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A partir das leituras realizadas pude destacar a importância da criação na atividade teatral. Convém agora aprofundar o conhecimento sobre o significado da palavra criação à luz do referencial escolhido.

Segundo VIGOTSKI (1987), ao nascer, o indivíduo é inserido em um mundo já existente, com uma estrutura montada onde existem equipamentos, materiais, maneiras de viver, enfim um grande legado de conhecimentos intelectuais, materiais e sociais, dos quais ele terá que se apropriar. Estes conhecimentos e esta estrutura existente no mundo que nos rodeia não surgiu de modo natural, mas necessitou ser descoberto e inventado pelo Homem através de sua ação neste mundo, mais propriamente através da atividade humana.

Descobrir e inventar não são “dons especiais” destinados a pessoas privilegiadas, artistas, intelectuais, ou gênios que possuem uma inteligência sobrenatural. O indivíduo, independente de sua posição social ou seu grau de estudo, é capaz de inventar.

Erroneanemente são consideradas criações apenas as grandes invenções tecnológicas, artísticas ou científicas, reconhecidas pelo mundo e cujos inventores

podemos identificar. Acontece que cotidianamente as pessoas comuns inventam coisas que facilitam sua vida, ou seja, tudo o que existe no mundo e não é natural, por mais simples que possa parecer, é fruto da criação humana. Podemos dizer que são fantasias concretizadas. Convém explicar que fantasia para VIGOTSKI (1987), não é algo alheio à realidade, que nasce de devaneios sem bases concretas. A fantasia é uma função cerebral necessária ao desenvolvimento e progresso humano, que nasce das experiências vividas pelo individuo, suas emoções e sentimentos, sua memória e o conhecimento acumulado, que se combinam com o fantástico e resultam numa criação totalmente nova.

A atividade humana, segundo VIGOTSKI (1987) acontece através de dois impulsos: o impulso reprodutivo e o impulso criador.

O impulso reprodutivo está vinculado à memória e ajuda o indivíduo a conhecer o mundo que o cerca, fixando hábitos através da capacidade de relembrar experiências vividas e a utilizá-las em situações idênticas.

O impulso criador ou combinador é a capacidade do indivíduo modificar seu mundo presente e projetar o futuro, combinando o conhecimento adquirido com suposições e assim criar uma nova idéia.

“Atividade criadora é toda a atividade que cria novas imagens, novas ações em que o cérebro é capaz de reelaborar e criar, com elementos de experiências passadas, novas normas e delineamentos.” (VIGOTSKI, 1987, p. 9)3

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Portanto, o indivíduo não pode criar a partir do nada, ele necessita ter como base as suas experiências passadas, ou seja, a imaginação tem sua origem na realidade, nas experiências vividas.

Todo o indivíduo é capaz de criar, mas dependendo de seu desenvolvimento, a atividade em que a criação ocorre e a forma como ocorre são diferentes. Na infância a atividade criadora acontece através dos jogos.

“É verdade que em seus jogos as crianças reproduzem tudo o que vêem, porém, é bem sabido o imenso papel que pertence à imitação nos jogos infantis. As imitações são reflexos do que as crianças vêem e ouvem dos adultos, tais elementos da experiência distante nunca são levados pela criança a seus jogos como eram na realidade. As crianças não se limitam em seus jogos a recordar as experiências vividas, mas as elaboram criativamente combinando-as entre si e construindo com elas novas realidades de acordo com suas necessidades. É o afã que sentem de fantasiarem as coisas, o reflexo de sua atividade imaginativa, como os jogos.” (VIGOTSKI 1987, p. 12 )4

A criação humana origina-se no conhecimento do indivíduo utilizando como base as experiências realizadas. Ela surge mediante um problema, uma necessidade ou desejo e é movida pelo sentimento, emoção e pensamento.

Visto que a base da atividade criativa está na experiência vivida, fica óbvio que ela não ocorre na criança da mesma maneira que no adulto, muito menos com a mesma qualidade e possibilidade de combinações, pois a quantidade de experiências é muito inferior. A atividade criativa evolui gradativamente, respeitando cada etapa de desenvolvimento do individuo, e transforma-se à medida que se ampliam suas experiências e conhecimentos. Durante a infância a criança não consegue dominar sua atividade imaginativa atribuindo a ela grande

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credibilidade. Este controle surge gradativamente e torna-se pleno na idade adulta.

À medida que se atribui à criação o significado de fazer algo novo, pode-se dizer que ela está presente em todas as etapas do desenvolvimento do indivíduo, incluindo, então, a infância.

A atividade teatral para as crianças poderia, assim, propiciar a atividade criativa. Vimos que na infância a criança ainda não tem o controle sobre sua imaginação, atribuindo a ela credibilidade, o que explica a necessidade de realizar concretamente suas fantasias. Já o adulto realiza suas fantasias através dos sonhos. A criança satisfaz esta necessidade através dos jogos e é nesse sentido que a dramatização está relacionada.

“O teatro está mais ligado que qualquer outra forma de criação artística com os jogos, onde reside a raiz de toda a criação infantil e é por ela a mais sincretizada, ou seja, contém em si elementos dos mais diversos tipos de arte. E por certo que neles reside o mais alto valor da representação teatral infantil, fonte de inspiração e de material para os mais diversos aspectos da arte das crianças.” (VIGOTSKI, 1987, p. 86, 87)5

No texto, VIGOTSKI (1987) enfatiza o trabalho com teatro na idade escolar, ou seja, a partir dos sete anos, e valoriza todo o trabalho teatral como forma de propiciar a atividade criativa. Desde a autoria do texto até a confecção do cenário, tudo deve estar a cargo das crianças, o fazer pertence a elas, pois, este excita a imaginação e a criação técnica. Para validar sua afirmação o autor cita Petrova:

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“O drama como forma de expressão das impressões vividas, disse Petrova, repousa intensamente na natureza das crianças e encontra sua expressão espontaneamente com independência dos desejos adultos. A criança mimetiza as impressões externas que percebe no meio que a rodeia. Com a força de seu instinto e de sua imaginação, a criança cria as situações e o ambiente que a vida não a proporciona para improvisar impulsos emocionais (heroísmo, ousadia, abnegação). “ (VIGOTSKI, 1987, p. 85)6

O autor afirma que, a cada fase de desenvolvimento, a atividade criadora é

expressa de forma diferente. No texto, a referência ao teatro acontece a partir da idade escolar, tornando-se primordial descobrir como a atividade criadora acontece na idade pré-escolar e, principalmente, aprofundar a relação existente entre a atividade criadora e o jogo. A necessidade de se estudar a questão do jogo na infância evidenciou-se em todos os textos referentes ao teatro, mas foi na leitura de VIGOTSKI que encontrei a base para fortalecer minha pesquisa, mais especificamente na frase em que define o jogo como a raiz de toda a criação infantil.