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Criança, infância, professor, médico e educação na concepção de Luiz Antonio

2 INSTRUMENTAL DE ANÁLISE: ENTRE INFLUÊNCIAS, CONCEITOS E APROPRIAÇÕES

2.2 ÈDOUARD CLAPARÈDE E LUIZ ANTONIO DOS SANTOS LIMA: CONCEITOS

2.2.2 Criança, infância, professor, médico e educação na concepção de Luiz Antonio

Percebemos tanto em Luiz Antonio quanto em Claparède o destaque dado pelos teóricos à importância da infância e à valorização da criança como indivíduo em desenvolvimento. Porém, a diferenciação de pontos de vista se dá com o fato de o teórico suíço se deter na análise da identidade do sistema funcional dos períodos da infância e da vida adulta; enquanto que o teórico potiguar se detém na análise da identidade fisiológica dos períodos evidenciados.

Luiz Antonio dos Santos Lima ressalta que o modo errôneo de muitos pesquisadores considerarem a criança como uma miniatura do adulto se deve ao

fato de a fisiologia infantil ser similar à do indivíduo adulto. E compara afirmando que “embora [...] o rythmo cardiaco e respiratorio da creança diffira pouco do que será mais tarde, a pediatria lança mão dos mesmos recursos de que se faz uso na therapeutica dos adultos” (LIMA, L., 1927b, p. 14).

No entanto, em Luiz Antonio, essa semelhança fisiológica não é verificável naquilo que concerne ao cérebro e às suas especificidades: de uma vida psíquica medular (no recém-nascido, a medula é mais adiantada do que o cérebro), o bebê, a criança e o jovem passam a ter o encéfalo e a caixa craniana desenvolvidos na proporção coerente entre “continente e conteúdo”. Isso porque, à medida que a pessoa cresce, ocorre a ossificação craniana e o aumento da massa cerebral, atingindo essa região um ponto máximo de desenvolvimento no período da juventude. Conforme as estatísticas de Luiz Antonio (1927b, p. 15), “aos 7 annos, o cerebro adquiriu 83% de seu desenvolvimento; aos 14 [anos], 95%”.

É necessário, portanto, um tempo razoável para o órgão atingir seu desenvolvimento completo – o que faz com que Luiz Antonio considere a infância a fase mais importante na vida de uma pessoa. Assim sendo, traz uma citação de Yerkes (apud LIMA, L., 1927b, p. 15) para frisar que “o que se faz por uma creança durante os primeiros annos de sua vida é infinitamente mais importante que tudo que é feito mais tarde”. Para Luiz Antonio, portanto, os primeiros dez anos de um indivíduo constituem a idade de ouro do seu desenvolvimento.

Trata-se do período da vida em que os sentimentos e as emoções devem ser formados, já que é aqui que são lançados os fundamentos estruturais da personalidade de cada ser. É nessa fase que o indivíduo tem o desenvolvimento simultâneo do seu corpo e da sua mente e também que adquire os mais variados hábitos de moral e comportamento. Segundo Luiz Antonio, é durante a infância que os bons hábitos devem ser incentivados, os maus hábitos corrigidos e a formação do caráter da criança deve ser guiada.

O autor reconhece, ainda, que essa é a única fase, completa ou não, de contato da grande maioria das crianças com a escola pública ou particular. E, justamente por isso, é nesse período que existe uma maior possibilidade de reconhecimento das deficiências mentais que as crianças apresentam. A preocupação constante de Luiz Antonio com os problemas relacionados à mente deve-se ao fato de que, no seu entender, quanto mais cedo a anormalidade

comportamental ou moral fosse detectada, mais chances de cura e de reinserção social a criança anormal curável teria.

Essa triagem precoce das anormalidades e a importância da infância foram destacadas nos tópicos que se seguem, datados de 1922 e encontrados na tese de doutoramento. São eles:

1) Nesse periodo [de vida] é assegurada a collaboração indispensavel dos paes, que comprehendem mal que o medico tenha de intervir junto a uma creança de 12 annos, illetrada, mas vigorosa e de boa apparencia;

2) Só nessa occasião é possível redigir sobre a creança uma observação completa, graças á lembrança recente dos paes, que facilitará distinguir o que constitue os signaes da evolução até os 3 annos e os diversos incidentes pathologicos sobrevindos;

3) É nessa occasião ainda que é permittido fazer uma classificação

ne-varietur, por assim dizer, das creanças, seus modos de sêr, a

evolução da linguagem, sua affectividade, estando as suas tendencias já esboçadas em grandes linhas;

4) Antes de sua segmentação mais completa, o systema nervoso é, ao mesmo tempo, mais sensivel a todas as toxi-infecções e á therapeutica racional, muitas vezes inefficaz na creaça maior [...]; 5) É de tres a seis annos que se fará com toda precisão necessaria a distincção entre a creança atrazada curavel, que será confiada aos que saberão aguardar e ajudar sua evolução, e a creança retardada

incuravel, cuja indigencia intellectual póde ser apenas adornada; se

se não quer esperar a prova absoluta e definitiva do tempo, isto é, a edade de 15 a 20 annos, é observando o periodo mais activo e mais rico da evolução do sêr, entre tres e sete annos, que se poderá ser avisado e, portanto, que poderá agir utilmente para o recrutamento das classes de aperfeiçoamento, que devem ser reservadas aos retardados;

6) Todos os medicos especialistas em psycho-pediatria podem, antes dos 6 annos, estabelecer um diagnostico de creança retardada ou atrazada pela investigação dos signaes neurologicos que acompanham, nesse periodo da vida, os signaes de insufficiencia mental, cujos conjunctos differentes veem confirmar a opinião de se tratar de simples atrazo ou de parada. (COLLIN apud LIMA, L., 1927b, p. 22, grifos do autor).

