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Criança, Infância e Desenvolvimento Humano

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CAPÍTULO 4: A perspectiva da teoria histórico-cultural de Vygotsky

4.1 Criança, Infância e Desenvolvimento Humano

De acordo com Vygotsky as características tipicamente humanas não estavam presentes desde o nascimento do indivíduo e nem seriam resultado de pressões do meio externo, mas sim, fruto da interação dialética entre o homem e seu meio sociocultural, de maneira que enquanto transforma o meio em que vive, transforma a si mesmo também. (VYGOTSKY, 1984). Desse modo, o homem ao modificar o ambiente através do seu comportamento, estará influenciando no seu comportamento e dos seus pares futuramente. Em decorrência disso, afirmava que o desenvolvimento mental humano não se dava a priori nem de modo passivo, ou independente do desenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana, e sim, por meio da internalização dos

55 modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações. E esse conceito de internalização seria crucial em sua teoria. Isso porque, defendia que primeiro o desenvolvimento ocorria no nível social para depois ir para o nível individual, ou seja, em primeiro lugar entre as pessoas (interpsicológico) e depois dentro da própria pessoa (intrapsicológico). (VYGOTSKY, 1984)

Ademais, essa relação entre o homem e o mundo não seria direta. Um importante postulado de Vygotsky se refere à mediação existente nessa relação. São pelos instrumentos técnicos e os sistemas de signos construídos historicamente que possibilitam a mediação dos seres humanos entre si e com o mundo. Esses meios seriam criados pela própria espécie humana, e a linguagem seria o principal signo mediador, carregando em si conceitos elaborados pela cultura humana e possibilitando sua propagação. A linguagem tem grande destaque em sua teoria, pois perpassaria todos os campos de atividade consciente do homem. Seja na expressão de conhecimento, nas interações em gerais com o meio, na transformação do pensamento e na internalização, ou seja, em todos os caminhos da aprendizagem e na constituição da atividade psicológica humana como um todo.

E na medida em que admite que é a interação do indivíduo com o meio que define a constituição humana, por meio de uma relação dialética, de trocas recíprocas entre ambiente e organismo, Vygotsky refuta as teses que até então antagonizavam o que era inato e o que era adquirido nas discussões teóricas no campo da Psicologia do Desenvolvimento Humano, onde de um lado estavam as abordagens ambientalistas, caracterizadas por uma exclusiva ênfase ao meio externo para o desenvolvimento do ser humano, e as nativistas que supervalorizavam os aspectos hereditários e maturacionais. Ademais, o pensador não apenas atenta para a essencialidade das trocas nessa relação para o desenvolvimento, como encara as transformações recorrentes que acontecem a partir desse desenvolvimento e não só nos contextos ambientais e sociais como dentro dos próprios organismos humanos, olhando para o desenvolvimento humano como algo em constante metamorfose, e dando especial atenção para a fase do desenvolvimento ao longo da infância humana.

Considerando que um destaque nos estudos de Vygotsky é quanto à ideia de desenvolvimento humano que para ele é um processo socialmente constituído, no que tange a criança, afirma que a maturação biológica é fator secundário no

56 desenvolvimento de seu comportamento, pois dependem da interação da criança com sua cultura. Dessa forma, a estrutura fisiológica humana, o inato, não seria suficiente para o desenvolvimento de uma criança nos padrões humanos habituais sem que houvesse o ambiente social. No início da vida sim, sua atividade psicológica é determinada por herança biológica, mas aos poucos as interações com grupos sociais e objetos da sua cultura direcionam o seu comportamento e o desenvolvimento do seu pensamento. Nesse sentido, aponta quatro diferentes níveis de análise ao se debruçar sobre o desenvolvimento humano. A filogênese (características da espécie), a ontogênese (desenvolvimento individual do ser humano numa espécie), a sociogênese (cultura na qual o sujeito está inserido) e a microgênese (relacionada às experiências pessoais). Nesses termos, as características do desenvolvimento dos seres humanos seriam multirreferenciais, que geraria também uma multiplicidade de efeitos, e de descontinuidades, e por isso, não seria possível ver o desenvolvimento da criança como um processo previsível, universal e linear, principalmente ao se reconhecer a essencialidade do contexto cultural (sociogênese) e das experiências pessoais (microgênese) de cada uma.

Sob essa conjuntura, a história do comportamento da criança nasceria de “duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural.” (VYGOTSKY, 1984, p.52). E quanto à questão sociocultural, essa seria inicialmente mediada pelos adultos, que incorporariam as crianças à sua cultura atribuindo significado aos objetos e às condutas ao seu redor. Dessa maneira, o desenvolvimento do psiquismo humano seria mediado pelo outro, de modo que a criança fosse se apropriando no início da sua vida do funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura de seu meio, e depois de internalizados, esses processos ocorreriam sem a intermediação de outras pessoas, e as atividades passam a constituir um processo voluntário e independente. De forma que, “ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais.”(REGO, 2011, p.62).

57 Assim, o desenvolvimento da criança seria caracterizado por relevantes transformações “na própria estrutura do comportamento; e a cada novo estágio, a criança não só muda suas respostas, como também as realiza de maneiras novas, gerando novos "instrumentos" de comportamento e substituindo sua função psicológica por outra.” (VYGOTSKY, 1984, p.51). E dessa forma, a cada estágio do desenvolvimento, a criança adquire os meios para intervir de forma competente no seu mundo e em si mesma de forma adaptativa que supere os impedimentos que a criança encontre.

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