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Capítulo 1 – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. O relacionamento no grupo de pares que inclui crianças com NEE

3.1. A criança com NEE no grupo de pares

O estudo do desenvolvimento moral na criança permite-nos ter uma ideia melhor do modo como as crianças julgam os seus pares e as suas atitudes. Papalia et al. (2001) descrevem dois estádios principais nesse desenvolvimento:

 estádio da moralidade heterónoma (coação): caracterizado pelos juízos rígidos e simplistas que a criança formula;

 estádio da moralidade autónoma (cooperação): caracterizado por juízos flexíveis, podendo ocorrer a formulação de um código moral pessoal.

Sabendo o ponto em que cada criança se encontra nestes estádios, é possível perceber melhor a forma como elas olham para os outros e como elaboram os seus juízos em relação ao que as rodeia. Isto é especialmente importante no que diz respeito aos colegas diferentes, pois a sua atitude ou grau de aceitação estará em consonância com o estádio de desenvolvimento moral, podendo modificar-se à medida que a criança vai evoluindo desde a coação (em que as figuras de autoridade impõem as regras) até à cooperação (em que as regras são aceites de comum acordo no grupo de pares).

Embora o comportamento da criança pequena seja egocêntrico, sendo incapazes de adotar a perspetiva do outro, à medida que vai crescendo e adquire níveis cognitivos mais sofisticados, o comportamento cooperativo torna-se possível. É então que princípios morais, como o “respeito mútuo”, podem ser representados (Sprinthall & Sprinthall, 1993). Em experiências centradas na observação das interações entre crianças com e sem deficiência, Vayer e Roncin (1992) verificaram que as crianças mostram tendência em se aproximar de outras semelhantes a elas. O nível de interação entre os dois grupos diminui quando a complexidade das atividades aumenta. Porém, as crianças normais adotam atitudes mais favoráveis para com as outras, o que ajuda o desenvolvimento das

capacidades sociais da criança com deficiência. Isto verifica-se tanto em relação a crianças com atrasos motores como aquelas com atrasos cognitivos.

Outro estudo dos mesmos autores mostrou que a aceitação da diferença é maior nas crianças que já tinham algum contacto anterior com colegas deficientes. Esta investigação revelou ainda que a inclusão de ambos os grupos de crianças na educação pré-escolar facilita não só o desenvolvimento das crianças com deficiência mas também o das outras normais. As crianças deficientes integradas no grupo revelam melhorias no plano comportamental, quando comparadas com crianças semelhantes que permanecem em classes especiais. Em suma, «o facto de colocar as crianças deficientes com as outras crianças é sempre favorável ao desenvolvimento dos sujeitos desfavorecidos e jamais é negativo para os normais» (Vayer & Roncin, 1992, p. 61).

3.1.1. Atitudes e comportamentos

Os estudos de Vayer e Roncin (1992) sobre o grau de aceitação das crianças com NEE pelas outras crianças da turma revelam que há um afastamento dos deficientes profundos, que são incapazes de comunicar ou desenvolver trocas. A maioria das crianças com algum défice ou incapacidade são aceites ou toleradas, consoante o seu comportamento e as circunstâncias. No jardim-de-infância, a sua integração junto das outras crianças normalmente não apresenta problemas, mas já na escola a sua situação oscila entre a aceitação e a tolerância.

«Qualquer que seja o estatuto atribuído ao outro, deficiente ou normal, é sempre o comportamento do sujeito que determina a sua atitude para com ele.

No que concerne aos indivíduos deficientes, as crianças, na sua grande maioria, têm atitudes de procura, de aceitação ou de tolerância, as mesmas que têm para as outras crianças» (Vayer & Roncin, 1992, p. 103).