Vemos que, durante a infância, tão importante quanto à figura dos pais – que acompanham e observam seus filhos diariamente –, aparece a figura do profissional da saúde, o médico, cuja função é fazer um diagnóstico preciso da anomalia mental da criança, procurando sua etiologia, “muitas vezes familiar e social: alcoolismo, syphilis, tuberculose, etc.” (LIMA, L., 1927b, p. 23), e propondo tratamento médico, se possível, para o comportamento estabelecido como fora do padrão.

Atuando sempre em parceria com os pais e professores, uma vez identificada a deficiência mental, cabe ao médico designar para cada criança as medidas de correção das anomalias comportamentais e morais nela observadas. Conforme ainda o excerto destacado, é preciso, pois, que o médico corrija as tendências maléficas à saúde, que se originam no indivíduo enquanto criança e que podem se desenvolver como uma anomalia mais grave no futuro, ameaçando as integridades individual e coletiva.

Essa discussão sobre infância, papel do médico e anormalidades mentais orienta a percepção de Luiz Antonio sobre o conceito de criança: no seu entender – e no da intelectualidade médico-higienista –, a criança é vista como um indivíduo em desenvolvimento cuja personalidade deve ser moldada segundo o padrão normalizador tido como ideal.

O formato que a “massa mole” vai adquirir, numa referência ao modo pelo qual a criança era vista (nas próprias palavras de Luiz Antonio: “o bloco” e a sua “maleabilidade”), está em conformidade com a normalização comportamental almejada pela intelectualidade detentora do saber médico-científico. Moldar a personalidade, nesse contexto, é incutir bons hábitos e formar os sentimentos e as emoções conforme a conveniência médica. Os médicos, por terem o conhecimento científico sobre aquilo que é melhor para a sociedade, detêm o poder de vigilância e controle dos corpos sociais e por isso conformam as personalidades segundo o padrão normalizador apropriado.

Nessa perspectiva, a criança é vista como um instrumento de transformação social porque somente formando bons hábitos mentais durante o período da infância a sociedade seria renovada, passando de doente, incivilizada e indolente para saudável, civilizada e progredida. Por isso é importante, para Luiz Antonio, que os hábitos sadios sejam formados logo após o nascimento, devendo a educação da criança começar cedo, desde o berço.

A valorização da educação, segundo o educador e médico higienista do Rio Grande do Norte, dá-se pela necessidade de se fazer a profilaxia mental das crianças em idade escolar. Na definição que traz em sua tese, Luiz Antonio afirma que “a educação é o conjunto de acções que se exercem sobre um ser immaturo para apressar e melhorar o desenvolvimento organico e psychico, afim de tornal-o apto a viver no ambiente em que se encontra e na sociedade de que faz parte”

(CESCA apud LIMA, L., 1927b, p. 10). E continua explicando que

Essa aptidão “a viver no ambiente em que se encontra e na sociedade de que faz parte” consagra estrictamente o objectivo da “adaptação”, collimado na Hygiene mental, como segurança da felicidade do individuo e tranquilidade do aggregado social em que ingressa. (LIMA, L., 1927b, p. 10, grifos do autor).

Nesse sentido, procurando desenvolver um sistema de reflexos condicionados, que permitam à criança se recusar contra os maus hábitos e se voltar para os bons, a educação proposta por Luiz Antonio controla o desenvolvimento infantil, corrige seus desvios e amplia suas virtudes de modo a integrar e adaptar a criança à sociedade. Dessa forma, por consistir nos bons conselhos de moral e de higiene, que evitam que a criança caia no desequilíbrio psíquico, sua educação traz a figura do professor como modelo de pessoa equilibrada física e mentalmente que deve ser seguido pelos escolares.

É válido destacar que o professor, além de exemplo social, deve trabalhar em prol da correção dos desvios comportamentais, do aprimoramento das qualidades e da extirpação dos defeitos incipientes observáveis no ser em formação. Segundo Luiz Antonio (1927b, p. 23)

[...] é a elle [...] que compete apontar ao medico escolar as creanças que, á sua observação e experiencia, pareçam affectas de anomalias, quer pelo caracter pathologico de retardamento, quer pela indisciplina e inadaptação ao rythimo escolar normal.

Esse profissional deve ajudar a criar uma segunda natureza, boa, através do enxerto de hábitos sadios na criança em idade escolar; deve observá-la e, como se percebe no excerto destacado, atuando em parceria com o profissional da saúde, apontar ao médico aquelas que pareçam ser afetadas por anomalias mentais (LIMA, L., 1927b).

2.3 ÈDOUARD CLAPARÈDE E LUIZ ANTONIO DOS SANTOS LIMA: