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CAPÍTILO V – ELEMENTOS RELIGIOSOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

5.2 CRIMINALIDADE E FILOSOFIA ESPÍRITA

sua invasão. Fotos a seguir bem exemplificam ações de extremismo religioso voltados aos templos:

Um homem invadiu a Mesquita Imam Ali, na Rua do Rosário, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, e destruiu móveis, livros religiosos e lustres na sala de orações na madrugada

Fonte: RIVIR, 2016

Evangélicos invadem igreja e destroem oito imagens de santos em Minas Gerais Fonte: RIVIR, 2016

5.2 CRIMINALIDADE E FILOSOFIA ESPÍRITA

O Espiritismo busca trazer esclarecimentos e conceitos a respeito de Deus, do Universo, dos homens, dos espíritos e das leis. O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade. E todos estamos sujeitos à Lei do Progresso, sem distinção ou discriminação, onde não existe impunidade, mas a reparação por provas e expiações.

53 A doutrina espírita-cristã explica os motivos e as causas da criminalidade sem levar em consideração o critério legal, aparente. Nela, o espírito é autor de seu destino, vivenciando em cada experiência carnal as conquistas e prejuízos que decorrem da sua conduta no passado e no presente.

Algumas ações foram implementadas no sentido de divulgar e ampliar as discussões no ceio da sociedade. No ano 2000 um grupo e médiuns participou da Cúpula Mundial de Líderes Religiosos e Espirituais pela Paz, em Nova Iorque, promovido pela ONU, Tratou-se da consciência do homem ao trabalho, à educação moral e conjunto de hábitos adquiridos para ter ordem e previdência para consigo mesmo e para com os outros.

A doutrina espírita postula que o espírito é anterior ao corpo e ao reencarnar traz toda bagagem de erros, qualidades, propensões e aptidões consigo e que a criminalidade faz parte da condição peculiar de cada espírito. O bem e o mal são voluntários e facultativos. . (Maia neto e Lenchoff, 2005, p. 53).

Se aproxima da Escola Clássica da Criminologia quanto ao livre-arbítrio Tanto a Escola Clássica como a doutrina espírita acreditam no livre-arbítrio do indivíduo e que a finalidade maior da pena privativa de liberdade é a ressocialização do condenado, através do aperfeiçoamento espiritual – tese de cunho sociológico, não religioso.

A doutrina espírita diverge de Lombroso13 da Escola Positiva da Criminalidade, porque esse acreditava que o criminoso nato era homem incorrigível e irresponsável, possuidor de anomalias físicas e sinais exteriores característicos, ao passo que para o Espiritismo seria o resultado de um espírito moralmente atrasado, suscetível a receber más instigações e um produto das vidas sucessivas.

Na Teoria da Transmissibilidade de Enrico Ferri14, também da Escola Positiva, a causa da criminalidade está no subconsciente do ser, dormente em resquícios advindos dos antepassados.

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13 O professor César Lombroso nasceu na Itália em 1835 e faleceu aos 74 anos. Médico e mestre de Medicina Legal, Psiquiatria e Antropologia criminal da Universidade de Pavia e Turim. Chefe da Escola Positivista, criador da Antropologia Criminal, escreveu Espiritismo e Mediunidade, mas sua mais célebre obra foi “O Homem Delinquente”, em 1878.

14 Sociólogo criminalista (1856-1929). Em sua obra Sociologia Criminal (1884), discorda do

pensamento de Lombroso, também da Escola Positivista, sobre o criminoso nato, afirmando que só poderiam ser considerados incorrigíveis os criminosos habituais, admitindo que até mesmo entre estes, seria possível a eventual correção de uma minoria.

54 Segundo o sociólogo, o crime seria consequência de fenômenos antropológicos, físicos e culturais fora do controle do indivíduo, portanto, sem interferência de livre-arbítrio. Aí, outra divergência, pois segundo o espiritismo, o instinto criminoso não advém de nenhuma linha ancestral, étnica ou racial. Embora inaceitável para o Direito Penal, a prática de delitos seria a projeção de forças espirituais.

