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2. O SISTEMA PRISIONAL COMUM, A APAC E O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO E

2.2. O Sistema Penitenciário Nacional e a atuação do Estado Brasileiro na reinserção

2.2.1. Criminalidade e Reincidência

O aumento significativo da criminalidade e da reincidência no Brasil são fatores diretamente ligados e que contribuem para o aumento da violência. Daufemback (2005) afirmou que evidências do crescimento da criminalidade são identificadas dentro do sistema penitenciário tradicional. Como exemplo, a ocorrência de rebeliões e o controle do tráfico de drogas por alguns detentos de dentro das unidades prisionais.

Como mostramos anteriormente, para Foucault (2007), as prisões não contribuem para a diminuição da criminalidade, uma vez que os estabelecimentos prisionais favorecem um ambiente de delinquentes solidários entre si, prontos para cometer novos delitos. Neste sentido, o sistema prisional funcionaria, indiretamente, como uma fábrica de criminosos, principalmente pela forma de tratamento direcionada aos detentos durante o cumprimento de pena. Reis (2001) corroborou com as ideias de Foucault quando destacou que, dentre outros fatores, as instituições de coerção da criminalidade são importantes instrumentos para a produção e manutenção da prática de delitos e, consequentemente, para o aumento da reincidência.

Ainda no que diz respeito à reincidência, Reis (2001) afirmou que existem limitações acerca dos estudos sobre o assunto, uma vez que este tema abrange quatro situações distintas:

1) a reincidência natural ou genérica, que refere-se à prática de um novo ato criminal, independentemente de condenação anterior; 2) a reincidência social que supõe uma condenação anterior, cumprida ou não em estabelecimento prisional; 3) a reincidência legal, ou seja, aquela anunciada nos códigos e nas legislações penais; 4) e a reincidência penitenciária que se aplica aos casos de anterior permanência no Presídio (REIS, 2001:16).

Portanto, neste estudo, utilizamos o conceito de reincidência contido no artigo 63 do Código Penal Brasileiro, que classifica como reincidente criminal o agente que comete novo

crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. A utilização deste conceito se justificou por se aplicar a

indivíduos que foram julgados, condenados e, após terem cumprido a pena privativa de liberdade, foram novamente recolhidos a um estabelecimento prisional para o cumprimento de nova pena.

O DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional (2008) estimou a reincidência criminal no Brasil em aproximadamente 38%, porém não apresentou detalhes acerca da

caracterização do conceito utilizado. Entendemos que o conceito utilizado seja o de reincidência legal, uma vez que, para Reis (2001), estatísticas acerca desse tipo de reincidência poderiam contribuir para subestimar o fenômeno. Contudo, para diversos autores, a taxa de reincidência varia entre 50 a 90%4.

Para Reis (2001), as várias formas de analisar o fenômeno da reincidência dificultam sua análise de maneira científica, devido às diversas implicações metodológicas, principalmente no que diz respeito às fontes de informação, ao universo empírico e ao conceito adotado. Neste sentido, Adorno e Bordini (1988) também identificaram o caráter extenso do conceito de reincidência como sendo o ponto central das limitações, uma vez que podem expressar fenômenos variados, o que torna complexos os estudos estatísticos mais precisos. Porém, estes autores enfatizam que, apesar das limitações, é evidente a relação entre o sistema penitenciário tradicional e a reincidência. Por isso, o fenômeno pode ser compreendido como um reflexo do mau funcionamento dos estabelecimentos penitenciários, que cumpririam a função maior, segundo Foucault (1979), de não permitir aos que cruzam os limites da ilegalidade de se reintegrar à sociedade. Logo, os altos índices de detentos que voltam a cometer algum tipo de delito pode significar um sistema prisional falido, que não atinge seu objetivo principal: a recuperação e reinserção social do preso.

Conforme também apontou Reis (2001), a reincidência criminal está relacionada ao mau funcionamento do sistema prisional comum, pois:

A dificuldade em exercer um controle social eficaz, a apresentação de obstáculos na aplicação da justiça penal, as incongruências dos códigos e das leis que disciplinam as sanções penais, além de conflitos dentro do sistema penitenciário, inviabilizam um tratamento humanitário da pessoa presa e, conseqüentemente, não têm contribuído para a redução do comportamento criminal (REIS, 2001: 02).

