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2 UM DEBATE “MARXISTA”, AO LONGO DO SÉCULO XX, SOBRE AS

3.2 A crise estrutural do capital ou fase de desintegração histórica do sistema

3.2.1 A crise estrutural do capital

Apresentadas algumas das principais teses de Para além do capital, procederemos agora a uma exposição sobre a noção de crise estrutural do capital. Convém realizar incialmente uma ressalva de ordem terminológica. No pensamento de Mészáros, a crise

estrutural do capital é uma noção que tem sido gestada e desenvolvida desde os anos de 1970

quando dos seus primeiros escritos sobre o atual estágio do evolver capitalista. Inicialmente, no texto dos anos de 1970377 aparecem termos como crise estrutural do capitalismo, crise

estrutural da sociedade, para depois, a partir do forjamento de conceitos como sistema do capital ou sistema de sociometabolismo do capital, se elevar o raio de amplitude da crise no

sentido de ter contornos mais abrangentes. Deste modo, nos textos subsequentes, como os das décadas posteriores a de 1970378, aparecem diversas terminologias como crise estrutural do

sistema do capital, crise estrutural do sistema, crise estrutural do capital, crise global, crise estrutural global, para tratar do mesmo fenômeno.

A crise estrutural do capital, para Mészáros, é a forma de desenvolvimento do sistema do capital a partir do final da década de 1960, pode ser entendida, portanto, como a forma de ser da totalidade social sob a égide do capital na contemporaneidade.

Sobre o caráter estrutural da forma de ser do sistema do capital enquanto crise em curso, Mészáros (2006, p. 797) destaca que:

em termos simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é articulada. Diferentemente, uma crise não- estrutural afeta apenas algumas partes do complexo em questão, e assim, não

377 Cf. especialmente “A necessidade do controle social” redigido em 1971.

378 Cf. “A crise em desdobramento e a relevância de Marx” de 2008, “A crise atual” redigido em 1987, entre

importa o grau de severidade em relação às partes afetadas, não pode pôr em risco a sobrevivência contínua da estrutura global.

A caracterização mais detalhada do fenômeno pode ser evidenciada na passagem a seguir:

(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.);

(2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises do passado);

(3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital;

(4) em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia (MÉSZÁROS, 2006, p. 796, grifo do autor).

Desta maneira, para Mészáros (Ibid., p. 797) “uma crise estrutural põe em questão a própria existência do complexo global envolvido, postulando sua transcendência e sua substituição por algum complexo alternativo”. Além disso, destaca que

“Como mencionado antes, a crise do capital que experimentamos hoje é fundamentalmente uma crise estrutural. Assim, não há nada de especial em associar- se capital a crise. Pelo contrário, crises de intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do capital: são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação.” (Ibid., p. 795, grifo do autor).

Sobre o aspecto “econômico” da crise estrutural, Mészáros mantém o pressuposto marxiano da imanência da crise ao desenvolvimento do capital, tendo em seu “modo natural de existência” a crise como momento constitutivo, como forma de “progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação”.

Como sabemos, em Marx, a dinâmica capitalista se desdobra mais do que de modo cíclico, mas sim espiral. A questão é que este modo necessário de realização do capital - “espiral”-, para Mészáros, não só acumula contradições que se repõem de modo sistemático e cada vez mais complexo – como crise “cumulativa”-, mas opera dentro de marcos de uma totalidade cuja “maquinaria” para administrar a crise encontra-se com perca progressiva de eficácia, circunscrita aos limites de uma produção que não encontra mais regiões do planeta para dar vazão ao seu mecanismo expansivo379. Mas entende que a manifestação da crise em

379 Não temos muito acordo com o entendimento de Sampaio Jr. (2011, p. 199) de que a “origem do problema

encontra-se no fato de que a tendência decrescente da taxa de lucro, resultado da própria expansão das forças produtivas, acirra de maneira irreconciliável as contradições entre o capital e o trabalho.”. Entendemos que, na

curso a pressupõe e supera, sendo a primeira insuficiente para explicar o atual estágio de desenvolvimento do sistema do capital. Isso não quer dizer que a dinâmica “espiral” não vigore, mas se realize subordinada a uma dinâmica global de crise estrutural. Ou seja, ela existe subordinada a um fenômeno de maior duração no tempo, indo para além da dimensão conjuntural, e de maior abrangência espacial, tendo contornos globais, e, portanto, não podendo ser sanável com operações do Estado como a nacionalização da falência capitalista. Aqui, o que é importante ter em conta é que, para Mészáros, o atual estágio do sistema do capital tem sobreposto à dinâmica cíclica das crises a ativação dos limites absolutos do capital380. Ainda sobre este debate, Mészáros (2011, p. 41) rejeita o uso da teoria das ondas longas, já que, esta teoria é “uma ideia que, como hipótese explicativa um tanto misteriosa, foi injetada de forma apologética em debates mais recentes”.

No entanto, a crise estrutural do capital não se restringe à dimensão econômica da vida social. O seu caráter estrutural diz respeito a um duplo aspecto, tanto à estrutura geral da vida social ao sistema do capital atingindo todas as suas dimensões e/ou instituições, quanto a um “desgaste” progressivo da estrutura de cada uma dessas dimensões e/ou instituições particularmente e em seu conjunto381. E os mecanismos de remediação dos distúrbios do sistema já não são capazes de produzir o mesmo efeito, estando em “completo fracasso”:

A frequência sempre crescente com que os ‘distúrbios e disfunções temporárias’ aparecem em todas as esferas de nossa existência social e o completo fracasso das medidas e instrumentos manipulatórios concebidos para enfrentá-los são uma clara evidência de que a crise estrutural do modo capitalista de controle social assumiu proporções generalizadas. (Id., 2006, p. 1007-1008).

3.2.2 A crise estrutural do capital, uma hipótese de sentido para a categoria e o colapso