Sobre a admissão do pensamento espírita no estudo da criminalidade, atribui-se ao professor César Lombroso (Maia Neto e Lenchoff, 2005) as seguinte frases: “quem sabe se eu e meus amigos, que rimos do Espiritismo, não laboramos em erro” e “sinto-me envergonhado de haver combatido, com grande tenacidade, a possibilidade dos fatos chamados espíritas. Os fatos existem, e eu me glorifico de ser escravo dos fatos.” Para os autores, há um traço de espiritismo na afirmação do mestre Clóvis Beviláqua, em sua obra Criminologia e Direito, de1983:

“O crime surge na mente do indivíduo sob forma de ideia ou emoção, elabora-se na consciência e, produzindo volição, tende a realizar-se. É claro que os espíritos bem formados não se deixarão, senão excepcionalmente, arrastar à prática destes tristes fatos, que são um forte grilhão a nos prender inexoravelmente à bruteza da animalidade, de onde a cultura nos pretende distanciar, mas para onde nos arrastamos e nos debatemos, em vão, como frágeis insetos envolvidos nos fios resistentes de vastíssima teia.” (MAIA NETO e LENCHOFF, 2005).

Sobre como seria um Código Penal Espírita, esse seria baseado na lei de causa e efeito, do amor e do respeito. Para a doutrina espírita, não há uma única imperfeição da alma que não carregue consigo suas consequências deploráveis e inevitáveis, e nenhuma boa qualidade que não seja computada em seu favor. (Maia Neto e Lenchoff, 2005).

Não haveria que se preocupar com o lugar de cumprimento da pena, pois como a alma carrega consigo o próprio castigo, desnecessário um lugar circunscrito para cumprimento da pena; o inferno está em toda parte onde houver almas sofredoras.

A Justiça Divina não admite a impunidade, por isso não haveria extinção de punibilidade. Toda dívida contraída e todo mal realizado devem ser pagos; se não

55 na presente existência, nas próximas. Assim, as penas são temporárias e dependem da livre vontade do homem.

Quanto ao suicídio, no nosso ordenamento jurídico, não existe punição possível para o suicídio, ou mesmo para quem tentar, por tratar-se de fato atípico, punindo-se aqueles que o induziram, auxiliaram ou instigaram (art. 122 CP). Nem mesmo a auto-lesão é punível. Entretanto, na doutrina espírita somente Deus dá a vida e por isso, somente Ele tem o direito de tirá-la. (Maia neto e Lenchoff, 2005, p.202),

As consequências são diversas e mesmo o suicídio inconsciente, aquele que ocorre indiretamente, por maus hábitos, como uso de bebidas e drogas proibidas, trará ao suicida o prolongamento e até agravamento do sofrimento que o levou ao seu cometimento. A calma, a resignação e a confiança no futuro são as forças do espírito contra a loucura e o suicídio.

Vejamos sobre o dolo (art. 18, I do Código Penal), é a intenção de fraudar a lei realizando a conduta proibida. Na justiça divina, pune-se a intenção de praticar o mal, enquanto no Direito Penal brasileiro, a intenção não é punível, somente os atos praticados. À exceção do ”actio libera in causa”15 e dos crimes de perigo, somente se pune o fato concreto.

Haveria convergências em relação ao Código Penal vigente: tanto como para a Justiça Divina, o resgate das faltas é pessoal. Diante da infração penal ou do evangelho de Jesus Cristo, não há transcendência da pena; cada qual responde e sofre a expiação justa.

A expiação varia segundo a natureza e a gravidade das faltas e conforme circunstâncias atenuantes ou agravantes nas quais foram cometidas. E a duração do castigo está subordinada à melhoria séria e efetiva do espírito culpado e o seu retorno ao bem. O arrependimento abranda a expiação, mas ela virá, bem como a necessidade de reparar.

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15 Trata-se da intenção predeterminada de agir, por exemplo, voluntariamente sob efeito de bebida alcoólica ou de substâncias tóxicas proibidas, artigo 61, II, ‘j” do Código Penal – constitui agravante da pena.