Esta autora pontuou que o sistema prisional comum está se caracterizando como um espaço de pessoas frustradas, marcadas por estigmas, dessocializadas, e que, muitas vezes, encontram na criminalidade e na prática de novos delitos uma forma de sobrevivência, em decorrência, até mesmo, da exclusão social e da difícil relação que se estabelece entre o egresso e a sociedade.

Para Assis (2008), o alto índice de criminalidade e reincidência no Brasil seria consequência, principalmente, da forma de tratamento e das condições a que o detento é

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Identificamos que esta variação poderia ser resultante da classificação de reincidência utilizada por cada autor. Como este tema não era o foco do nosso estudo, para maiores esclarecimentos consultar REIS, 2001; ASSIS

submetido durante a prisão, o que aumentaria sentimentos de rejeição e de indiferença por parte do recluso e da própria sociedade. Assis (2008: 77) enfatizou ainda que “o estigma de ex-detento e o total desamparo pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo do crime, por não ter melhores opções”. Segundo Daufemback (2005), a rejeição por parte da população em relação aos detentos e ex-detentos denota a intenção de afastamento da sociedade para esta classe de indivíduos, visando afastar também a responsabilidade que a coletividade deveria ter com os presos, a prisão, a criminalidade e a reincidência.

Com uma visão bem funcionalista e distante da de Foucault, para Daufemback (2005), o Estado e a sociedade civil almejam que o indivíduo, após o cumprimento da pena privativa de liberdade, passe a agir de acordo com os padrões de comportamento socialmente aceitos, “adotando o trabalho ‘honesto’ como forma de subsistência, agregando-se a uma família, frequentando um grupo religioso e respeitando as instituições e autoridades imbuídas de poder” (DAUFEMBACK, 2005:14). Porém, na maioria das vezes, ocorre exatamente o contrário, uma vez que a passagem pela prisão aumenta a probabilidade de o indivíduo cometer novos delitos, pois não existe uma preparação para que o detento volte a conviver na sociedade. Nesse sentido, a eficácia das prisões em relação ao alcance do seu objetivo seria muito baixa.

Segundo Foucault (2007), contrariamente à sua finalidade de recuperar o detento, a prisão contribui para a formação de novos criminosos. Assim, o sistema prisional pode ser considerado como um dos fatores responsáveis pelo retorno dos ex-presidiários ao crime, já que a prisão, ao invés de recuperar o preso, funciona ou como uma fábrica de criminosos, ou como um local para capacitar cada vez mais os indivíduos para o mundo do crime. O autor destacou ainda que a reincidência está extremamente ligada ao estigma incorporado por indivíduos que passaram por instituições criminais. Segundo ele, um dos principais fatores relacionados à reincidência penitenciária seria a maneira como se daria o funcionamento dos estabelecimentos prisionais, o que comprovaria a falência do sistema carcerário em relação ao seu objetivo de reinserção social do detento.

Para Goffman (1988), dentro das prisões, os reclusos assumiriam determinados valores do sistema penitenciário, que se refletem no comportamento dos mesmos. O estigma seria um termo utilizado para se referir àquele indivíduo que não possui uma boa aceitação da sociedade. No sistema prisional, essa estigmatização ocorre à medida que, durante o cumprimento de pena, o indivíduo passa por um processo de adaptação a novos hábitos e

vínculos afetivos com a sociedade. A absorção de tais valores, por sua vez, compreenderia a incorporação do rótulo de criminoso e diminuiria as possibilidades de reinserção social.

Essas análises evidenciam os limites relacionados à inclusão social dos detentos no sistema prisional tradicional. Buscando respostas a essa questão, algumas ações vêm sendo construídas na perspectiva de mudança dessa realidade. O Método APAC configura-se como uma dessas ações e, sobre ela, buscamos construir uma análise mais detalhada no próximo tópico.