Para se ser aceite no grupo de pares, o fator essencial é a comunicação ou a capacidade de interação com os outros. O jogo social das inter-relações e interações é governado por uma regra básica, que as crianças compreendem e aceitam sem problemas – podes fazer o que quiseres, desde que não perturbes a atividade dos outros. É a partir daí que a criança se envolve na ação e surgem os fenómenos de grupo: diálogo, coordenação das atividades, jogo imaginativo e também os conflitos, que obrigam cada uma a ajustar-se

à outra. Se a criança deficiente não for muito diferente e, sobretudo, não for agressiva, será normalmente integrada no grupo de pares.

As observações mostram que o défice da criança não é fator de repulsa ou de atração para as crianças consideradas normais. «Qualquer que seja a condição da criança ou o estatuto que lhe é atribuído pelo adulto, ela é procurada, aceite ou tolerada de acordo com o sentimento de segurança que transmite às outras» (Vayer & Roncin, 1992, p. 95). Estes autores entrevistaram meia centena de crianças do 4º e 5º anos para avaliarem qual a sua perceção sobre os colegas com défices. As respostas obtidas revelam algumas opiniões que são comuns a todas as crianças, enquanto outras são referidos pela maioria delas.

As opiniões partilhadas por todos são:

 as crianças deficientes precisam de ser ajudadas;

 a criança normal reconhece a deficiência e encara-a com temor e tristeza;

 a criança normal não se sente superior à criança deficiente;

 as crianças evitam fazer julgamentos negativos sobre o comportamento dos colegas deficientes;

 a deficiência é sentida como um injustiça. Outras opiniões abordadas pela maioria:

 a criança deficiente deve ficar com as outras sem deficiência;

 a integração da criança é importante para os pais;

 pode existir uma tendência para gozar com o deficiente, mas é apenas passageira;

 o professor deve prestar a mesma atenção às crianças deficientes.

Para compensar a sua desvantagem, as crianças com deficiência possuem capacidades de escuta e de aceitação superiores às da maioria das outras crianças. Como necessitam de ser reconhecidas, procuram a presença do outro e ajustam-se à situação proposta. Da mesma forma, a aceitação das crianças deficientes pelas outras deve-se sobretudo às capacidades e competências sociais que as crianças já possuem (Vayer & Roncin, 1992).

3.1.2. A educação da criança com NEE

«A educação é um processo fundamental de evolução pessoal que adquire sentido no mundo da comunicação» (Vayer & Roncin, 1992, p. 148). Comunicar significa “pôr em comum”, “participar em”. Assim, todas as crianças, incluindo as que são diferentes, devem participar do processo de socialização, o qual acontece no diálogo entre pessoas e grupos. Logo, educação e socialização estão ligadas, pelo que a inclusão de todas as crianças na vida escolar constitui o primeiro passo da sua admissão na sociedade.

Como já foi dito, a aceitação da criança deficiente por parte das outras depende da sua capacidade de comunicação e não da natureza ou gravidade da deficiência. Na realidade, uma vez que a maioria das crianças deseja estar com as outras, não deve haver grandes problemas de integração a esse nível. Os maiores problemas surgem a nível da comunicação, em especial se estiverem associados a comportamentos agressivos ou de isolamento. Por isso, Vayer e Roncin (1992) afirmam que «a inserção das crianças deficientes na classe tem limites ditados pelas suas capacidades de comunicação» (p. 150).

A diferença e a diversidade são condições necessárias para o desenvolvimento da criança, pelo que a presença de crianças com NEE na turma constitui um fator dinâmico, se forem respeitados alguns limites, por exemplo, o número máximo dessas crianças na classe – 3-4 num total de 20-25 alunos. Para Vayer e Roncin (1992), deve evitar-se ter apenas uma criança com NEE na turma, pois ela necessita não só do modelo normal das outras, mas também da semelhança de alguém com quem se possa identificar.

A relação na escola é um ajustamento permanente às pessoas e às circunstâncias. O professor pode intervir quando existir perigo ou ameaça à integridade da criança, mas não a deve obrigar a participar nas atividades com as outras. A criança isolada aproximar-se-á naturalmente se vir as outras agirem com prazer, inserindo-se assim no mundo da comunicação com os seus pares.