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3. POR UMA AMBIENTALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FORMAL

3.1 A crise do nosso tempo

“O aprendizado da vida deve dar consciência de que a ‘verdadeira vida’[...] não está tanto nas necessidades utilitárias- às quais ninguém consegue escapar, mas na plenitude de si e na qualidade poética da existência, porque viver exige, de cada um, lucidez e compreensão ao mesmo tempo, e, mais amplamente, a mobilização de todas as aptidões humanas”.

(Edgar Morin)

Estamos vivenciando um período de resignificação e reorientação do curso da história, uma crise do nosso tempo que aponta para limites do crescimento econômico e populacional, da degradação ambiental, da capacidade de suporte dos ecossistemas, da pobreza e da desigualdade. Tal crise é também uma crise do pensamento ocidental com raízes na modernidade que coisificou e fragmentou a vida. Neste sentido, a problemática ambiental, mais que uma crise ecológica, é uma crise de percepção, de valores, do pensamento e do entendimento, da ontologia e da epistemologia com as quais a civilização ocidental compreendeu o ser, os entes e as coisas; uma crise da ciência cartesiana e das razões de sua produção intelectual e tecnológica com as quais a natureza foi dominada e o mundo moderno precificado (LEFF, 2010).

Unger (2006, p. 154, grifos nossos) também trata da crise acima mencionada, ao trazer à tona o pensamento desenvolvido por Heidegger, o qual nos leva a refletir sobre a redução de todos os seres a objetos:

[...] A crise ambiental é o sintoma, a expressão de uma crise que é cultural, civilizacional e espiritual. Uma crise que nos obriga a pensar esta questão que ficou esquecida por tanto tempo: a nossa compreensão do Ser. O pensamento de Martin Heidegger questiona a base antropocêntrica e auto-referencial do humanismo moderno. Busca uma nova dimensão do pensar que supere a racionalidade unidimensional hoje dominante, mostrando que a noção do ser humano como sujeito, fundamento de toda verdade, valor e realidade, é historicamente datada e pode ser desconstruída.

Depreende-se então, que as alternativas à crise ambiental não poderão surgir unicamente pelas mesmas vias que a criaram5. Morin (1999) alerta que ao se defenderem propostas partindo da lógica do sistema em que os problemas se estruturaram, não é possível atingir os objetivos pretendidos, pois, se trata de ações pontuais e parciais que possuem origem em um determinado paradigma de apreensão da realidade. Soma-se a isto o não questionamento do conhecimento, a crença na verdade absoluta, a alienação à constituição da ciência que valida nossas explicações e compreensões dos fenômenos, a nossa forma de viver, de agir e atuar no mundo.

Uma mudança de paradigma é, portanto, um processo social longo que implica alterações significativas no modo como as disciplinas funcionam, modificando perspectivas sobre o que é pensável ou impensável, alterando estratégias intelectuais para resolução de problemas e modificando o uso da terminologia e os marcos conceituais em um novo universo discursivo (PIM, apud PELIZZOLI, 2008).

Dentro desse mesmo contexto de discussão, da necessidade de mudanças estruturais e de constituição de um novo paradigma, Santos (2007, p.3) nos oferece uma brilhante compreensão de como opera o pensamento moderno ocidental, marca do paradigma dominante, que vem guiando nossas sociedades:

O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade torna-se inexistente [...].

Ainda segundo Santos (2007, p. 5), do outro lado da linha, não há conhecimento real; “existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjetivos, que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matéria prima para à inquirição cientifica”. Essa negação e aniquilação do Outro foi o que nos conduziu à

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Podemos encontrar um exemplo contundente de problemas que buscam soluções pelas mesmas vias que a criaram em: LAYARGUES, Philippe. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental. In: LOUREIRO, F.; LAYARGUES, P.; CASTRO, R. (Orgs.) Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002, 179-220.

crise atual e o que ao mesmo tempo estar nos impulsionando a superá-la. Santos (2007, p.13) incita a necessidade de uma nova epistemologia, que vá além da monocultura científica ocidental, pois “a injustiça social global estar intimamente ligada à injustiça cognitiva global [...] esta luta exige um novo pensamento, um pensamento pós-abissal”. Pois bem, é necessário o questionamento sobre o conhecimento do mundo, sobre o projeto epistemológico que buscou a homogeneidade da realidade, que negou o limite, o tempo, a história, a diferença, a diversidade, a outridade (LEFF, 2010). Edgar Morin, Enrique Leff e Boaventura de Souza Santos6 corroboram no que diz respeito à necessidade de uma reforma no pensamento para empreender as mudanças necessárias no sentido de superar a atual crise: “[...] Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conhecimento” (MORIN, 2000, p.20).

De acordo com Capra (1982) apud Pelizzoli (2013, p. 36) passamos por quatro grandes paradigmas civilizatórios na humanidade: 1) A agricultura e fim do nomadismo; 2) O cristianismo junto com império romano -Pelizzoli (2013) acrescenta neste ponto também a filosofia grega- 3) A revolução científica; e 4) O início do atual paradigma ecológico, holístico.

Segundo Carvalho (1992, p.96), esse novo paradigma pode ser chamado pela intelocracia de pós-histórico, pós-holístico, pós-dialético, ou tantas outras denominações que estão sendo utilizadas, o que vem a ser uma questão secundária. Pois, o que estar no cerne da questão é “o reconhecimento de uma revolução paradigmática que já estar em curso e fechar os olhos a ela significa refugiar-se em ressentimentos recalcados, recusar- se a reinterpretar a dialógica da história, fechar-se à aventura da razão”. E diríamos mais: é fechar-se a viver com o coração.

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Os autores convergem em alguns pontos e divergem em outros. Não é o propósito do presente trabalho explorar as diferenças, mas sim evidenciar as convergências. Em linhas gerais, Edgar Morin defende a “Ecologização do Pensamento”, Enrique Leff defende a construção de uma “Racionalidade Ambiental”e Boaventura de Souza Santos uma “Ecologia dos Saberes”.