a produção da hormona do crescimento (van IJzendoom & Juffer, 2006). Crianças órfãs institucionalizadas em boas condições de saúde e nutrição, porém privadas de cuidados parentais, exibiram atrasos no crescimento físico global na Índia (Routray et al., 2015), no Kazaquistão (Hearst et

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al., 2014). Em particular, o crescimento físico de crianças africanas está associado às dificuldades socioeconómicas familiares (Ford & Stein, 2017; Gernaat et al., 1996; Mwamwenda, 2004). Por exemplo, 30% de crianças Zambianas em famílias pobres do distrito de Nchelenge, dos 0 aos 60 meses (n=250) apresentaram baixo peso para a idade e 69.2% menor comprimento/altura (Gernaat et al., 1996). As difuculdades do crescimento foram associadas a prematuridade e baixo peso ao nascimento. Além disso, uma recente revisão da literatura, que envolveu estudos de 2000 a 2014, considerou o continente africano como tendo maior constelação de fatores de risco para o desenvolvimento normativo de crianças (Ford & Stein, 2017).

A literatura tem evidenciado resultados positivos ao nível do desenvolvimento das crianças após a sua integração em famílias adotivas. O Bucharest Early Intervention Project (BEIP) é uma investigação inovadora assente num estudo randomizado com um grupo de crianças institucionalizadas, permitindo comparar a evolução das crianças que permaneceram na instituição com as crianças que foram integradas em famílias de acolhimento. Este estudo mostrou um rápido aumento no comprimento/altura e no peso durante os primeiros 12 meses quando as crianças foram integradas em famílas de acolhimento em relação ao outro grupo. Estes resultados reforçaram a ideia de que o crescimento físico das crianças institucionalizadas pode ser explicado pelo tipo do ambiente sócioemocional que estão sujeitas (Johnson & Gunnar, 2011).

A institucionalização precoce e o tempo de permanência são considerados fatores de risco ao crescimento físico das crianças, especialmente quando acombinados com a privação dos cuidados na instituição (Beckett et al., 2006; Johnson & Gunnar, 2011; Pereira et al., 2010). Em instituições ucranianas foi verificado que quanto mais cedo o acolhimento institucional e mais tempo na instituição, mais pequenas eram as crianças para a sua idade (Beckett et al., 2006; Johnson & Gunnar, 2011; Pereira et al., 2010).

Particularmente, as crianças com HIV em acolhimento institucional expostas à privação nos cuidados e a violência tendem a revelar défices ao nível do crescimento físico (Dobrova-Krol et al., 2010; Sherr, Roberts, & Gandhi, 2017). Dobrova-Krol et al. (2010) verificaram associações significativas entre o HIV e o crescimento físico e o funcionamento cognitivo em crianças com idade média de 50.9 meses, institucionalizadas na Ucrânia. Dobrova-Krol et al. (2010) verificaram, ainda, que os cuidados familiares eram favoráveis ao desenvolvimento de crianças com HIV quando comparado com os cuidados institucionais. Estudos que se debruçaram sobre os efeitos a longo prazo do HIV no desenvolvimento infantil verificaram que, independentemente do tipo de adversidade, a maioria de crianças com HIV reporta bons resultados desenvolvimentais e resiliência (Sherr et al., 2017; Stein et al., 2014). Contudo, quando são expostas a ambiente de cuidados negativos, manifestam vários problemas no

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desenvolvimento global que frequentemente perduram a longo prazo. Nesse sentido, estes estudos recomendam uma abordagem estratégica de intervenções para crianças afetadas pelo HIV em instituições de acolhimento e em ambientes familiares.