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CAPÍTULO 3 – REVISÃO DA LITERATURA

3.1 UM MUNDO EM REFORMA

3.1.1 A CRISE DO ESTADO DO BEM ESTAR

Bresser-Pereira (1999a) relata que antes da criação do Estado moderno, onde predominavam formas pré-capitalistas de produção, nas quais o mercado não era ainda o mecanismo institucional básico de coordenação econômica e de apropriação do excedente, a esfera pública não se distinguia da esfera privada, e não se apresentava o problema da afirmação do Estado perante a sociedade, ou, de forma inversa – da sociedade sobre o Estado, não era perceptível as forças atuantes nos mesmos. Quando, então, essa separação torna-se clara, o primeiro problema que surge é o da construção e consolidação do Estado nacional frente a uma sociedade fragmentada e oligárquica, na qual poucas pessoas, famílias ou partidos dominavam as decisões envolvendo a muitos.

Então, na época do Estado Liberal, na segunda metade do século XIX, já sob o domínio do sistema capitalista, os países iniciaram a primeira grande reforma administrativa, a do serviço público ou reforma burocrática, fundamentada na Burocracia de Weber (1976), com o propósito de não só distinguir o púbico do privado, mas também diferenciar o administrador público do ser político, e assim proteger o Estado da corrupção, do

empreguismo e do nepotismo, traços marcantes das mazelas do Estado moderno (BRESSER- PEREIRA, 2001; OLIVEIRA, 2007).

Segundo Oliveira (2007), durante o período de pós-guerra – l945 até 1980, o cenário mundial comemorava a associação entre a socialdemocracia e o modo fordista de produção, que permitiu ao mundo um ciclo de prosperidade inédito para a humanidade, garantindo uma acumulação de capital com base no emprego e na utilização de máquinas. Ao Estado cabia o papel de regulador dos contratos e provedor dos direitos sociais dos que se encontravam fora do mercado de trabalho para que os mesmos pudessem participar do mercado como consumidores. Esse modelo de intervenção, também conhecido como welfare state ou Estado do bem-estar, foi questionado por aqueles que defendiam o livre mercado (neoliberais) durante todo esse período.

Entretanto, para Paes de Paula (2007) esses questionamentos apenas foram considerados quando o quadro mudou radicalmente com o começo da crise desse modelo, devido à sobrecarga imposta ao Estado. Crise essa, que agravada com a internacionalização da inflação, estagnação econômica, choque do petróleo, trouxe à tona um discurso por mudanças no setor produtivo e econômico, que girava em torno das máximas “reestruturação produtiva”, “globalização” e “crise do estado” (OLIVEIRA, 2007).

Quadro 09 – Principais Fatores Causadores da Crise do Estado

Fatores Causais da Crise do Estado

Crises do Petróleo A primeira crise do petróleo e sua retomada com mais força em 1979.

Crise fiscal

Após décadas de crescimento, a maioria dos

governos não tinha mais como financiar seus déficits e os contribuintes negavam-se a aceitar aumento da carga tributária.

Falta de governabilidade – “ingovernabilidade”

Diante dos grupos com interesses diversos, os governos estavam inaptos para resolver seus problemas.

A globalização e as transformações tecnológicas do setor produtivo

O enfraquecimento dos governos para controlar os fluxos financeiros e comerciais, juntamente ao aumento do poder das multinacionais resultou na perda de parte significativa do poder dos Estados nacionais de definir políticas macroeconômicas.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Abrúcio (1997)

Mesmo diante de tantas intercorrências, Abrúcio (1997) analisa detidamente quatro eventos socioeconômicos que colaboraram para deflagrar a crise do Estado contemporâneo. De acordo com o Quadro 09, foram: a primeira crise do petróleo, a crise fiscal, a falta de governabilidade e a globalização, juntamente com a evolução do setor produtivo.

Diante destes fatores a situação dos governos era de extremos, menos recursos e mais déficits. Assim, as burocracias públicas foram duplamente afetadas. Para diminuir o déficit, a ideia era reduzir o quadro do funcionalismo público e, para deixar de perder recursos, a saída era aumentar a eficiência governamental. De forma que, na década de 80, para boa parte dos países que defendiam a reforma no setor público (reformadores) deveria ocorrer uma modificação profunda do modelo weberiano, taxado de lento e excessivamente apegado a normas ou, ineficiente (ABRÚCIO, 1997).

Ao levar em conta também a sobrecarga dos governos e os efeitos da globalização, para Abrúcio (1997) o Estado contemporâneo estava perdendo seu poder de ação. Deste modo, a situação do Estado nacional era de menos recursos e menos poder. Como enfrentamento da situação, a ação governamental necessitava ser mais ágil e flexível, tanto em sua dinâmica interna como em sua capacidade de adaptação às mudanças externas.

