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A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS POBRES NO AMAZONAS E SUA INTERFACE COM A HISTÓRIA BRASILEIRA

1.5 CRIANÇA POBRE E EXCLUSÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ao iniciar a abordagem do tema proposto, acreditamos que é necessário esclarecer acerca da concepção de pobreza que permeia o pensamento ora exposto. Afinal, o que significa ser pobre? O que caracteriza a vida de uma criança pobre? O conceito de pobreza, também sofre alterações e vai se redefinindo de acordo com os interesses do capital internacional. A definição adotada pelo Banco Mundial, no Relatório publicado em 1990: “incapacidade de atingir à um padrão de vida mínimo”, é substituída pelo novo discurso que acrescenta à falta de recursos, os direitos sociais. No entanto, nos alerta Campos (2012), que:

A centralidade da infância no século XXI constitui-se, assim, por um duplo jogo: por um lado, a visibilidade das crianças e de suas misérias e, por outro, a invisibilidade das condições econômico-sociais que as produzem. Essa operação, que poderia ser compreendida apenas como um mecanismo discursivo das novas liturgias sobre a infância, de fato, expressa um processo perverso de repolitização da concepção de pobreza, na medida em que se introduz uma disjunção entre as condições estruturais que a produz e suas formas de manifestação. (CAMPOS, 2012, p. 2)

O quantitativo de crianças pobres no Brasil, excluídas dos direitos sociais, sinaliza o desafio urgente da sociedade brasileira. As estatísticas divulgadas pelo IBGE/SIS – Sistema de Indicadores Sociais (2010), afirmam que:

Entre as crianças de 0 a 5 anos de idade, 30,9% das mais pobres frequentavam creche ou pré-escola, chegando esta proporção a alcançar 55,2% no estrato 20% mais rico. A oferta de creches é essencial para o retorno da mãe ao mercado de trabalho e na melhoria do bem-estar familiar, principalmente no caso das famílias mais

pobres, devendo consistir objeto prioritário de política pública. (IBGE/SIS, 2010, p. 153) Paradoxalmente, a criança, na legislação brasileira (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei N° 8.069), é reconhecida como sujeito social de direitos. Sarmento (2002, p.266), em sua análise sobre a condição social da infância, alerta sobre sua condição estrutural e os impactos na vida social, destacando que:

Tal como na Idade Média, foram os interesses e os valores do feudalismo reinante e da ideologia hegemônica que conduziram as crianças à errância pelos caminhos da destruição, é a profunda desigualdade da sociedade contemporânea que produz a situação da infância. É, portanto, a condição estrutural da infância, no quadro do sistema social, o que importa analisar e mudar, considerando a reformulação das identidades na modernidade tardia, e a adopção de políticas sociais de efectiva transformação e mudança das realidades sociais que promovem a exclusão.

Observando a situação da infância produzida pela profunda desigualdade da sociedade, denunciada por Sarmento, nos damos conta que, a exclusão escolar é apenas uma das faces dos direitos sociais negados às crianças brasileiras. Nesse sentido, levantamos a hipótese de que a falta de creches seja considerado “natural” pela sociedade por se constituir, somente em mais uma das exclusões das quais as crianças pobres são vítimas.

A opção do Brasil, pela exclusão social citada por Irene Rizzini, (2001) é continuamente reeditada. Os exemplos de propostas na contramão das legislações, da cultura brasileira e dos avanços científicos se multiplicaram na história brasileira recente, como cita Rosemberg (2002, p. 56), em estudo produzido:

É neste terreno pantanoso de retrocesso na concepção de EI que se alimenta o imaginário eleitoreiro criativo de políticos brasileiros: trago à memória a proposta de

Jânio Quadros – quando concorreu com FHC à Prefeitura de São Paulo – de construir creches dentro das estações de metrô para “usar espaço ocioso” na comunidade; recordo, também, que o então secretário da educação do estado de São Paulo, Pinotti, sugeriu que a função de educadoras de creche fosse desempenhada por internas da Febem, para ocupar mão-de-obra ociosa; lembro o encaminhamento para creches (e não para pré-escolas) de pessoas leigas alistadas no programa Frente de Trabalho do Estado de São Paulo, como ocorre na Prefeitura de Mauá.

São contínuas as ideias que desrespeitam a sociedade de modo geral, sobretudo as famílias de baixa renda. Ainda aparecem nos estados brasileiros propostas de políticas focais, de caráter compensatório, destinadas as famílias pobres, carregadas de preconceitos, com baixo investimento, incentivadas no país desde a década de 90, por organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). O inverso, ou seja, as políticas estruturais que possam repercutir amplamente na melhoria das condições de vida dos brasileiros, estão sempre no campo das intenções, sem serem de fato efetivados. A implementação das estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2011, configura-se num exemplo característico dessas práticas.

Com relação aos inúmeros dramas experimentados pela criança brasileira, cabe também destacar os programas emergenciais criados para “resolver” problemas que vão se acumulando e se tornando mais complexos na medida em que foram, por muito tempo, negligenciados pelas autoridades. Não sendo mais possível ocultá-los, tamanho a dimensão produzida, a “resposta” vem com um prejuízo triplicado, pago pela sociedade com soluções que não chegam. São programas, cujos estudos demonstram que:

O caráter de emergência, de improvisação desses programas aumenta seus custos quando se tem em mira um longo período de tempo. Sua instabilidade é alta: nascem, morrem, alguns ressuscitam, sendo sempre

necessário tudo recomeçar. (ROSEMBERG, 2000, p. 57)

A implantação na cidade de Manaus, do Programa Família Social, é um exemplo deste tipo de iniciativa. Trabalho, realizado em parceria entre as Secretarias de Educação, Infância, Assistência, Trabalho e Saúde, resultou na implantação de 182 núcleos de creches domiciliares, atendendo cerca de 900 crianças. A partir de 2005, sem recursos das demais secretarias, os núcleos começaram a ser fechados. Na medida em que as crianças completavam 4 anos, eram matriculadas nos centros de educação infantil da rede municipal, não abrindo mais vagas no respectivo núcleo. O Programa foi extinto entre os anos de 2007 e 2008, sem ter alcançada a meta de atendimento inicial.

