• Nenhum resultado encontrado

O Direito infanto-juvenil é essencialmente não discriminatório e, que amparado na busca do melhor interesse, visa a proteger a vida e o desenvolvimento saudável das pessoas de crianças e adolescentes, respeitando as opiniões e o grau de autonomia destes. Ele tem estreita relação com a visão atual da família, caracterizada por ser um ambiente de respeito mútuo, de solidariedade e de estímulo para o desenvolvimento das qualidades e potencialidades de cada um daqueles que a compõem. As similitudes são evidentes, uma vez que tanto a família como o Direito infanto-juvenil são não discriminatórios e zelam pelo desenvolvimento da personalidade de crianças e de adolescentes na qualidade membros da entidade familiar.

O reconhecimento de crianças e de adolescentes como sujeitos de direitos em condição especial de desenvolvimento, adquirem estes novo papel nas relações familiares, deixando a

122

56

condição de coadjuvantes para se tornarem importantes interlocutores, personagens ativos na vida familiar, cujos interesses são considerados na organização da família123. A família deve ser encarada, então, como o lugar por excelência onde se deve efetivar em primeiro lugar direitos de crianças e de adolescentes cujas opiniões devem ser priorizadas para a tomada de decisões familiares124.

O artigo 227 da CRFB assegura os direitos fundamentais a todas as crianças e adolescentes, cabendo à família, à sociedade e ao Estado a efetivação de tais direitos. A enumeração como

feita (família, sociedade e Estado) parte da “instância” mais próxima da criança, para aquela “teoricamente” mais distante, o que não significa que um seja mais responsável que o outro,

apenas que cada um desses “entes” tenha a sua parcela de responsabilidade na garantia e efetivação desses direitos, ainda que tais responsabilidades sejam diferentes.

Em razão da sua natural vulnerabilidade e dependência, a família tem maior importância para a população infanto-juvenil do que para os adultos. Ela é o mais importante espaço de desenvolvimento e, pela relação de proximidade e afetividade com determinada criança e/ou adolescente, é também seu principal agente socializador, especialmente nos primeiros anos de vida destes. É lá que se estabelecem suas primeiras relações afetivas e sociais essenciais à saudável formação das pessoas em desenvolvimento125.

Para o psicanalista inglês John Bowlby, a personalidade saudável em qualquer idade pressupõe a capacidade do indivíduo de reconhecer pessoas capazes de lhe proporcionar segurança e a capacidade desse mesmo indivíduo em cooperar com tais pessoas em uma relação reciprocamente gratificante126. Logo, o ser humano saudável é aquele que possui aptidão para estabelecer vínculos benéficos, aquele que consegue confiar em outras pessoas e que sabe em quem confiar.

É nos cuidados recebidos na primeira infância que a criança começa a desenvolver a capacidade de criar vínculos, a confiança, a autoestima e a autonomia, aptidões e sentimentos

123 Cf: VILLELA, João Baptista. Liberdade e família. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1980, p. 14.

124 Cf: FERRER, op. cit., p. 84. 125 Cf: BRASIL, 2006, p. 26.

126 Cf: BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1982, p. 98.

57

que refletirão na habilidade de cada um de lidar com situações adversas no futuro sem sofrer grandes abalos psicológicos, denominada de resiliência. A família é a responsável por promover a inserção do infante no mundo exterior e também introjetar noções de limites, regras e proibições essenciais no convívio social.

Para o Direito da Criança e do Adolescente é mais importante o papel protetor e promotor do desenvolvimento saudável da família do que a classificação, nomenclatura ou efeitos de cada entidade familiar. Logo, o que realmente importa é apurar se a criança ou o adolescente vive em um ambiente de proteção e respeito capaz de lhe proporcionar uma formação cidadã e não se seus pais são casados ou se vivem em união estável. Assim, pode-se afirmar que para as pessoas em desenvolvimento o foco é em primeiro lugar no ambiente familiar e posteriormente nas pessoas que vão proporcionar tal espaço.

Gustavo Mônaco ensina que nesse grupo familiar é essencial que a criança tenha pessoas que exerçam as funções de autoridade e de cuidado, sendo tais papéis normalmente ligados às figuras do pai e da mãe respectivamente, podendo ser cumpridos por ambos os pais ou até mesmo por terceiros127.

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária defende a necessidade de uma definição mais ampla de família que engloba uma perspectiva sócio antropológica e um viés simbólico e relacional. Sob o primeiro aspecto a família seria um grupo de pessoas vinculadas por laços de aliança, de consanguinidade e de afinidade, os quais geram obrigações mútuas organizadas segundo relações de idade, geração e gênero, como pais, avós, irmãos, etc. Já a segunda faceta decorreria de outros vínculos que geram obrigações recíprocas fundadas no afeto e na convivência, como os amigos, padrinhos, vizinhos, que também têm a sua importância128. Justamente por isso, o Direito da Criança e do Adolescente trabalha com a noção de família natural, aquela formada pelos pais ou um deles e seu(s) descendentes(s) (art. 25 da Lei no 8.069); família extensa ou ampliada, outros parentes próximos com vínculos de afetividade e afinidade com a criança e/ou adolescente (art. 25 parágrafo único da mesma lei); e família substituta, todos aquelas que não se enquadram em nenhum dos dois conceitos anteriores129 e

127 Cf: MONACO, op. cit., p. 255. 128 Cf: BRASIL, 2006, p. 24. 129

58

não com as modalidades de entidades familiares previstas no art. 227 do texto constitucional130. Cabe primeiramente aos pais propiciar esse espaço para o desenvolvimento saudável de seus filhos, só podendo, excepcionalmente, o Estado intervir na família caso haja ameaça ou violação aos direitos infanto-juvenis e, mesmo assim, tal intervenção deve ter, a priori, o intuito de cessar a ameaça ou restaurar o direito ofendido e de reforçar os vínculos familiares. Somente quando constatada a impossibilidade de manutenção da criança e/ou do adolescente junto aos genitores é que poderá ocorrer o afastamento entre pais e filhos e, em regra, por decisão judicial131.

Donald Winnicott destaca a importância de um ambiente facilitador no processo maturacional das pessoas em desenvolvimento, especialmente nos primeiros anos de vida, quando há uma maior relação de dependência da criança, e afirma que se tal ambiente não for satisfatório, pode esta mesma criança não atingir sua plenitude pessoal132. Dessa forma, o ambiente

familiar pode ser definido como “aquele desenvolvido por pessoas que se inter-relacionam de

maneira regular e recorrente, ligadas por laços naturais de parentesco, por afinidade, por

vontade expressa ou por afetividade” 133

, essencial para a formação de criança e de adolescentes. À inter-relação regular e periódica entre os membros do grupo unidos pelos mais variados vínculos, pode também chamar-se de convívio, sendo ela essencial para o desenvolvimento infanto-juvenil.