56 Sobre a pena de morte, na obra intitulada O Livro dos Espíritos16, pergunta 761: A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará ele desse direito, quando elimina da sociedade um membro perigoso? (Kardec, 2007, p.380),

Resposta: “Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento”.

Em relação ao julgamento do criminoso e à aplicação da pena, a doutrina espírita conclama à caridade. Ensina que a verdadeira caridade não consiste apenas na esmola e nas palavras de consolação, mas consiste na benevolência para com o próximo, de modo que em palavras e ações de encorajamento e de amor, se contribua para a elevação da alma.

Os criminosos também são filhos de Deus e trazem ensinamentos e oportunidade de exercício da fraternidade. Porque eles, como todos nós, receberão o perdão e a misericórdia de Deus, se se arrependerem. Consideram que aqueles incapazes de perdoar são mais culpados que aqueles a quem se nega o perdão, porquanto aqueles não conhecem a Deus como conhecemos.

“Não julgueis, porque o juízo que proferirdes ainda mais severamente nos será aplicado e precisareis de indulgência para os pecados em que sem cessar incorreis” (Kardec, 2012, p.161).

O médium Francisco Cândido Xavier, consultado sobre questões de Direito Penal na visão espírita17, respondeu a perguntas sobre direito e dever do Estado de punir os delinquentes e se esses agem livremente ou são determinados a delinquir.

De suas respostas fica a mensagem de que a sociedade deve mais se defender que punir, e nunca punir com a morte. Os presídios devem representar escolas, hospitais e oficinas e embora o delinquente esteja ali coagido, que sejam

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16 O Livro dos Espíritos foi organizado em cerca de 20 meses pelo professor francês Allan Kardec, que coordenou longas reuniões com médiuns, fazendo a eles 1019 perguntas e colhendo respostas que acreditava vir dos espíritos.

17 Entrevista para o Jornal o Globo do Rio de Janeiro, em respostas psicografadas pelo médium Chico Xavier, guiado pelo espírito Emmanuel.

57 respeitados seus direitos de cidadão e que se busque reintegrá-lo no respeito a si mesmo (Arantes, 202).

Sobre o delinquir livremente ou de forma determinada, responde que transcende às ciências jurídicas, posto que se enquadra no plano das provas e das expiações de cada indivíduo; o criminoso age em pleno uso de seu livre-arbítrio, insistindo na necessidade da educação da vontade de cada um e na responsabilidade dela decorrente.

Concluindo, pela doutrina, o homem deve responder por seus hábitos e paixões, do passado e do presente, tanto vida corpórea quanto no mundo espiritual, mas a política criminal terrena atual desenvolve critérios de punição que tendem à vingança, ao poder, à desigualdade e ao egoísmo. A desumanidade do sistema prisional beira à inconstitucionalidade, não atinge o objetivo da reintegração e reeducação social.

Não é suficiente decretar novas penas ou exasperar as já existentes. É preciso atenuar as causas do fenômeno criminal. Como consta do Livro dos Espíritos, “por desgraça, as leis penais se destinam de preferência a punir o mal já feito do que secar-lhe a fonte”. (Kardec, 2005, p.380),

Assim, o espiritismo defende uma concepção preventiva, tutelar e restauradora do direito penal. Para Deus, os direitos naturais, aqueles que nenhum homem pode renunciar, abdicar ou dispor, compõem os princípios do Bem e os fundamento do Amor, trazem a responsabilidade ética, universal, a moral e o discernimento. (Maia Neto e Lenchoff, 2005)

A justiça dos homens deveria espelhar a Justiça Divina. Todo progresso perpassa pela superação de costumes e tradições, substituições de valores antigos e mudanças profundas nas formas de relações humanas, pelo desenvolvimento da moral espiritual individual.

Vê-se, portanto, que o espiritismo se coaduna com uma teoria mais humanística da criminologia, onde é fundamental o alicerçamento dos homens na fé e na sua evolução moral em direção ao agir de acordo com o Evangelho, e também na reeducação e ressocialização daquele que sucumbiu às más tendências. E por fim, que a evolução moral do homem, essa sim, levará à redução da criminalidade.

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