Assim, o Estado encontrava-se como um campo fértil para introdução da lógica de produção concernente ao setor privado, o managerialism (gerencialismo). Entretanto, apenas as condições fáticas não eram suficientes para sustentar a defesa desse modelo. Deveria haver também, um argumento intelectual favorável às mudanças na Administração Pública e, existia. Para Pereira (1997) a análise dos “fracassos do governo” e da tomada de decisão em regimes democráticos fundamenta, não necessariamente a opção por menos Estado, mas antes por melhor Estado.

Com esse pensamento, ganha campo a Teoria da Escolha Pública – Public Choice – contrária à corrente que fundamenta a intervenção do Estado na economia no nível que admitia a economia do bem-estar. De acordo com Pereira (1997) enquanto esta se centrava na análise dos “fracassos de mercado” que justificavam a intervenção corretora do Estado, a teoria da escolha pública trouxe à tona os “fracassos do governo” e questionava os limites da intervenção deste mesmo Estado. A expressão «fracassos do governo» tornou-se usual após o desenvolvimento da teoria da escolha pública. Surgiu como analogia ao conceito de «fracasso de mercado», que ganhou notoriedade com a economia do bem-estar. Em ambos os casos a ideia de «fracasso» surge como alusão ao não atendimento dos modelos à forma ideal.

O ideal de mercado para muitos economistas é o mercado competitivo, sem custos de transação, com informação simétrica e completa entre os agentes e onde sempre que, para determinado preço, existirem agentes dispostos a vender e outros dispostos a comprar, a transação se efetuará. Os mercados reais não apresentam estas características «ideais», é o

motivo de se falar em «fracasso». Destas falhas, decorre a necessidade da intervenção governamental para superar ou corrigi-las.

Do mesmo modo, a noção de «fracasso de governo» provém da comparação de um ideal de governo democrático com a realidade de suas atuações. O ideal de governo, tal como implicitamente assumido pelos economistas da welfare economics, é o governo, como se fosse um ditador benevolente, ou seja, um agente supostamente capaz de impor as suas políticas e capaz de conhecer e satisfazer as preferências dos cidadãos.

Observando a ideia central, Pereira (1997) traz a explicação de que ambas as comparações aos modelos ideais têm seus fracassos evidenciados. Nos mercados não existe concorrência perfeita, têm informação assimétrica e são caracterizados por incertezas diversas e custos de transação. Por seu turno, os governos não conseguem saber as preferências dos cidadãos em relação aos bens públicos nem avaliar corretamente os custos sociais de externalidades negativas, como, poluição, congestionamento urbano, entre outras. Trata-se, essencialmente, de problemas de obtenção de informação e da incapacidade de tratamento dessa informação de forma centralizada.

Naturalmente a public choice foi aproveitada ideologicamente por aqueles que defendiam uma menor intervenção do Estado na economia. Decorrendo da concepção de que a democracia não deve substituir o despotismo de um Rei ou a imposição oligárquica tiranizando a maioria, devendo servir aos interesses da coletividade e às preferências dos cidadãos em relação aos bens públicos. Trata na verdade, do que devem ser os objetivos de um regime democrático.

Destarte, a visão jocosa e pejorativa da opinião pública em relação à burocracia e a simpatia pela eficiência e pelos resultados do setor privado, fizeram com que houvesse defesa da opinião pública por sua substituição e, o catalisador político para impor as ideias de gerenciamento veio da ascensão aos governos conservadores inglês e americano, Margareth Thatcher (1979) e Ronald Regan (1980) respectivamente. Ambos contestavam o consenso social pró-Welfare State (ABRÚCIO, 1997; ANDRIOLO, 2006).

Neste contexto, aos conservadores ingleses e aos republicanos americanos coube a iniciativa de implementar, num primeiro momento, um modelo gerencial puro, abordado por um ângulo economicista, tendo o corte de custos como finalidade e o desreconhecimento da especificidade do setor público, no atendimento às necessidades do cidadão. Uma vez que, para atingir seus objetivos, os conservadores defendiam o Estado com participação mínima.

Entretanto, para Bresser-Pereira (1999) este assunto está quase encerrado, pois as experiências ao passar do tempo, permitiram observar que o Estado não pode esquivar-se de seu papel. No entanto, ainda hoje, o mundo assiste a um inquieto debate sem chegar a uma conclusão ou até mesmo a uma fórmula de equilíbrio quanto ao papel que o Estado deve desempenhar na sociedade e o nível de intervenção que deve ter na economia (OLIVEIRA, 2007).

Segundo Abrúcio (1997) ao longo dos últimos anos, o managerialism sofreu um contínuo processo de transformação. Da inicial perspectiva conservadora, o debate referente ao modelo gerencial tem avançado por terrenos cada vez mais dominados pelas temáticas republicana e democrática.