A principal barreira apontada pelos governos municipais, para o cumprimento dos dispositivos legais que prevê a oferta de vagas para as crianças de 0 a 3 anos, pelos sistemas municipais de ensino, tem sido o financiamento. O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, apresentado sob a forma do Projeto de Lei (PL) 8035/2010, entregue ao Congresso Nacional em dezembro de 2010, para cumprir o que está disposto no art. 214 da Constituição Federal, propõe, quase que inalterada, a meta que trata da Educação Infantil.

Quando tratamos da expansão do atendimento na Educação Infantil no Brasil, observamos que esta ocorreu em diferentes momentos históricos, mesmo antes da LDB em vigência, quando passou a integrar a Educação Básica (MARIA MALTA CAMPOS,1999). Com relação ao número de matrícula de 0 a 3 (creche) e 4 e 5 (pré-escola), também identificamos que, na história brasileira, sempre foram bastante diferenciados, mantendo a pré-escola, um percentual bem mais alto que a creche até a atualidade. A responsabilidade da priorização da oferta de vagas para o município, ao mesmo tempo em que não foi mantido um pacto federativo sério que garantisse a viabilidade financeira para criação das vagas, inviabilizou o alcance das metas estabelecidas no PNE anterior (2001-2011).

Não alcançada a meta, transcorrido os 10 anos do antigo Plano, repete-se novamente no PNE – 2011-2020, Projeto de Lei ainda em trâmite no Congresso Nacional: “Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a

atender a 50% da população de até 3 anos”. Para alcance da Meta, foram apresentadas 9 estratégias:

1.1) Definir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, metas de expansão das respectivas redes públicas de educação infantil segundo padrão nacional de qualidade compatível com as peculiaridades locais.

1.2) Manter e aprofundar programa nacional de reestruturação e aquisição de equipamentos para a rede escolar pública de educação infantil, voltado à expansão e à melhoria da rede física de creches e pré- escolas públicas.

(1.3) Avaliar a educação infantil com base em instrumentos nacionais, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal e os recursos pedagógicos e de acessibilidade empregados na creche e na pré-escola. 1.4) Estimular a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação,.

1.5) Fomentar a formação inicial e continuada de profissionais do magistério para a educação infantil.

1.6) Estimular a articulação entre programas de pós-graduação stricto sensu e cursos de formação de professores para a educação infantil, de modo a garantir a construção de currículos capazes de incorporar os avanços das ciências no atendimento da população de 4 e 5 anos.

1.7) Fomentar o atendimento das crianças do campo na educação infantil por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento das crianças, de forma a atender às especificidades das comunidades rurais.

1.8) Respeitar a opção dos povos indígenas quanto à oferta de educação infantil, por

meio de mecanismos de consulta prévia e informada.

1.9) Fomentar o acesso à creche e à pré- escola e a oferta do atendimento educacional especializado complementar aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, assegurando a transversalidade da educação especial na educação infantil.

A questão que ameaça novamente as metas estabelecidas no novo PNE está pautada no investimento. Sem assegurar de onde virão as verbas e sem que a sociedade formule um rígido controle social para acompanhar o investimento, poderemos prolongar a situação crítica em que se encontra o país e comprometer, mais ainda, o acesso à educação das crianças de 0 a 3.

O percentual apresentado pelo Ministério da Educação de 7% do PIB contraria o valor de 10%, aprovado na Conferência Nacional de Educação – CONAE (2010), após ampla discussão com a sociedade e suas diferentes representações. Os 7%, se aprovado, poderá se caracterizar em mais um grande golpe contra a democracia brasileira.

Um estudo realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede de articulação social que congrega diferentes representações da sociedade civil, resultou em uma Nota Técnica apresentado ao Ministério e aos parlamentares e divulgado nas redes sociais de comunicação. Nesta Nota, especialistas da área, denunciam a insuficiência dos recursos previstos para o alcance das metas de expansão e a garantia de um padrão mínimo de qualidade no atendimento educacional brasileiro para a próxima década.

As mobilizações no Brasil, em torno da causa, tem sido feitas pelos movimentos sociais, pelas universidades, estudantes, pelos inúmeros fóruns espalhados pelo país, na tentativa de pressionar a aprovação do percentual de 10%.

A análise das questões apresentadas nos faz pensar sobre a continuidade da exclusão das crianças pequenas ao longo da história do país, o que significa problemas graves para emancipação social e efetivação da democracia brasileira. As proporções do atendimento de 0 a 3, em Manaus, foram se

distanciando a ponto de chegarmos ao início do novo século XXI, com déficits que colocam Manaus na situação mais crítica entre as capitais brasileiras. Patamar de absoluta incoerência frente aos avanços econômicos da região, o que demonstra a perversa relação entre a acumulação desenfreada do capital e a desigual distribuição das riquezas produzidas. Diante das sínteses construídas no decorrer da investigação, paira a interrogação acerca da garantia de acesso a educação, para as crianças de 0 a 3 na próxima década.

CAPITULO II

O ACESSO DAS CRIANÇAS POBRES À EDUCAÇÃO