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3 PERSPECTIVAS EM CONFLITO DA CRISE À OPORTUNIDADE

3.1. CRISE CIVILIZATÓRIA A urgência de um novo paradigma.

3.1.1. Crise Social: Consumo Totalitário.

“O cientificismo da propaganda de massa tem sido empregado de modo tão universal na política moderna que chegou a ser identificado como sintoma mais geral da obsessão com a ciência que caracterizou o Ocidente desde o florescimento da matemática e da física no século XVI. Assim, o totalitarismo parece ser apenas o último estágio de um processo durante o qual ‘a ciência [tornou-se] um ídolo que, num passe de mágica, cura os males da existência e transforma a natureza do homem’. Realmente, há uma antiga ligação entre o cientificismo e o surgimento de ‘leis naturais do desenvolvimento histórico’ a eliminação da incômoda imprevisibilidade das ações e da conduta do indivíduo. Cita-se o exemplo de Enfantim, que pressentia a chegada do ‘tempo em que a arte de movimentar as massas estará tão perfeitamente desenvolvida que o músico e o poeta terão o poder de agradar e comover com a mesma certeza com que os matemáticos resolvem um problema geométrico ou um químico analisa qualquer substância’. Talvez tenha sido nesse instante que nasceu a propaganda moderna” (ARENDT, 1989, p 295- 296).

Este item discorrerá sobre a sociedade de consumo, o papel da indústria cultural, da publicidade e de como esses fenômenos ganham importância extrema na despolitização do mundo contemporâneo. Primazia da preocupação arendtiana, a crise da modernidade - fator que tornara possível as grandes catástrofes do século passado -, é esmiuçada pela filósofa em diversos pontos de reflexão, onde a Filosofia Política recebe maior destaque enquanto teoria em sua preocupação final: o mundo e as conseqüências da irresponsabilidade do homem moderno sobre ele. Tais preocupações serão mantidas, porém, ao transpô-las para o mundo atual, com a lente de aumento na importância do consumo para a crise paradigmática contemporânea, as preocupações serão elevadas. A crise da modernidade continua em processo de acentuação e, apesar da contribuição arendtiana para a entendermos melhor, nada parece impedi-la de nos levar à novas catástrofes. Não que seja certo e que podemos adiantar do que se trata, uma vez que o futuro nos reserva situações não previsíveis, mas algo sombrio pode ser apontado como um horizonte possível, uma vez que as condições, denunciadas por Arendt, que levaram a

humanidade ao domínio do mal continuam, e pior, se agravam a cada vez que o futuro se torna passado. A banalidade do mal é cada vez mais lugar comum em nossas sociedades.

À luz dessa abordagem, poderemos compreender o esvaziamento sistemático e a ressignificação de termos como sustentabilidade e comunidade, assim como as estratégicas recauchutagem por que passam certos segmentos, como o que acontece com a transposição da indústria cultural à economia criativa.

A lógica do consumo, embutida em todos os meios de comunicação, ditam os valores e o modo de vida para toda a sociedade. Da maneira de agir aos desejos de lazer, de como se comportar à maneira de falar, da estética do belo à aparência pessoal, do que pensar e em quem votar, tudo se torna consumível e manipulado pela propaganda, pronto para usar e ser descartado.

“A indústria de entretenimentos se defronta com apetites pantagruélicos, e visto seus produtos desaparecerem com o consumo, ela precisa oferecer constantemente novas mercadorias. Nessa situação premente, os que produzem para os meios de comunicações de massa esgaravatam toda gama da cultura passada e presente na ânsia de encontrar material aproveitável. Esse material, além do mais, não pode ser fornecido tal qual é; deve ser alterado para se tornar entretenimento, deve ser preparado para consumo fácil” (ARENDT, 2003, p 259).

Assim, tanto os objetos de arte e bens culturais, aos quais propriamente Arendt se refere no trecho supracitado, quanto as informações veiculadas pelos meios de comunicação, tudo o que é “divulgado” toma esse caráter de entretenimento. Fato que se pode comprovar além de pela constatação do material à qual somos cotidianamente “bombardeados” pela mídia, é a função do marqueteiro, do publicitário e do relações públicas no mundo atual. Tais profissões se espalharam para todas as áreas do conhecimento e suas ferramentas são utilizadas por todos os que pretendem alguma comunicação com a massa. Aquela lógica encontra-se tão enraizada na sociedade atual, que contamina inclusive as instituições de educação, que reduzem o conteúdo que se pretende “ensinar” às cartilhas básicas de fácil assimilação, confundindo seus alunos com consumidores, (o que de fato não é de se assustar, diante do esquema tão difundido da educação privada, em que o fim almejado por seus proprietários é pura e simplesmente lucros cada vez maiores). Verifica-se, ainda, que a nossa sociedade de massa também perdeu a capacidade de julgar, aceitando o “produto” da sociedade capitalista como o

indispensável para sua sobrevivência, sem sequer contestar ou questionar suas razões. A sociedade passa a ser somente a sociedade de consumo, os direitos do cidadão passam a ser apenas os direitos do consumidor.

“O fato é que uma sociedade de consumo não pode absolutamente saber como cuidar de um mundo e das coisas que pertencem de modo exclusivo ao espaço das aparências mundanas, visto que sua atitude central ante todos os objetos, a atitude do consumo, condena à ruína tudo que toca” (ARENDT, 2003, p 264).

“É no processo constante de exaltação e fetichização do cotidiano, em que se apagam as marcas do tempo e da história e as contradições do sistema são maquiadas, que o consumo atinge seu mais alto ponto de realização.” (JOBIM e SOUZA, ET AL. p 97. Apud LOUREIRO, 2003, p 66-7)

As identidades e tradições culturais são solapadas pela ampliação dos mercados e a capacidade de resiliência da natureza e dos povos vai sendo cada vez mais comprometida. A natureza é expropriada violentamente para a obtenção das matérias primas e da energia necessárias para a manutenção da indústria em constante crescimento e que para manter tal furor, além da publicidade lança mão do que tem se chamado de “obsolescência programada”, que é a fabricação de produtos descartáveis, programados para se tornarem obsoletos o mais breve possível. A população, agora muito mais identificada como consumidores do que como cidadãos, além de ser submetida ao entretenimento e às forças pasteurizadoras da hegemonia cultural, tornam-se dependentes do modo de vida urbano- moderno perdendo paulatinamente sua capacidade de subsistência.